Fiscal

Crise fiscal estrutural

11 jul 2024

O crescimento dos gastos recorrentes precisa ser estancado, e a forma mais eficaz de fazê-lo no médio prazo é não reajustar o salário-mínimo acima da inflação.  E desindexar despesas com saúde e educação da receita total.

O dia 2 de julho está marcado como o ápice do primeiro efeito visível da crise fiscal que Lula 3 impôs ao país.  Depois da decisão do Copom de manter os juros em 10,5%, decisão esta unânime e acertada, o presidente da república saiu em caravana pelo país.  Neste périplo, em cada cidade visitada foram anunciados bilhões de reais de investimentos.  Fico muito surpreso com a lista de despesas, que inclui 10 novos campi universitários.  Afinal de contas, se não há recursos para as universidades existentes (e basta lembrar dos incêndios ocorridos na UFRJ nestes últimos 14 anos: capela da reitoria – 2011, prédio da reitoria – 2016 e do Museu Nacional - 2018) o que justifica novos investimentos?  Se querem investir mais, tem muito o que ser feito para que a manutenção dos prédios e instalações atualmente existentes sejam recuperados.  E note-se que tivemos dois meses de greve nas universidades federais, pois não há recursos para aumentar os professores universitários.  Estes novos investimentos parecem um tremendo contrassenso. 

Além disso, Lula mencionou inúmeras vezes que era contrário a cortes de gastos mais estruturais: gastos sociais não são gastos e investimentos também não.  Como a quase totalidade das despesas públicas pode ser encaixada como um gasto social ou como investimento, efetivamente o presidente diz que não vai alterar sua política de despesas públicas.  Mais especificamente, os gastos com saúde, previdência e BPC estão em trajetória descontrolada, crescendo a ritmos que são dos governos Lula e Dilma anteriores.  Obviamente, a equipe econômica já identificou este problema, pois tem os números mais sob vigilância.  E antes da turnê presidencial, Haddad e Tebet levaram ao conhecimento de Lula as contas: é inexorável que os dispêndios obrigatórios tornem-se cada vez mais preponderantes no orçamento, especialmente pela vinculação da aposentadoria e o BPC ao salário-mínimo.  Isto porque, na incrível lógica presidencial, o gasto social não é gasto!  Assim, vamos aumentar o salário-mínimo acima da inflação!  Lula descartou as medidas propostas.  E pôs o pé na estrada!  Adicionalmente, criticou persistentemente a decisão de manutenção da Selic em 10,5%. 

No dia 2 de julho o dólar atingiu R$5,70.  O juro da NTN-B de 2050 atingiu 6,55% ao ano, o maior valor desde março do ano passado, quando havia ainda enorme dúvida sobre a postura fiscal de Lula 3.  Pois bem, a dúvida está de volta. Só que agora tem um grau de certeza maior, pois já vimos o comportamento fiscal do governo Lula 3 em um ano e meio.  No dia 3 de julho, uma quarta-feira, Haddad fez um esforço enorme de convencimento e o presidente declarou que era a favor da responsabilidade fiscal e pelo menos até sexta, dia 5 de julho, não houve maiores bravatas.  Uma “onda de calma” instalou-se, e o dólar fechou esta sexta-feira em R$5,46.  Observe que nada próximo destes níveis seria considerado como uma situação “calma” há cerca de dois meses, mesmo depois de ficar claro que o Fed só cortaria os juros mais para o fim do ano.  De fato, ao redor do Copom de maio, o dólar tinha atingido R$5,15 e voltado abaixo de R$5,10.  Naquela ocasião ainda havia uma certa aposta positiva que o arcabouço seria minimamente preservado.  Espero, sinceramente, que os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet consigam convencer o presidente que não há alternativa: o crescimento dos gastos recorrentes precisa ser estancado, e a forma mais eficaz de fazê-lo no médio prazo é não reajustar o salário-mínimo acima da inflação.  E desindexar despesas com saúde e educação da receita total.  Quanto ao curto prazo, há um sem-número de ações que podem ser tomadas, mas todas ficam ineficazes se o salário-mínimo continuar subindo mais que a inflação e indexando aposentadorias, o BPC e outros benefícios.  Qualquer ajuste fiscal de curto prazo acabará por ser desfeito pelas maiores despesas adiante.  Por isso, o anúncio do contingenciamento de gastos de 25,9 bilhões é, a meu ver, apenas um primeiro sinal.  Se nada for feito estruturalmente, voltaremos a ter discussões como as destas semanas e não há dúvida de que haverá impactos muito mais relevantes. 

Seria também bom que o congresso contribuísse com a discussão.  Por exemplo, o plano de diminuir o custo das dívidas de estados com a União para 1% ao ano acima da inflação é um imenso impacto fiscal na dívida pública.  Em 2014 já foi feita uma redução dos juros da dívida de estados, que passaram a pagar 4% ao ano acima da inflação pelo IPCA. Isto já é uma grande benesse, pois hoje (8/7) o juro acima do IPCA dos títulos públicos está próximo aos 6,35% ao ano.  Este é o custo que a União paga para se endividar.  Reduzir mais ainda os juros pagos, significa uma despesa de mais 3% ao ano (4%-1%) incidentes sobre uma dívida de 765 bilhões. Assim, este novo custo que será rateado por todos os brasileiros será de R$23 bilhões por ano!  O presidente do senado Rodrigo Pacheco deveria tomar muito seriamente em consideração estes elevados gastos.  Somados ao que vemos o executivo fazendo, a situação fiscal do Brasil é muito frágil.  Para dizer o mínimo.  O poder executivo, e agora também o legislativo, estão levando o país a uma crise fiscal sem precedentes.  Vamos nos lembrar do que aconteceu no governo Dilma 2: a crise fiscal levou o país à pior recessão já observada em dois anos seguidos de nossa história.  Podemos estar caminhando para isto.  É claro que há tempo para evitar, mas nunca é demais ressaltar que se continuarmos neste passo, chegaremos lá.  Na crise. 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 09/07/2024, terça-feira.

Comentários

Alex Sandro Pon...
Boa tarde, Após ler o seu artigo, pensei: por que o governo federal não corta nos subsídios que chegam a quase R$ 500 bilhões, em vez de cortar no social, as classes média e média baixa já sofrem tanto com uma carga tributária altíssima sobre o consumo; Com a segunda parte da reforma tributária o congresso deveria estar aberto/solícito a fazer o certo, ter uma alíquota maior para renda, vamos caminhar com os impostos de forma progressiva. Desta forma veria um país mais justo e com uma estrutura financeira melhor. Olha o que eu estou dizendo é com base em informações sólidas, pois os países desenvolvidos tributam com alíquota maior a renda, em vez do consumo.

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