Cenários

Corrente de comércio brasileira não caiu em 2023 e está subindo em 2024

4 set 2024

Corrente de comércio brasileira medida a preços constantes não subiu em 2019-2022, não caiu em 2023 e vem em forte alta em 2024, impulsionada pelo "China Shock 2.0”

Em um post recente no LinkedIn, o economista Lucas Ferraz - que foi Secretário do Comércio Exterior do Ministério da Economia entre 2019 e 2022 e atualmente é Secretário de Negócios Internacionais do estado de São Paulo – apresentou a figura abaixo e apontou “(...) que o período de 2019 a 2022 coincide com o período de maior abertura econômica da história do Brasil (dados desde 1960), quando medido pela corrente de comércio sobre o PIB”.

No entanto, a análise das cifras em valores correntes feita por ele desconsidera as diferenças entre os movimentos de preços relativos (dados por termos de troca e variação da taxa de câmbio) e os movimentos de quantidades/volumes.

Para avaliar se uma economia é mais ou menos aberta ao comércio exterior (de bens e serviços), se está se abrindo ou se fechando, é importante observar o comportamento das quantidades transacionadas, já que são principalmente elas que impactarão a economia real, o grau de concorrência a que está sendo submetida e o grau de incorporação de insumos importados na produção doméstica.

A figura abaixo apresenta a evolução da corrente de comércio brasileira de bens e serviços (não fatores), obtidos a partir de dados das Contas Nacionais, já em % do PIB – tanto numerador como denominador estão a preços constantes de 2010, de modo a desconsiderar os movimentos dos preços.

Como pode ser notado, a dinâmica recente é bem diferente quando se desconta a evolução dos preços relativos (que subiram muito em 2020/22 e recuaram em 2023) e se agregam as exportações e importações de serviços não fatores (como turismo e arrendamento de equipamentos, dentre outros). Não houve aumento da corrente de comércio entre 2019 e 2022, nem encolhimento em 2023. E houve um aumento relevante na primeira metade de 2024, puxado por um crescimento de 12,6% do volume importado de bens e serviços (comparativamente a uma alta de 5,4% das exportações e de 2,9% do PIB como um todo).

No mais, é importante notar que esses movimentos da corrente de comércio em preços constantes nem sempre refletem decisões associadas à política comercial doméstica (tais como mudanças de alíquotas de importação, de barreiras não tarifárias ou mesmo a celebração de acordos de livre comércio com outros países/blocos).

Parte relevante do aumento da corrente de comércio brasileira entre o começo dos anos 2000 e o começo dos anos 2010 refletiu aquilo que se costuma chamar na literatura de “China shock”, que entrou em uma segunda fase após a pandemia de 2020/21, com os produtores chineses inundando o mundo com automóveis elétricos/eletrificados, baterias e equipamentos de geração de energia renovável (eólicas e fotovoltaicas), além de produtos de menor valor vendidos por meio de marketplaces digitais.

Ademais, a própria composição da demanda doméstica pode afetar a corrente de comércio: o coeficiente importado é muito maior dentre os bens de investimento do que nos bens de consumo. Choques de oferta causados por fatores climáticos, favoráveis e desfavoráveis, impactam a produção agropecuária e, consequentemente, as exportações (já que boa parte da produção brasileira desses produtos é embarcada para o exterior). A tendência de aumento da extração e petróleo e gás associada ao desenvolvimento do pré-sal também vem aumentando estruturalmente as exportações de petróleo bruto, em um contexto no qual o Brasil se tornou exportador líquido de petróleo e derivados a partir de meados da década de 2010.

Já no que toca ao patamar da corrente de comércio de bens e serviços (que atingiu cerca 26% do PIB na primeira metade de 2024, a preços constantes de 2010), também é preciso ser muito cuidadoso na comparação desse tipo de indicador com outros países para avaliar se o Brasil é uma economia relativamente aberta ou fechada. Como apontaram Canuto, Fleischhaker & Schellekens 2015, usando uma cross section com quase 180 observações no ano de 2013, países com maior extensão territorial e maior população tendem a ter uma corrente de comércio menor em porcentagem do PIB.  Com efeito, é preciso “ajustar” esses indicadores brutos de corrente de comércio para que essa comparação entre países seja mais informativa.

Talvez uma das melhores formas para avaliar se a política econômica de um país está promovendo uma maior abertura ou fechamento da economia ao comércio exterior seja observando o nível e a evolução da média ponderada das alíquotas de importação aplicadas aos bens (os quais correspondem a cerca de 80% das importações brasileiras, com os serviços não fatores respondendo pelo restante). A figura abaixo compara esse indicador do Brasil com a média mundial e com alguns outros países, com dados até 2021 (última leitura disponível).

Como pode ser notado, no caso brasileiro essa alíquota tem se mantido relativamente estável em torno de 8% desde o começo da década de 2010 (exceção feita ao ano de 2013, no qual ela se situou algo acima dos 10%, refletindo o impacto do programa InovarAuto).

Esses 8% correspondem a um percentual bastante superior à média global (em torno de 2,5%), além de estar cerca de 1 p.p. acima daquele praticado no Brasil entre 2005 e 2008 (menor patamar da série histórica, iniciada em 1989). Levando em conta esse tipo de indicador, de fato o Brasil pode ser considerado uma economia relativamente fechada – muito embora esse patamar elevado de alíquota média de importação não tenha impedido uma ampliação relevante da corrente de comércio nas últimas duas décadas e agora em 2024.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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