Cenários

De volta ao governo Lula 1, Lula 2 ou Dilma?

27 jun 2024

Ao menos duas ações terão de ser feitas para estancar piora de preços dos ativos: reforma nas despesas obrigatórias para dar consistência ao arcabouço, e demonstração dos indicados pelo PT que meta de inflação será perseguida.

O governo Lula 3 tem tido bom desempenho em termos de atividade econômica, desemprego e inflação, apresentando números melhores do que inicialmente previstos pelo mercado. Todavia, não tem conduzido de maneira eficiente as expectativas, de forma a gerar clareza ou previsibilidade de como se comportará até dezembro de 2026.

Por conseguinte, os preços dos ativos domésticos (dólar, bolsa e juros, por exemplo) têm apresentado alta volatilidade e recentemente se desvalorizado sistematicamente. Enquanto o presidente Lula não parar de oscilar e explicitar com clareza como se comportará economicamente nos próximos anos, os preços de tais ativos não se estabilizarão. De fato, até o presente momento, em seu terceiro mandato, Lula vivenciou três fases distintas e oscilantes entre os governos Dilma, Lula 1 e Lula 2, elevando o grau de incerteza para o investidor.

Entre novembro de 2022 e março de 2023, com falas agressivas e rancorosas, o presidente Lula gerou a apreensão de que seu mandato seria uma réplica dos governos Dilma, colocando a dívida pública em trajetória explosiva ou em dominância fiscal, especialmente depois de aprovar a PEC da gastança e de defender a alteração da meta de inflação para 4,5%.

Por sua vez, entre os meses de abril e dezembro de 2023, o presidente Lula deu sinais de que vivenciaria Lula 1, pois aprovou um arcabouço fiscal que prometia estreitar o crescimento real das despesas primárias para o intervalo entre 0,6% e 2,5% ao ano, similar ao executado entre 2016 e 2022, determinou a meta de inflação em 3% e aprovou uma reforma tributária que simplifica e moderniza o caótico sistema tributário brasileiro.

Além disso, executou um ajuste fiscal estrutural de cerca de 1% do PIB pelo lado das receitas, com reoneração do PIS/Cofins e restituição do ICMS à base de cálculo do PIS/Cofins, medidas que pareciam bastante improváveis mesmo para os mais otimistas no início de 2023. Ademais, deu sinais de que a intervenção nas empresas estatais seria moderada, a exemplo da manutenção do ponderado Jean Paul Prates à frente da Petrobras.

Porém, a partir de janeiro de 2024, em vez de prover garantias de que o teto de despesas do arcabouço fiscal será cumprido, por meio do encaminhamento de reformas nas despesas obrigatórias, e ajudar o Banco Central a perseguir a meta de inflação de 3%, o Planalto tem dado sinais reiteradamente contrários aos prometidos nos meses de abril a dezembro de 2023.

Desde o começo deste ano, não tem havido qualquer sinal de ajuste estrutural (pelo lado da despesa) que torne consistente o arcabouço fiscal. Logo, ao longo dos últimos meses, tem diminuído a crença de que seja crível a busca pelo superávit primário que torna a dívida pública sustentável.

Também não tem ocorrido moderação na intervenção estatal. Esta, inclusive, tem se intensificado e apresentado sinais de que irá se intensificar ainda mais, dando margem a perspectivas crescentes de que os velhos escândalos de corrupção venham à tona, como indicou o “Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional”, no qual o Brasil caiu 10 posições em 2023, ficando em 104º lugar entre 180 países.

Nesse contexto, a postergação do início do período de afrouxamento da política monetária americana, internalizada pelos agentes de mercado no decorrer deste ano, tem contribuído adicionalmente para a deterioração dos preços dos ativos locais.

Em janeiro deste ano, previa-se pelo menos seis cortes na taxa de juros americana ao longo de 2024. Neste início de julho, se precifica no máximo 2 cortes. Em tese, tal postergação exige do governo brasileiro maior demonstração ou sinalização de coordenação entre as políticas monetária e fiscal, com maior austeridade desta.

Contudo, o que se observou foi total descoordenação no gerenciamento das expectativas e sinalização de menor austeridade.

De fato, em meio a esse turbilhão gerado pela alteração de percepção relacionada à ausência de afrouxamento monetário americano, a equipe econômica decidiu alterar as metas de resultado primário para 2025 e 2026, afrouxando-as, quando o contexto clamava por mais austeridade. Naturalmente, o mercado, que tinha dado credibilidade ao arcabouço fiscal, passou a precificar sua ruína.

Depois, em consequência desse erro de política fiscal, com mudança de meta num timing inadequado, corretamente o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, antecipou uma mudança do guidance (para impedir deterioração maior nos preços dos ativos) em evento a investidores em Washington DC, sinalizando desaceleração do afrouxamento monetário que vinha sendo conduzido pelo BC para cortes de 0,25 ponto de porcentagem (p.p.) em vez do 0,50 p.p. formalmente prometido na Ata. O mercado entendeu, o dólar estancou a depreciação, a curva de juros fechou e a deterioração nos preços dos ativos locais se estabilizou.

Ocorre que, na reunião subsequente de decisão do comitê de Política Monetária (Copom), os quatro diretores indicados pelo presidente Lula falaram que iam seguir o guidance da Ata. Para o mercado, porém, isso já tinha mudado, não era mais a Ata.

Assim, o mercado entendeu que os diretores indicados pelo PT receberam ligação ou recados do presidente Lula e o atenderam. Consequentemente, além da já aludida expectativa de deterioração fiscal, passou a existir também uma expectativa de futura leniência do Banco Central, a partir de janeiro de 2025, quando a maioria de diretores do Copom será constituída por indicados pelo presidente Lula.

Diante disso, como o mercado financeiro antecipa problemas (e soluções) via expectativas, ao menos duas ações terão de ser feitas para estancar a piora dos preços dos ativos: i) reforma nas despesas obrigatórias para prover consistência intertemporal ao arcabouço; ii) demonstração por parte dos indicados pelo PT que a meta de inflação será perseguida.

Neste último caso, a reunião do Copom ocorrida em junho já foi nessa direção, com uma decisão unânime e os diretores indicados pelo PT aderindo ao tom hawkish (restritivo). Mas a reação subsequente do mercado deixa claro que a provisão de consistência ao arcabouço fiscal também é necessária.

De fato, no lado fiscal, apesar de o presidente Lula ter ao menos começado a falar de despesa, faz-se necessário algo concreto, a exemplo de uma limitação de despesas (contingenciamento) que sinalize austeridade e a busca efetiva das metas de resultado primário prometidas já na próxima avaliação fiscal no 3º relatório bimestral, em julho. Idealmente, tal contingenciamento deveria ser seguido de encaminhamento de ajustes estruturais nas despesas obrigatórias no Projeto da Lei Orçamentária Anual de 2025, a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 31 de agosto.

Sem essas duas ações, mesmo com início do afrouxamento monetário nos EUA, não há de haver melhora nos preços dos ativos domésticos. Ocorre que, sem essa melhora, certamente teremos condições de crédito piores ao longo dos próximos meses e rápida deterioração dos dados econômicos correntes. O detalhe é que ainda estamos em meados de 2024 e a atual descoordenação vai mostrar seu impacto em 2025, véspera de ano eleitoral.

Dito isso, considerando nossa leitura de que tal cenário acarretará popularidade do presidente estável ou decrescente em 2025, em um ambiente polarizado, em que todos se recordam dos cenários eleitorais pretéritos de eleições acirradas, especialmente os de 2014 e de 2022, acreditamos que, naturalmente, crescerá o temor do mercado de que o Tesouro Nacional absorva mais um passivo fiscal. De fato, nesse contexto, dado o natural instinto político do incumbente, será crescentemente inferido que o presidente Lula intensificará suas ações rumo a um mandato à la Dilma, de modo a tentar obter sua reeleição a qualquer custo, o que estressará ainda mais os preços dos ativos. Isso nos leva a crer que podemos ter crise de crédito e de desconfiança, com forte impacto no câmbio, já em 2025, tornando a reeleição do presidente Lula ou eleição de seu afilhado político, o ministro Haddad, ainda mais difícil.

Concluindo, o presidente Lula precisa se decidir ou sinalizar com clareza sobre qual governo quer ser. Se não sinalizar medidas austeras com pragmatismo, a exemplo da inesperada taxação sobre o inativo do setor público que apresentou em 2003, irá para o suicídio econômico e político, pois se inviabilizará ou inviabilizará o Haddad como seu sucessor. De fato, se Lula continuar na mesma toada com que vem conduzindo o governo desde o início deste ano, tornará a eleição do ex-presidente Bolsonaro ou de alguém por ele ungido muito mais provável do que as pesquisas indicam hoje.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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