Cenários

Divergência de crescimento no pós-pandemia

25 nov 2024

Um fato que tem chamado a atenção de dirigentes de bancos centrais tem sido a divergência de crescimento entre os Estados Unidos e a Europa. O maior dinamismo da economia americana ficou ainda mais evidente no pós-pandemia.

Um tema abordado recentemente por dirigentes e pesquisadores de bancos centrais e instituições financeiras internacionais tem sido a divergência de crescimento entre os Estados Unidos e a Europa nos últimos anos. Embora já presente na última década, o maior dinamismo da economia americana ficou ainda mais evidente no pós-pandemia.

Em palestra no final de outubro, o diretor-geral do Bank for International Settlements (BIS), Agustín Carstens, apresentou uma decomposição do crescimento acumulado do PIB desde o quarto trimestre de 2019 nas contribuições da produtividade por hora trabalhada e do total de horas trabalhadas para os Estados Unidos, Zona do Euro e um grupo de economias emergentes.

A diferença de padrão é muito significativa. Enquanto nos Estados Unidos o crescimento do PIB foi expressivo e concentrado em ganhos de produtividade, na Zona do Euro a expansão da atividade econômica foi bem menor e com contribuição nula da produtividade. O comportamento dos emergentes se situou em posição intermediária, com crescimento do PIB próximo dos Estados Unidos, mas com baixa contribuição da produtividade.

Esta semana esse tema foi discutido em uma palestra de Lisa Cook, que faz parte do Board of Governors do Fed. Cook apresentou uma decomposição mais detalhada do crescimento acumulado do PIB, considerando as contribuições da produtividade por hora trabalhada, horas por trabalhador ocupado, a parcela de trabalhadores ocupados na população e o total da população. Os cálculos foram utilizados para fazer uma comparação entre Estados Unidos, Zona do Euro, Reino Unido, Canadá e Austrália.

Enquanto o PIB teve crescimento acumulado de 10,7% nos Estados Unidos entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2024, sua expansão foi bem menor na Zona do Euro (4,2%) e no Reino Unido (2,9%). Além disso, o aumento da produtividade foi o principal determinante do crescimento do PIB nos Estados Unidos, enquanto na Zona do Euro e no Reino Unido sua contribuição foi pequena. No Canadá e Austrália o crescimento acumulado do PIB ficou menos distante do observado na economia americana (5,5% e 9,6%, respectivamente), mas com contribuição nula da produtividade.

Embora o crescimento da produtividade nos Estados Unidos já fosse superior às demais economias avançadas antes da pandemia, a diferença aumentou consideravelmente desde a pandemia. Isso sugere que diferenças estruturais possivelmente contribuíram para acentuar a divergência de crescimento.

Uma nota técnica de pesquisadores do Fed divulgada este ano (“Why is the U.S. GDP recovering faster than other advanced economies?”) examina alguns fatores que podem explicar o maior crescimento da economia americana no pós-pandemia. Um dado que chama atenção é o grande aumento da criação de empresas nos Estados Unidos desde o segundo semestre de 2020. Em contraste, a criação de empresas na Zona de Euro retornou à sua tendência pré-pandemia, sem ter recuperado a perda que ocorreu no início da pandemia.

Além do maior dinamismo do ambiente de negócios, os dados evidenciam a maior flexibilidade do mercado de trabalho americano. Desde a recessão da pandemia, a realocação setorial de trabalhadores foi três vezes maior nos Estados Unidos que na Zona do Euro.

Isso reflete o fato de que na Europa foram adotadas políticas de manutenção do emprego. Embora tenham contribuído para reduzir a perda de postos de trabalho no período mais crítico da crise sanitária, essas medidas podem ter dificultado a necessária reorganização das empresas diante do surgimento de novas tecnologias, como o trabalho remoto e a inteligência artificial generativa.

Embora o Brasil não tenha sido objeto dessas análises, o bom desempenho do PIB e do mercado de trabalho desde a pandemia contrastam com o período entre 2017 e 2019, que tinha se caracterizado por baixo crescimento e aumento da informalidade. Embora modesto, o desempenho da produtividade no período recente também tem sido melhor que antes da pandemia.

Como tenho argumentado neste espaço, existem evidências de que algumas reformas, em particular a trabalhista, contribuíram para a melhoria do mercado de trabalho. A lição da economia americana é que a redução de entraves para a criação de empresas e realocação dos trabalhadores pode ser importante para sustentar o crescimento nos próximos anos.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 22/11/2024.

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