A difícil recuperação do mercado de trabalho
A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo no mercado de trabalho. Os trabalhadores mais afetados foram os informais e menos escolarizados. Devido ao elevado grau de incerteza da economia brasileira, a recuperação do mercado de trabalho ocorrerá predominantemente com geração de ocupações informais.
A pandemia da Covid-19 teve um impacto profundo no mercado de trabalho, cujas consequências provavelmente serão sentidas nos próximos anos. Já abordei alguns desses impactos nesse espaço, mas me parece relevante considerar em conjunto suas diferentes dimensões. Além disso, é interessante comparar algumas diferenças em relação aos padrões observados na recessão de 2014-2016, que foi uma das mais longas e profundas já registradas no país.
Em primeiro lugar, diferentemente da recessão anterior, desta vez os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais. Em particular, embora a redução das ocupações formais em 2020 tenha sido expressiva (-4,2%), a queda nas ocupações informais foi proporcionalmente três vezes maior (-12,6%).
Dentre os informais, os trabalhadores domésticos sem carteira assinada tiveram a maior queda (-18,8%), seguidos dos empregados no setor privado sem carteira assinada (-16,5%). Outra categoria informal com grande redução na ocupação foram os trabalhadores por conta própria sem CNPJ (-10,3%).
Já dentre os formais, os trabalhadores domésticos com carteira assinada foram os mais atingidos, com queda de 20%. Os empregados no setor privado com carteira assinada também tiveram forte redução nas ocupações (-7,8%). Por outro lado, dois grupos de trabalhadores formais tiveram aumento de ocupações em 2020. Em particular, a categoria de militares e servidores estatutários teve crescimento de 6,9% e o número de trabalhadores por conta própria com CNPJ deu um salto de 10,1%.
O segundo fato a ser ressaltado é que, diferentemente da recessão de 2014-2016, desta vez os trabalhadores do setor de serviços foram os mais afetados. Enquanto a redução da população ocupada na indústria de transformação foi de 7,7%, o emprego no setor de outros serviços teve queda de 12,1%. Este setor emprega mais de 30% da população ocupada e inclui atividades que envolvem contato presencial, como serviços domésticos e serviços prestados às famílias.
Uma terceira característica marcante desta pandemia foi o grande impacto negativo nas ocupações de escolaridade mais baixa. Em particular, no grupo de trabalhadores sem instrução e com ensino fundamental incompleto houve redução de 17,1%. Outro grupo muito atingido foi o de trabalhadores com ensino fundamental completo e ensino médio incompleto, com queda de 14,8%. Por outro lado, houve aumento de 5,5% no emprego de pessoas com ensino superior completo. Embora a recessão de 2014-2016 também tenha tido impacto negativo nos trabalhadores de menor escolaridade, a magnitude deste efeito na pandemia foi muito maior.
Finalmente, uma quarta evidência do caráter diferenciado dos efeitos da pandemia no mercado de trabalho foi a queda sem precedentes da população economicamente ativa (PEA). Em comparação com o quarto trimestre de 2019, houve no segundo trimestre de 2020 uma redução de cerca de 10 milhões da PEA. Apesar de ter havido uma recuperação nos trimestres seguintes, no quarto trimestre de 2020 a PEA ainda se encontrava cerca de 6 milhões abaixo do nível do mesmo trimestre de 2019.
Em função deste movimento de saída expressiva da força de trabalho, o aumento do número de desocupados foi bem menor que a redução do número de trabalhadores ocupados. Já em 2014-2016 o padrão foi muito diferente, com forte aumento da taxa de desocupação.
Diante dessas evidências, o que esperar da evolução do mercado de trabalho no pós-pandemia?
Uma característica marcante do período que se seguiu à recessão de 2014-2016 foi a predominância da geração de postos de trabalho informais. Entre 2017 e 2019, a taxa de informalidade aumentou de 41,3% para 43,7%. Em 2020, esta taxa caiu para 41,4%, já que os trabalhadores informais foram mais atingidos, como discutido anteriormente.
Minha avaliação é de que a recuperação do mercado de trabalho ocorrerá predominantemente com geração de ocupações informais, reproduzindo o padrão observado antes da pandemia.
Uma razão é que o grau de incerteza da economia brasileira está muito elevado. Embora esteja em queda desde o salto histórico em abril de 2020, o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE ainda está acima do patamar historicamente elevado que prevaleceu entre 2015 e 2019.
Este grau de incerteza provavelmente continuará alto devidos aos riscos fiscais e turbulências políticas, que tendem a aumentar em 2022 com uma eleição presidencial fortemente polarizada. Isso afeta negativamente o investimento e a geração de empregos formais.
Além disso, os trabalhadores de menor escolaridade terão grande dificuldade de inserção na força de trabalho, devido ao avanço de tecnologias que favorecem os trabalhadores mais qualificados, como o aumento do trabalho remoto.
A agenda de melhoria do capital humano (educação e capacitação para o mercado de trabalho) será ainda mais importante no pós-pandemia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 14/05/2021.
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