Economia americana em 2020: bem melhor do que a encomenda
No último dia útil de janeiro, o Bureau of Economic Analysis, o IBGE norte-americano, divulgou a primeira prévia do desempenho da atividade econômica no 4º trimestre de 2020. Com esse dado, é possível sabermos o desempenho da economia dos Estados Unidos no ano fechado de 2020.
A economia cresceu 1% no 4º trimestre ante o 3º, já considerando os ajustes pela sazonalidade. No ano passado, a queda foi de 3,5%, bem menos do que a imaginada em meados de 2020, quando as principais casas previam recuo de 6,5%. O desempenho foi 3 pontos percentuais melhor!
A epidemia atingiu a economia americana já no 1º trimestre de 2020, quando houve queda de 1,3% ante o trimestre imediatamente anterior. Evidentemente, o trimestre mais difícil foi o segundo, durante o qual a economia recuou 9%. Tomando-se como base de comparação o 4º trimestre de 2019, o último antes que a epidemia atingisse a economia, o PIB no 4º trimestre de 2020 rodou 2,5% abaixo. Boa parte da queda do primeiro semestre foi compensada no segundo.
Observando as aberturas pela ótica da demanda agregada, nota-se que o componente que não superou o nível do 4º trimestre de 2019 foi principalmente o consumo de serviços. Encontra-se 7% abaixo daquele nível e explica, sozinho, 3,1 pontos percentuais dos 2,5% de queda do 4º tri de 2020 ante o 4º de 2019. O comércio exterior explica outro ponto percentual. Ou seja, consumo de serviços e comércio exterior explicam 4,1 pontos percentuais a menos de atividade econômica no 4º trimestre de 2020, comparado ao mesmo período de 2019. Assim, os outros componentes da demanda estão bem acima e têm contribuição positiva. O consumo de bens está 7% acima do nível do 4º trimestre de 2019 e explica 1,6 ponto percentual a mais. Dessa forma, chega-se à queda de 2,5% do PIB (1,6-4,1=-2,5).
Os setores que não dependem do comércio internacional e do contato interpessoal voltaram forte no segundo semestre de 2020. Houve a volta em ‘V’. O diagnóstico de alguns analistas, entre os quais a coluna, de que crises produzidas por um fator integralmente exógeno ao sistema econômico, como o caso de uma epidemia, deixam menos marcas, tem sido confirmado. Após a crise a economia deve retomar a tendência de crescimento vigente antes da crise.
O que esperar para 2021? O tema, como aliás é o caso do Brasil também, consiste em saber a dinâmica da epidemia. Tudo depende de a epidemia ser controlada. Enquanto não for, será difícil uma normalização do setor de serviços. Por outro lado, se houver uma campanha eficaz de vacinação e a economia norte-americana se normalizar no segundo semestre, é perfeitamente possível que o PIB cresça 6,5% no ano, que é o cenário do departamento de pesquisa da Goldman Sachs, por exemplo.
O ano de 2021 abriu com a economia dos Estados Unidos no mesmo rítimo que terminou o ano. Segundo o acompanhamento do Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) de Atlanta, o PIB tem rodado no 1º trimestre de 2021 1,3% acima do 4º trimestre de 2020, em termos dessazonalizados.
Um ponto importante para um cenário mais otimista de atividade nos Estados Unidos em 2021 é haver uma maioria do presidente Joe Biden nas duas Casas do Congresso. Na Câmara, há uma maioria mais sólida. No Senado, porém, a maioria é mínima: dos 100 senadores – dois para cada um dos 50 Estados, sendo que o Distrito Federal não tem representação –, 48 são democratas e dois são independentes e votam normalmente com os democratas. 50 são republicanos. O que decide é o voto de Minerva da vice-presidente Kamala Harris, de acordo com a regra legislativa norte-americana. Maioria no Senado de apenas um voto, portanto.
Essa maioria mínima deve ser suficiente para a aprovação de um pacote fiscal mais robusto. A secretária do Tesouro (posição equivalente a ministro da Economia no Brasil) e ex-presidente do Fed, Janet Yellen, sinalizou que deseja um pacote bem parrudo. Já se falou de algo como US$1,9 trilhão, ou 9% do PIB, e agora se fala em US$1,1 trilhão.
Para se ter uma ideia melhor, é útil a memória do ex-presidente Obama, sobre o período em que fora recém-eleito, relativa à discussão do pacote de estímulo para 2009, logo após a grande crise financeira global de 2008. À página 252 de seu livro recém-publicado no Brasil, “Uma terra prometida”, lê-se:
“Portanto precisávamos de um pacote de incentivos. Que amplitude deveria ter para gerar o impacto necessário? Antes da eleição, propusemos um programa de 175 bilhões de dólares, que na época foi tido como ambicioso. Logo após nossa vitória, ao examinarmos os números cada vez piores, havíamos aumentado para 500 bilhões. A equipe agora recomendava algo ainda maior. Christy [Christina Romer, presidente do conselho de assessores econômicos do presidente] falou de 1 trilhão de dólares, causando em Rahm [Rahm Emanuel, Assistant to the President and Chief of Staff, equivalente a ministro-chefe da Casa Civil] uma reação parecida com a daqueles personagens de desenho animados que cospem uma comida de gosto ruim.
“De jeito nenhum”, disse Rahm.
Em vista da indignação pública com as centenas de bilhões de dólares já dispendidos com o socorro aos bancos, disse ele, qualquer número que começasse “com t” não teria a menor chance entre muitos democratas, isso sem falar dos republicanos. Me virei para Joe [Joe Biden, vice-presidente à época, hoje presidente], que fez sinal com a cabeça, assentindo.
“O que conseguimos aprovar?”, perguntei.
“Setecentos, talvez 800 bilhões no máximo”, disse Rahm. “E isso forçando a barra”.”
Se lembrarmos do desemprego naquele período, que chegou a atingir 10% e levou dez anos para voltar ao normal, nota-se que muito provavelmente os democratas teriam votado por um pacote maior, se pudessem voltar no tempo. Naquela oportunidade, não estava claro que os juros seriam tão baixos ao longo de todo o período, com a atividade econômica permanecendo entorpecida.
A recuperação muito lenta da economia fez com que, na eleição de meio de mandato em 2010, os democratas perdessem a maioria da Câmara, o que gerou uma sequência de impasses na área orçamentária nos seis anos seguintes de Obama. Penso que os democratas aprenderam.
Com um governo majoritário agora, ainda que no limite mínimo para isso no caso do Senado, não se devem esperar muitas dificuldades para aprovar um pacote fiscal com o “t” de trilhão. O grande risco para a economia americana – e mundial – é aparecer uma nova cepa do vírus resistente às vacinas. Mas esse é tema que escapa totalmente à coluna.
Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de fevereiro de 2021.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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