Macroeconomia

Desempenho da economia brasileira nos últimos oito quadriênios (1987-2018)

28 dez 2021

Durante o governo FHC, o PIB per capita (US$, PPP) do Brasil cresceu em linha com o previsto pela média dos modelos; no governo Lula, houve um crescimento observado maior do que o previsto; e, no período Dilma/Temer, um crescimento observado menor do que o previsto.

O artigo “Desempenho da Economia Brasileira nos Últimos Oito Quadriênios (1987-2018): Um Estudo em Painel Comparando os Dados Observados e Previstos”[1] foi apresentado no XXIV Encontro de Economia da Região Sul – ANPEC SUL 2021, na área de Macroeconomia. O presente post, publicado aqui no Blog do IBRE, apresenta um resumo e os principais resultados do artigo. Aqui pode ser vista a apresentação do artigo.

De acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), o Brasil passou por dez recessões[2] desde a década de 1980, sendo as duas últimas ocorridas recentemente (entre o 2T14 e o 4T16, com uma perda acumulada de 8,1% e a crise relacionada ao coronavírus, em 2020). O PIB, após recuar por dois anos seguidos (3,5%, em termos reais, em 2015 e 3,3% em 2016), entrou num processo de recuperação lenta e gradual da atividade econômica, com crescimento de 1,3% em 2017 e 1,8% em 2018. A taxa média do último quadriênio (2015-2018), dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, foi de aproximadamente -1%, a mais baixa da longa série histórica.[3] Em 2019 ocorreu mais um crescimento baixo do PIB, de 1,4% e, no início de 2020, com as expectativas mais positivas para o crescimento da economia, veio a crise do coronavírus, e o Brasil, ao invés de continuar no processo de retomada (lenta) de recuperação da economia, entrou numa outra recessão sem ter recuperado totalmente as perdas da recessão 2014/16.   

Diante desse quadro, um dos principais debates na economia brasileira foi sobre os motivos da desaceleração do crescimento brasileiro, principalmente da recessão 2014/16. Sobre essa recessão, uma (menor) parte dos analistas acreditavam que o enfraquecimento da economia foi resultado principalmente de fatores externos; outra parte (majoritária) interpretava que fatores internos foram os principais motivos, sobretudo relacionados com a chamada “Nova Matriz Econômica”.

Diante do exposto acima, o objetivo deste artigo é analisar, por meio de um estudo de dados em painel, o desempenho da economia brasileira a partir da década de 1980 até 2018, separado por quadriênios e períodos de oito anos. No modelo, a taxa real de crescimento anual do PIB per capita em dólares é explicada por uma série de variáveis, tanto internas quanto externas, e a amostra contém 37 países. Outro modelo similar, com pequenas variações, e com uma amostra maior (67 países) também é estimado, para dar uma maior robustez aos resultados. No artigo há uma seção com revisão da literatura; outra com os resultados dos estudos em painel; e, por fim, as conclusões.

Nesse estudo estimou-se um painel anual com efeitos fixos, em que a taxa real de crescimento anual do PIB per capita em dólares[4] é explicada por uma série de variáveis específicas para cada país, bem como variáveis externas que são comuns a todos os países.

As variáveis explicativas selecionadas foram:[5]

Variáveis externas: PIB mundial; taxa de crescimento dos termos de troca;[6] gap de juros nos EUA.[7]

Variáveis domésticas: PIB per capita defasado em um ano; taxa de investimentos; consumo do Governo; juro real (juro nominal médio de política monetária – inflação média anual); dummy para os anos de recessões no Brasil.[8]

As fontes das variáveis externas foram: FMI para o PIB mundial; Banco Mundial para os termos de troca; Federal Reserve para as taxas de juros nominais dos EUA; e base de dados do Laubach e Williams para o juro neutro.[9] Já para as variáveis domésticas, as fontes foram as seguintes: FMI para o PIB per capita, taxa de investimentos e inflação; Banco Mundial para o consumo do Governo; e BIS para o juro nominal de política monetária. A amostra contém dados anuais entre 1980 e 2018, porém o painel é desbalanceado, pois para alguns países a amostra se inicia após 1980. Todas[10] as variáveis são significativas a 5% ou 10% (termos de troca) e todos os coeficientes têm o sinal esperado.[11] Como uma análise de robustez, estimamos um painel com mais baixa frequência (quatro anos e oito).[12]

Os países da amostra foram 37[13] no total. Para esses exercícios feitos, o limitante da amostra ser de 37 países foi a variável juro real, construída com base nos juros nominais de política monetária do BIS. Como uma forma de testar a robustez dos resultados apresentados até aqui, os mesmos modelos foram rodados, com as mesmas variáveis, excluindo o juro real. Com isso, pode-se aumentar a amostra de 37 para 67.[14] As fontes dos dados continuam as mesmas dos exercícios anteriores, e todas[15] as variáveis são significativas a 5% ou 10% (termos de troca) e todos os coeficientes têm o sinal esperado.[16]

Na Tabela 1 há as variáveis utilizadas no modelo, com os dados do Brasil, separado pelos quadriênios, começando em 1987 e terminando em 2018. Além disso, há as médias do crescimento do PIB mundial e do gap de juros nos EUA. Ao observar os dados da Tabela 1, verifica-se que no quadriênio 2015-2018, em função da recessão ao longo de 2015 e 2016,[17] a média da taxa de crescimento do PIB per capita foi a menor dos oito quadriênios analisados, bem como a menor taxa de investimento (em % do PIB). Segundo Balassiano e Trece (2019),[18] a taxa de investimentos no Brasil está no menor nível dos últimos 50 anos.

De uma maneira geral, os dados do modelo com amostra de 37 países estão em linha com o modelo da amostra maior (67 países). No governo FHC, os dados observados foram levemente maiores do que os estimados. A economia brasileira durante o governo Lula cresceu mais do que o estimado, pelo fato do segundo mandato isso ter ocorrido de forma mais acentuada (no primeiro mandato, o valor observado foi levemente menor do que o previsto). E, a forte recessão de 2014-2016 influenciou bastante a grande diferença entre os valores observados e previstos pelo modelo para o período dos governos Dilma e Temer.   

Os Gráficos 1 e 2 comparam os dados observados com a média dos dados previstos por todos os modelos para os períodos de 4 e 8 anos. As Tabelas 2 e 3 apresentam as diferenças entre os valores observados e previstos da média dos modelos. Lembrando que os modelos são: amostra de 37 países: dados anuais, com média de 4 e oito anos; períodos de mais baixa frequência (dados quadrienais e de períodos de oito anos); amostra de 67 países: dados anuais, com média de 4 e oito anos; períodos de mais baixa frequência (dados quadrienais e de períodos de oito anos).


Em resumo, este artigo procurou analisar, por meio de um estudo de dados em painel, o desempenho da economia brasileira a partir da década de 1980 até 2018, separado por quadriênios. No modelo, com uma amostra de 37 países, a taxa real de crescimento anual do PIB per capita em dólares é explicada por uma série de variáveis, tanto internas quanto externas. Uma das variáveis era o juro real, utilizando-se os dados do BIS para os juros nominais. Há esses dados para 37 países. Também foram estimados os mesmos modelos, só que sem a variável juro real, para aumentar a amostra. Com isso, a outra parte do estudo foi com uma amostra de 67 países. Em ambos os casos os exercícios também foram feitos para períodos de frequência mais baixa (quatro e oito anos).

Os resultados encontrados nas médias dos modelos mostram que, durante o governo FHC, o PIB per capita cresceu em linha com o previsto pela média dos modelos; durante o governo Lula houve um crescimento observado maior que os previstos pelos modelos, muito em função do crescimento no segundo mandato ter sido 2,2 p.p. maior do que o previsto; e, nos últimos oito anos, enquanto o previsto pela média dos modelos era um crescimento, em média, de 0,9%, os dados observados foram de -0,2%. Enquanto que no primeiro mandato da Dilma Rousseff (2011-2014), os dados efetivos foram um pouco menores do que os estimados, no quadriênio 2015-2018, que compreendeu os governos Dilma e Temer, com a maior parte da recessão econômica e os dois anos (2015 e 2016) de crescimento negativo do PIB, fruto de erros de política econômica com a “Nova Matriz Econômica”, e uma recuperação lenta e gradual da economia, o descolamento no último quadriênio entre os dados efetivos e estimados foi de 1,7 p.p..

Os resultados desse artigo estão em linha com os resultados encontrados em Matos (2016), Balassiano (2017) e Balassiano (2018). Matos (2016, p. 14) argumenta que “o desempenho da economia brasileira tem sido de desaceleração desde meados de 2011”, e que “em 2014, houve um agravamento dessa tendência, levando o Brasil a uma recessão”. Para Balassiano (2017), “o Brasil sofreu uma forte desaceleração da sua economia nos últimos anos, em especial no biênio 2015-2016. Além disso, o descolamento do desempenho da economia brasileira recentemente com alguns grupos de comparação, o que não ocorreu em outros períodos do passado, reforça a visão de que essa perda de ritmo recente decorre, em grande medida, de fatores específicos da nossa economia”. O autor chegou a essa conclusão sob três métodos diferentes: análise comparativa, dados em painel e controle sintético. Balassiano (2018) mostrou, por meio do método do controle sintético, o descolamento do desempenho da economia brasileira (taxas reais de crescimento do PIB e do PIB per capita em dólares) durante a recessão (2014-2016) com alguns grupos de comparação (“Brasil sintético”, além da América Latina e das economias emergentes), o que não ocorreu em outros períodos do passado, reforçando a visão de que essa perda de ritmo recente decorre, em grande medida, de fatores específicos da nossa economia. As taxas de investimento (em % do PIB) também tiveram um gap maior com os grupos de controle no período recessivo (2014-2016) do que no período 2000-2012, assim como a taxa de desemprego cresceu mais fortemente do que o estimado no período recessivo.

Como pesquisas futuras pode-se colocar outras variáveis nos modelos, e outros países para compor as amostras, além de utilizar outros métodos econométricos. E estimar os impactos da recessão de 2020 (coronavírus) na economia brasileira, e que impactou a maior parte dos países do mundo.

ANEXO: PIB Brasil X Mundo (1987 – 2026)[19]

Como complemento ao estudo “Desempenho da Economia Brasileira nos Últimos Oito Quadriênios (1987-2018): Um Estudo em Painel Comparando os Dados Observados e Previstos”, o presente anexo apresenta comparações entre as taxas reais de crescimento do PIB mundial e do Brasil.

O Gráfico 1 mostra, separados por períodos de quatro anos, as taxas médias reais de crescimento do PIB do mundo e do Brasil, entre 1987 até 2026. Os dados efetivos são entre 1987 e 2020, e entre 2021 e 2026, os dados para o mundo são as projeções do FMI; e, para o Brasil, a mediana das expectativas de mercado, segundo o Boletim Focus.[20]

Já o Gráfico 2 mostra as diferenças, em pontos percentuais, entre as taxas reais de crescimento do PIB do Brasil e as taxas de crescimento do PIB mundial. Nos oito períodos de quatro anos, entre 1987 e 2018, em praticamente todos a economia mundial cresceu mais do a brasileira, com exceção do quadriênio 1991-94, que as variações foram as mesmas; e entre 2007 e 2010, quando o PIB do Brasil cresceu, em média, 1,1 p.p. a mais do que o PIB mundial, ao ano. Já no quadriênio 2015-18, que contou com a forte recessão do Brasil, inclusive com dois anos consecutivos de taxas reais de crescimento negativo do PIB, a economia brasileira cresceu, em média, 4,5 p.p. a menos do que a economia mundial, por ano. Ao se considerar as projeções do FMI para o PIB mundial; e, para o Brasil, a mediana das expectativas de mercado, segundo o Boletim Focus, entre 2023 e 2026, a economia do Brasil deve crescer, em média, 1,4 p.p. a menos do que a economia mundial, por ano.

Os Gráficos 3 e 4 são as médias dos períodos de oito anos. Ao se fazer a análise sob esses períodos, a economia brasileira sempre, desde 1995, apresentou taxas de crescimento menores do que a economia mundial. No período 2011-18, com a forte recessão brasileira entre o segundo trimestre de 2014 e o final de 2016, segundo o CODACE, o PIB do Brasil cresceu, em média, 2,9 p.p. a menos do que o PIB do mundo, por ano. E, ao se considerar para os anos entre 2021 e 2026 as projeções do FMI para o PIB mundial; e, para o Brasil, a mediana das expectativas de mercado, segundo o Boletim Focus, a economia do Brasil deve crescer, em média, 1,7 p.p. a menos do que a economia mundial, por ano, no período 2019-2026.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Artigo completo disponível em: https://www.anpec.org.br/sul/2021/submissao/files_I/i6-0e903480b394a0e4be63b63df9a6c313.pdf

[2] 1T1981-1T1983; 3T1987-4T1988; 3T1989-1T1992; 2T1995-3T1995; 1T1998-1T1999;2T2001-4T2001;1T2003-2T2003; 4T2008-1T2009; 2T2014-4T2016; iniciada no 1T20 e ainda sem datação do fim.

[4] Preços constantes de 2010.

[5] Outras variáveis, tanto externas quanto internas foram testadas no modelo, mas essas variáveis escolhidas foram as que melhor se adequaram ao modelo e / ou as que têm uma série mais longa dos dados disponível (desde 1980).

[6] Net barter terms of trade index. Como os últimos dados do Banco Mundial para os termos de troca são de 2017, para o Brasil optou-se por utilizar os dados da Funcex, disponíveis no Ipeadata. 

[7] Gap de juros = juro real – juro neutro; juro real = effective fed funds rate – inflação (PCE); juro neutro = dados do Laubach e Williams.

[8] Recessões definidas pelo CODACE: os anos são os seguintes: 1981, 1982, 1983, 1987, 1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1995, 1998, 1999, 2001, 2003, 2008, 2009, 2014, 2015 e 2016. As recessões são marcadas pelos trimestres, mas como utiliza-se dados anuais nesse estudo, as dummys são dos anos em que pelo menos um trimestre estava em recessão.

[10] Com exceção da dummy de recessões.

[11] Os resultados da regressão estão na Tabela A.1 no Anexo do artigo, na página 20.

[12] Os resultados da regressão estão nas Tabelas A.2 e A.3 no Anexo do artigo, na página 20. Eventuais divergências nos resultados podem ser atribuídas a uma menor quantidade de dados no painel quadrienal e no de oito anos.

[13] África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coréia, Croácia, Dinamarca, EUA, Filipinas, Hong Kong, Hungria, Índia, Indonésia, Irlanda, Israel, Japão, Macedônia, Malásia, México, Noruega, Nova Zelândia, Peru, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Romênia, Rússia, Sérvia, Suécia, Suíça, Tailândia e Turquia. 

[14] Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bolívia, Brasil, Bulgária, Camarões, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, República Dominicana, Equador, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hong Kong, Hungria, Irlanda, Índia, Indonésia, Irlanda, Israel, Itália, Jamaica, Japão, Coréia do Sul, Kuwait, Luxemburgo, Macedônia, Malásia, México, Holanda, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Nigéria, Paraguai, Peru, Filipinas, Polônia, Portugal, Qatar, Romênia, Rússia, Arábia Saudita, Sérvia, Singapura, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Tailândia, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, EUA e Uruguai.

[15] Com exceção da dummy de recessões e gap de juro.

[16] Os resultados da regressão estão na Tabela A.4 no Anexo do artigo, na página 20.

[17] Recessão iniciada no segundo trimestre de 2014, e terminada no fim de 2016, segundo o Codace.

[19] Ver a matéria da Folha de SP, de 21/21/21, do jornalista Eduardo Cucolo, “Brasil deve completar 16 anos de crescimento abaixo da média mundial”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/12/brasil-deve-completar-16-anos-de-crescimento-abaixo-da-media-mundial.shtml

[20] Focus de 26/11/21.

Comentários

FELIPE
Obrigado

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