É justo o rico se aposentar antes do pobre?
Um tema bastante polêmico, envolvendo a reforma da previdência, é o estabelecimento de uma idade mínima de aposentadoria. Os críticos dessa medida argumentam que a criação de uma idade mínima de aposentadoria representa uma grande injustiça com os pobres – que já enfrentam muitas dificuldades ao longo da vida laboral – dado que obriga esta parcela mais vulnerável da população a se aposentar muito tarde.
Os críticos não estão totalmente errados. É verdade que os mais pobres enfrentam muitas dificuldades ao longo da sua vida laboral. Porém, não é correto dizer que a reforma proposta pelo atual governo obriga essa parcela a se aposentar muito tarde. Na verdade, mesmo com as regras atuais os mais pobres, justamente por enfrentar muitas dificuldades no mercado de trabalho, acabam geralmente se aposentando tardiamente. Pior ainda é constatar que, pelas regras atuais, os mais pobres, geralmente, acabam se aposentando depois dos mais ricos.
Alguns números, referentes as grandes regiões brasileiras, ajudam a ilustrar essa questão de que pelas regras atuais os mais pobres normalmente se aposentam depois dos mais ricos. Especificamente, podemos verificar neste estudo feito pelo IPEA no ano de 2016 que, nas regiões mais ricas, a idade média de aposentadoria é mais baixa quando comparada às regiões mais pobres, e isso ocorre por conta da aposentadoria por tempo de contribuição. Por exemplo, para o ano de 2014, a idade média de aposentadoria no Sul era de 57,3, enquanto no Norte era de 61,5.
Vejamos agora, as dificuldades enfrentadas, no mercado de trabalho, pela parcela mais vulnerável da população. Para isso analisamos os números, das diferentes regiões brasileiras, para as seguintes variáveis: (i) taxa de desemprego, (ii) taxa de participação, (iii) informalidade e rotatividade. Note que coletamos os dados, apresentados a seguir, por grandes regiões, justamente para fins de compatibilidade com o estudo do IPEA mencionado anteriormente.
No último trimestre de 2018, na região do Nordeste, a taxa de desemprego foi de 14,4%, enquanto no Sudeste, 12,1% (ver figura 1). Além disso, neste mesmo período, a taxa de participação no Nordeste foi de 55%, enquanto no Sudeste, 65% (ver figura 2). Podemos observar, portanto, que além de enfrentar um desemprego mais alto, a parcela mais pobre da população também apresenta uma menor taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro.
Além disso, uma dimensão importante da parcela mais pobre da população é que esta tem maior chance de participar da informalidade. Por um lado, em regiões mais ricas, como o Sudeste e o Sul, a taxa de informalidade era de 42% e 41%, respectivamente, no último trimestre de 2018 (ver figura 3). Por outro lado, em regiões mais pobres, como o Nordeste e no Norte, os valores foram, respectivamente, de 60% e 62%, no mesmo período (ver figura 3).
Uma outra dimensão também relacionada aos vínculos precários no mercado de trabalho nas regiões mais pobres é a alta taxa de rotatividade presente nessas regiões. Assim, em virtude da informalidade, e da rotatividade, esses indivíduos acabam passando mais tempo fora do mercado de trabalho, mais tempo desempregados e também mais tempo subempregados. Um dos resultados disso é que esse grupo tem maior dificuldade para contribuir para a previdência e, consequentemente, acaba se aposentando mais tardiamente.
Utilizando os dados trimestrais extraídos dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), criamos duas taxas de rotatividade: uma para os trabalhadores formais e outra para os informais. A taxa de rotatividade significa o percentual de trabalhadores que muda de ocupação. Aqui neste texto, estamos focando na rotatividade dos trabalhadores formais e informais de forma separada e depois calculamos a taxa total.
Por um lado, verificamos se o trabalhador que tinha um emprego formal foi para a informalidade, ficou desempregado ou saiu da força de trabalho. Por outro lado, também acompanhamos o outro movimento: o do trabalhador que era informal, desempregado ou que estava fora da força de trabalho e que se tornou formal. Fazemos esse exercício tanto para a categoria dos trabalhadores formais quanto para os informais.
De modo geral, utilizando os dados dos dois últimos trimestres de 2018, verificamos que, para o país como um todo, a taxa de rotatividade dos trabalhadores informais é mais do que o dobro daquela observada no caso dos trabalhadores formais (ver figura 4). Constatamos também que, nas regiões mais pobres, como o Nordeste e o Norte, a taxa de rotatividade, tanto dos trabalhadores formais quanto dos informais, é mais alta (ver figura 5). Enquanto no Nordeste a taxa de rotatividade dos trabalhadores formais é de 0,28, no Sudeste ela é de 0,19 (ver figura 4). Nessa mesma linha, no Nordeste, a taxa de rotatividade dos trabalhadores informais é 0,54, enquanto no Sudeste, ela é 0,42 (ver figura 5).
Logo, os números apresentados no presente texto mostram que os mais pobres, em linha com o tipicamente mencionado pelos críticos da reforma da previdência, de fato enfrentam maiores dificuldades no mercado de trabalho, porém, ao contrário do que dizem os opositores da reforma, os mais pobres não conseguem se aposentar mais cedo. Então cabe a pergunta aos defensores da previdência: justo é o modelo atual em que o rico se aposenta mais cedo que o pobre?
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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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