Do federalismo competitivo ao federalismo cooperativo na tributação do consumo
Para evitar disputas redistributivas, é preciso transparência, padronização, clareza dos conceitos da regulação e das responsabilidades no âmbito do órgão regulatório, e aproveitamento da capacidade instalada e das expertises.
O advento do novo modelo tributário baseado no consumo desafia o País a responder à nova realidade com estratégias inovadoras de cooperação federativa em contraposição a um histórico de competição, retratado em guerras ficais predatórias que durante anos reduziram a produtividade da política tributária brasileira.
Entretanto, ao contrário do que muitos defensores das reformas apregoam, o sistema aprovado baseado no consumo não é naturalmente menos competitivo, ao contrário, ele pode representar um recrudescimento das disputas redistributivas.
Se o sistema atual apresentava condições para uma guerra fiscal no âmbito da receita – alíquotas, benefícios e regimes seletivos –, agora há um potencial instalado para competição federativa de outras naturezas. Como todos farão jus a uma parcela do total que será arrecadado, há que se considerar as disputas redistributivas, por competência na fiscalização e contencioso, por exemplo. Isso sem mencionar a repartição do ônus de tributar, que se não for bem equacionada poderá gerar oportunidades aos "caroneiros", “free riders” na atividade arrecadatória.
Assim, o primeiro passo é reconhecer o ambiente competitivo do novo sistema no que tange à repartição do ônus de arrecadação, uma vez que a atividade associada ao recolhimento é muito custosa politicamente e seu produto será diluído. Além disso, é necessário definir os critérios, fórmulas, variáveis e sistemas que integrarão a repartição do produto arrecadado, bem como a destinação desses recursos, dados o novo conceito de tributação no destino.
Desse modo, apresentamos algumas condições para mitigar riscos à cooperação federativa. A primeira delas é a transparência, que garantirá a disponibilidade de informações para todos os entes de forma fidedigna, igualitária e tempestiva. O modelo atual de repartição da cota parte do ICMS que pertence aos municípios é um exemplo do que não deve ser feito, dado o baixo grau de informações disponíveis e o alto custo transacional para acompanhamento dos repasses.
A padronização e uniformidade nessas informações também podem contribuir na construção da confiança, essencial à cooperação. À medida que todos tenham acesso aos mesmos dados, comparáveis e verificáveis, reduz-se o esforço de auditoria ou conferências. Os padrões definidos devem ser suficientemente inteligíveis para apurações e planejamento financeiro dos entes que participarão da repartição do IBS. Dessa forma, planejamento baseado em repasses do produto da arrecadação será disseminado entre estados e municípios, e se tornará uma ferramenta ainda mais estratégica na gestão fiscal dos subnacionais.
Ademais, os conceitos da regulamentação devem ser claros e simples. A dúvida na interpretação somente contribui para a instabilidade. A percepção da possibilidade de judicializações ou indefinições será um desincentivo à atividade arrecadatória. Ambiguidades só servirão para diminuir a receita total arrecadada. Duplos sentidos prejudicarão a todos, sobretudo no que se referir a valores e à origem e ao destino do tributo arrecadado.
O aproveitamento da capacidade instalada e das expertises dos diferentes órgãos de gestão tributária envolvidos no processo garantirá o engajamento e a legitimidade técnica a todos os envolvidos na implementação da reforma. Experiência de gestão tributária poderá ser compartilhada para ganho de eficiência do sistema como um todo. A gestão de cadastros imobiliários e mobiliários, por exemplo, é uma atividade precípua de gestões locais que pode em muito agregar à produtividade do novo sistema tributário.
Por fim, destaca-se a importância da coordenação e do planejamento a cargo do órgão regulatório, o comitê gestor. A clareza de papéis e responsabilidades será imprescindível para garantia da produtividade do sistema. A construção da confiança – essência das bases de cooperação federativa – deve ser calcada na legitimidade técnica, política e institucional.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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