Economia Global

Dúvidas na desinflação americana

1 mar 2024

Núcleos de inflação nos EUA têm acelerado, mas por causa de aluguéis elevados (estes com resultados estranhos que levantam dúvidas sobre questões de mensuração). Cenário de inflação parece benigno, com expectativas sob controle.

A dinâmica da inflação ao consumidor americana, conhecida como CPI (consumer price index), tem preocupado. Os núcleos de inflação têm acelerado. O núcleo por exclusão, depois de ter atingido 2,6% em agosto – consideramos sempre a média móvel trimestral anualizada com ajuste sazonal –, fechou janeiro em 4,0%. Para os núcleos de médias aparadas e da mediana, os números são, respectivamente, de 2,8% e 3,7% em meados de 2023, e 4,1% e 5,3% em janeiro. Para serviços, após excluir aluguéis, temos 2,0% em julho e 5,8% em janeiro.

Mas será que essa dinâmica dos núcleos preocupa tanto assim? Enquanto ela acende um sinal de alerta e deve ser monitorada de perto, uma particularidade ainda nos dá conforto. Os aluguéis têm explicado muito do que tem ocorrido com os indicadores de inflação nos EUA. De fato, o núcleo por exclusão do CPI tem rodado em 12 meses a 3,9%. Se retirarmos aluguéis desse núcleo, temos 2,2% em 12 meses.

A inflação de aluguel está muito elevada. Não se sabe o motivo. Em particular, houve em janeiro uma grande defasagem entre a inflação de aluguel do CPI e a inflação dos novos contratos de aluguéis efetivamente celebrados. A diferença entre as duas inflações foi, para o mês de janeiro, de 0,2 ponto percentual (pp), ou 2,4pp na taxa anualizada. Algo de muito estranho tem ocorrido na forma pela qual o instituto estatístico que apura o CPI tem imputado o aluguel.

De qualquer forma, como vimos no primeiro parágrafo, os núcleos do CPI na frequência trimestral estão elevados. Não somente elevados como têm apresentado leve aceleração desde meados do ano passado. Tal fato não ocorre quando olhamos os dados em 12 meses. Os núcleos – por exclusão, médias aparadas e mediana – têm apresentado leve queda desde meados do ano passado e fecharam janeiro, respectivamente, em 3,9%, 3,7% e 4,9%. Tudo sugere ser possível que a aceleração observada na média móvel trimestral nos últimos seis meses derive de deficiências dos controles da sazonalidade.

O banco central americano (Fed) emprega, para operacionalizar o regime de metas da inflação, o deflator do consumo das contas nacionais, conhecido por PCE, índice distinto do CPI. O PCE incorpora os custos dos serviços públicos, principalmente saúde e educação, consumidos pelas famílias, e aluguéis têm um peso bem menor: 18% no PCE ante 35% no CPI (20% no núcleo por exclusão do PCE ante 44% no núcleo por exclusão do CPI).

Somente teremos a divulgação do PCE de janeiro no final de fevereiro. A dinâmica da inflação PCE, na frequência trimestral anualizada com ajuste sazonal, preocupa menos. Para os três núcleos – exclusão, médias aparadas e mediana – temos observado redução e, em dezembro, as leituras ficaram em 1,5%, 2,2% e 2,8%, respectivamente. Os serviços que excluem aluguéis marcaram, em 12 meses até dezembro, 3,3%, ante 4,8% em dezembro de 2022. Temos um lento processo de desinflação dos serviços, que é um grupo caracterizado por maior persistência. O indicador que o Fed emprega – o núcleo por exclusão do PCE – fechou dezembro a 2,9% em 12 meses, vindo de 4,9% em dezembro de 2022.

Apesar dos riscos altistas, o cenário básico para a inflação futura nos parece benigno. Uma das razões são os bons números das expectativas. A pesquisa conduzida com consumidores americanos pela sucursal de NY do Fed aponta expectativas 12 meses à frente na casa de 3,0% e, três anos à frente, em 2,4%. Em 2018, antes, portanto, do choque da pandemia, essas expectativas variavam entre 2,7% e 3,0%. A pesquisa conduzida pela sucursal do Fed de Atlanta com as empresas indica expectativa de inflação na casa de 2,2%, igual aos valores reportados em 2018. Ou seja, as expectativas estão ancoradas bem perto da meta.

Faz sentido toda a cautela do BC americano na condução da política monetária em um ambiente bastante incerto, mas os números ruins do CPI não representam uma interrupção no processo de desinflação. Temos leituras estranhas – para janeiro, muito estranha – do aluguel imputado. É isto.

Esta é a seção Internacional do Boletim Macro Ibre de Fevereiro de 2024. 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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