Cenários

Dosando o otimismo

27 fev 2024

Pouso suave e rápido nos EUA e Brasil ainda não se confirmou. Há riscos como tensões geopolíticas e eleição e déficit público nos EUA. No Brasil, afrouxamento monetário deve continuar, estimulando atividade, mas fiscal preocupa.

Difícil dizer se é apenas correlação, ou o quanto há de causalidade, mas é indiscutível que o grau de pessimismo ou otimismo sobre a capacidade de os bancos centrais nas economias desenvolvidas, em especial nos EUA, trazerem a inflação de volta às metas sem gerarem uma contração mais forte da atividade tem coincidido com as quedas e altas nos preços dos ativos dos países emergentes, como refletido nas taxas de câmbio, risco país e nas bolsas de valores.

No final do ano passado, por exemplo, tivemos um período de grande euforia nos mercados, refletindo uma visão de que os bancos centrais, com destaque para o Fed, não apenas não precisariam elevar mais suas taxas de juros, mas que seria possível iniciar o ciclo de cortes ainda no primeiro semestre de 2024. Para alguns analistas mais otimistas, e a certa altura os mercados futuros de juros, o início do afrouxamento monetário já começaria em março deste ano. Isso coincidiu com um grande rali nos preços dos ativos ao redor do mundo, do qual o Brasil se beneficiou. Como os dados de inflação no Brasil já estavam mostrando desaceleração relevante, alguns analistas até reforçaram as apostas em cortes mais agressivos de juros por aqui também.

Em suma, criou-se expectativa no mercado de um pouso bem suave e relativamente rápido, com custos da desinflação bem tênues em termos de perda de atividade e da dinâmica do mercado de trabalho, tanto para a economia americana como no Brasil.

Esse cenário ainda não se confirmou. Em primeiro lugar, a postura do Federal Reserve (Fed) tem sido bem cautelosa, e, após a primeira reunião de janeiro, ficou claro nos discursos de seus dirigentes que há necessidade de mais dados para se ter confiança de que a inflação está caminhando de forma sustentável para a meta de 2%. Os dados de atividade econômica têm mostrado crescimento econômico elevado, e o mercado de trabalho ainda tem surpreendido, mostrando-se mais resiliente do que se projetava.

Além disso, a inflação tem desacelerado, mas as medidas de núcleo continuam elevadas. A inflação de janeiro (CPI) foi de 0,3%, acima da expectativa de 0,2%, com destaque para a elevação da medida de núcleo, que subiu para 0,4%, acima do consenso e do dado de dezembro, ambos de 0,3%. Em especial, a inflação de serviços continua resiliente, indicando que as pressões inflacionárias permanecem. Esse diagnóstico ficou mais evidente com a divulgação do índice de preços ao produtor, que subiu 0,3% em janeiro, ante dezembro, resultado repetido pelo núcleo do indicador, que exclui os voláteis itens de energia e alimentos. Ambos resultados ficaram acima das previsões de alta de 0,1%.

E, aqui no Brasil, a inflação de serviços de janeiro, excluindo passagens aéreas, acelerou em relação a dezembro de 2023. Mesmo com grandes avanços em termos de desaceleração da inflação, ainda estamos distantes da meta de 3%. O mercado de trabalho tem surpreendido, a política fiscal continua expansionista e os riscos relacionados à sustentabilidade fiscal cobram o seu preço.

Mesmo que o cenário do início deste ano tenha sido bem mais favorável que o observado no começo de 2023, ainda há um longo caminho para que a inflação de fato convirja para meta, tanto nos EUA como aqui. Assim, é necessário dosar o otimismo com relação a esse processo.

E, por fim, temos que monitorar alguns riscos externos para 2024, de diversas naturezas. Em primeiro lugar, há a eleição presidencial nos EUA, com acirramento de disputas geopolíticas, com possíveis impactos no comércio mundial e na economia chinesa. Ainda que movimentos mais significativos nessa direção sejam pouco prováveis até a realização das eleições, eles tendem a se intensificar no final do ano. A eleição também pode trazer questões relacionadas à forma de operação da OTAN – Trump, se eleito, sinaliza que poderá não apoiar alguns aliados – e desdobramentos em relação aos conflitos bélicos com a Rússia.

Em segundo lugar, temos a questão fiscal nos EUA. O déficit público consolidado subiu de 5,4% do PIB em 2022 para 6,5% do PIB em 2023, o que ajuda a explicar a resiliência da atividade e do mercado de trabalho americanos, e, com o aumento expressivo do custo de financiamento da dívida pública, a deterioração fiscal tende a se acentuar. Nenhum dos candidatos parece comprometido em atacar essa questão e mesmo as projeções mais otimistas apontam forte expansão do endividamento público dos EUA nos próximos anos.

Há outras fontes de preocupação, como a crise do mercado de imóveis comerciais nos EUA, com aumento de inadimplência e os impactos no sistema bancário, com destaque para os bancos médios, um problema que pode se agravar se a inflação não cair tão rápido como se espera, limitando a capacidade do Fed de relaxar a política monetária. E há incertezas relevantes sobre como o governo chinês irá lidar com a crise imobiliária no país. A ver como tudo isso vai se desenrolar.

Em princípio, esse quadro não elimina o cenário de taxas de juros mais baixas este ano nos EUA e na Europa, que segue sendo nossa expectativa, como também não deve interromper o ciclo de afrouxamento monetário em curso nos países da América Latina, mesmo que com diferenças relevantes entre os países, devido a questões especificas de cada um deles. Como há desafios no combate à inflação, o processo deve ser mais gradual do que o mercado tem precificado, em que pese o otimismo já ter diminuído um pouco nas últimas semanas.

Aqui no Brasil, em especial, o processo de afrouxamento monetário continua. Como a inflação de 2024 deve ficar em torno de 3,7%, segundo previsões do FGV IBRE[1], a taxa de juros deve seguir em terreno contracionista. Adicionalmente, após um ano marcado pela desaceleração do crédito bancário e o aumento da inadimplência, tanto de pessoas físicas como jurídicas, esperamos recuperação apenas gradual do mercado de crédito, com reflexos mais intensos sobre a atividade apenas no segundo semestre.

Esse quadro irá contribuir para a aceleração da atividade ao longo do ano, impulsionada também pelas eleições e a política fiscal, que continua expansionista, mesmo que com arrefecimento em relação ao ano passado. A contribuição negativa da agropecuária e o menor crescimento da indústria extrativa, em comparação a 2023, devem manter a atividade mais fraca no início do ano (ver seção de Atividade Econômica).

Porém, o principal tema doméstico continua sendo as contas públicas. Após o setor público consolidado encerrar 2023 com déficit primário de 2,3% do PIB (1,4% do PIB excluindo o pagamento do estoque de precatórios, de R$ 92,4 bilhões), esperamos para 2024 déficit primário de 0,8% do PIB. Mesmo com melhor arrecadação no curto prazo, em grande medida fruto das novas medidas para aumentar as receitas públicas, avaliamos que o impacto será limitado, pois algumas medidas geram efeitos apenas temporários na arrecadação.

E, como é um ano de eleição municipal, a pressão por mais gastos continua. Há um risco de pressão por alteração da meta fiscal e podemos experimentar novas rodadas de incerteza fiscal. Será muito difícil zerar o déficit este ano e gerar um superavit de 0,5% do PIB em 2025, pois a pressão por mais gastos continua firme e forte, não devendo diminuir ao longo dos próximos anos. Com isso, a dívida pública continua subindo e deve atingir 77% do PIB este ano, após ficar em 74% do PIB em 2023.

Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Fevereiro de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Pelo Boletim Focus divulgado no dia 15/02, a previsão é inflação de 3,82% em 2024 e de 3,51% em 2025.

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