Macroeconomia

Desalento desafia percepção de melhora no mercado de trabalho

10 jun 2019

A redução da taxa de desemprego observada no Brasil nos últimos dois anos tem sido acompanhada, surpreendentemente, de uma contínua e rápida alta também do número de desalentados – brasileiros que, apesar de não terem procurado trabalho nos últimos 30 dias de referência, têm o desejo de estar trabalhando. Como se vê no Gráfico x, nos piores momentos da crise brasileira, a população em situação de desalento chegou a crescer 90% em relação ao mesmo trimestre móvel do ano anterior, e atualmente cresce a taxas em torno de 6%, ainda muito acima da força de trabalho e da população ocupada.  

 

Ainda que haja algum debate acerca do tema (Finnegan, 1978; Elliott & Dockery, 2006; Cross, 2018) a Organização Internacional do Trabalho (OIT) não considera os desalentados como desocupados (ILO, 2013), uma vez que a razão pela qual os indivíduos não procuram trabalho é subjetiva e pode estar associada ainda a barreiras culturais. Deste modo, sua inclusão agregaria ruído à capacidade do indicador de medir aquecimento do mercado de trabalho. No entanto, a própria OIT e o IBGE consideram os desalentados como ‘força de trabalho potencial’, de modo a possibilitar análises mais amplas.

Seguindo essa definição, a taxa de desalento (desalentados/força de trabalho potencial) passou de 2% no 1º trimestre de 2012 para 4,4% no mesmo trimestre de 2019, mais do que o dobro. Com isso, apesar de o Brasil registrar uma suave queda da taxa de desemprego a partir do segundo semestre de 2017, somando-se os desalentados aos desocupados, observa-se uma estabilidade no nível de 16%, como mostra o gráfico abaixo.

Comparar a taxa de desalento com o resto do mundo é um desafio, uma vez que cada país considera um período de desalento diferente (no Brasil, considera-se o período mensal, por exemplo). A OIT, no entanto, compilou o número de desalentados de diversos países no mundo, considerando uma definição própria, mais restritiva. Seguindo tal metodologia, nossa taxa de desalento cai de 4,3% para 1,1%, nos colocando em 34º lugar entre 87 países. Na América Latina, o Brasil ficaria em terceiro lugar, atrás apenas da República Dominicana e Guiana.

Matrizes de Transição

As chamadas “Matrizes de Transição” representam uma ferramenta de grande utilidade, já que permitem mapear origem e destino do entrevistado[1] a partir de informações fornecidas em diferentes momentos. O caráter longitudinal da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) Trimestral, por sua vez, faz dessa pesquisa uma fonte ideal para analisar transições de diferentes condições ocupacionais entre trimestres.

Na análise a seguir, serão consideradas as seguintes condições ocupacionais: (i) ocupado; (ii) desocupado; (iii) desalentado e; (iv) fora da força de trabalho (FT) não desalentado. O acompanhamento das transições entre períodos (trimestres) permite analisar para quais condições ocupacionais os indivíduos migraram. Com isso, é possível saber tanto para onde migraram os desalentados um ano depois, por período, como também é possível calcular o percentual de migração para a condição de desalento dos ocupados, desocupados e fora da FT não desalentados. 

As Matrizes de Transição construídas a partir da PNADC têm cobertura de cinco trimestres, de forma que os mesmos indivíduos poderão ser analisados no mesmo trimestre de anos consecutivos. Deste modo, é possível observar migrações entre condições ocupacionais em um ano, excluídos os efeitos de sazonalidade. Seguindo a limitação de disponibilidade dos dados da PNADC, serão analisadas as duplas de trimestres de 2012.I-2013.I até 2018.I-2019.1.  

O Gráfico abaixo mostra a proporção de migração para o desalento das demais condições ocupacionais. Os desocupados permanecem como a condição dos que mais migram para o contingente de desalentados um ano depois, passando de cerca de 6% em 2014 (com referência aos desocupados de 2013) para cerca de 10% em 2019 (com referência aos desocupados de 2018). Houve também um expressivo aumento daqueles fora da FT não desalentados que migraram para o desalento.

Já o Gráfico abaixo mostra a migração dos desalentados um ano depois. Como se vê, o percentual daqueles que migraram para a desocupação ou permaneceram desalentados cresceu significativamente, enquanto as migrações para uma ocupação ou para fora da FT sem desalento se reduziram, especialmente esta última, que passou de 50% em 2013 para cerca de 35% em 2018, uma queda de 15p.p.

Os gráficos mostram tendências preocupantes. Em especial, cada vez mais desocupados migram para o desalento, além de ter havido um aumento dos desalentados que permanecem nesta condição ou migram para a desocupação. Desse modo, o ciclo desocupação-desalento parece de fato se verificar no período recente no Brasil, tornando possivelmente mais útil analisar a taxa de desemprego que considera os desalentados.

 

Referências Bibliográficas

CEPR - CENTER FOR ECONOMIC AND POLICY RESEARCH. The Real Rate of Recovery, Part 1: The Jobless Rate. Disponível em: <http://cepr.net/blogs/cepr-blog/the-real-rate-of-recovery-part1-the-jobl.... Acesso em: 12 mar. 2015.

CEPR - CENTER FOR ECONOMIC AND POLICY RESEARCH. The Rise of Discouraged Workers. Disponível em: <http://cepr.net/blogs/cepr-blog/the-rise-of-discouraged-workers>. Acesso em: 25 maio 2015.

ELLIOTT, Luke; DOCKERY, A. M. ARE THE ‘HIDDEN UNEMPLOYED’ UNEMPLOYED? Perth, Australia: The Centre For Labour Market Research, 2006.

FINEGAN, T. ALDRICH. “Should Discouraged Workers Be Counted as Unemployed?” Challenge, vol. 21, no. 5, 1978, pp. 20–25. JSTOR.

HINKES-JONES, Llewellyn. Long-Term Discouraged Workers Increase in Growing Economy. Disponível em: <https://www.bna.com/longterm-discouraged-workers-n73014446899/>. Acesso em: 26 ago. 2016.

ILO. Report of the Conference: Report III. In: INTERNATIONAL CONFERENCE OF LABOUR STATISTICIANS, 19., 2013, Geneva. 19th International Conference of Labour Statisticians. Geneva: International Labour Office, 2013. p. 01 - 110.

PHILIP CROSS. The Truth About the Unemployment Rate: Why we put too much faith in one measure of the economy and how to better understand what labour statistics are telling us. Ontario, Canada: MLI - Macdonald-Laurier Institute, 2018.

Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de março de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Maio/19

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 


[1] Como estratégia de identificação dos indivíduos nos referidos trimestres foram utilizadas as variáveis “data de nascimento” e “identificação de domicílio” (gêmeos desconsiderados).

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Ricardo Knudsen

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