Economia Global

Economia americana em meio a uma crise bancária

11 abr 2023

Inflação dos EUA tem mostrado mais inércia do que se pensava há alguns meses. Mas há contaminação parcial da política monetária pela crise bancária, e pico da alta do juro deve ficar um pouco abaixo do previsto anteriormente.

Nesta Ponto de Vista atualizamos a conjuntura da economia americana após os eventos que culminaram na liquidação do Silicon Valley Bank e do Signature Bank. O texto será organizado em duas partes. Na primeira, analiso qual era o cenário para a economia americana antes da crise bancária. Em seguida, trato dos impactos da crise bancária sobre o cenário.

Após as divulgações de inflação para novembro e dezembro, em que apareceu haver alguma redução mais intensa da inflação, as leituras de janeiro e fevereiro indicaram um processo inflacionário com maior inércia. Como bem descrito por Jerome Powell, o presidente do banco central americano, o Federal Reserve, ou, simplesmente Fed, em sua entrevista no dia 14 de dezembro após o comunicado da decisão do comitê de política monetária americano, o FOMC:

“... você pode dividir a inflação em três conjuntos. A primeira é a inflação de bens, e vemos agora ... a inflação de bens caindo ... Então você vai aos serviços de habitação ... essa inflação cairá no próximo ano. A terceira peça, que é algo como 55% do… PCE Core Inflation Index, são os serviços não relacionados à moradia. E isso é realmente uma função do mercado de trabalho ... e vemos um mercado de trabalho muito, muito forte, no qual não enxergamos muito afrouxamento, no qual o crescimento do emprego é muito alto, no qual os salários são muito altos. As vagas são bastante elevadas e ... há um desequilíbrio no mercado de trabalho entre oferta e demanda. Portanto, é provável que essa parte, que é a maior parte, levará um período substancial para cair. A outra ... a inflação de bens virou muito rapidamente agora depois de não virar por um ano e meio. Agora parece estar virando. Mas há uma expectativa ... de que a inflação dos serviços não desça tão rapidamente, para que tenhamos que permanecer e, talvez, tenhamos que aumentar os juros ainda mais para chegar aonde queremos ir. E é por isso que estamos apontando esses juros elevados e porque esperamos que eles tenham que permanecer altos por um tempo”.

A inflação americana tem apresentado mais inércia do que se imaginava há uns meses. Além dos serviços excluindo aluguéis, que rodam em 12 meses a 6,1%, os núcleos de média aparadas e da mediana estão, respectivamente, em 6,5% e 7% em 12 meses. Para esses três indicadores, a média móvel trimestral com ajuste sazonal e anualizada roda, respectivamente, a 5,3%, 6,3% e 7,7%. A inflação americana parece ser maior hoje do que a brasileira.

Havia e ainda há uma percepção de que será possível combater a inflação sem grandes custos na forma de queda da atividade e elevação da taxa de desemprego. Como as expectativas não estão muito descoladas – a expectativa do consumidor medida pela universidade de Michigan em março, para 12 meses à frente, está em 3,8% e as expectativas de longo prazo, de 5 a 10 anos à frente, está em 2,8% –, muitos conseguem enxergar um retorno da inflação à meta de 2% sem grandes custos. Vale lembrar que 2,8% para a expectativa do consumidor é equivalente a 2% para os economistas e profissionais do mercado financeiro em geral. É fato conhecido que a percepção dos consumidores da inflação é por volta de 1 ponto percentual acima do valor real da inflação.

Ou seja, se, na dinâmica da inflação, as expectativas são mais determinantes do que a inércia, é possível imaginar um cenário de “pouso suave” em que a inflação “cai de maduro” sem grandes custos. De fato, de certa forma, esse ainda é o caso das projeções dos membros do comitê de política monetária do Fed. Segundo a última atualização de março, a mediana do comitê considera que o desemprego crescerá somente 1,2 ponto percentual acima dos atuais 3,4%.

Assim, pode-se dizer que a desinflação americana será fruto de um cabo de guerra entre a inércia e a expectativa. A visão da coluna sempre foi que, nesse cabo de guerra, a inércia tem um peso maior do que se imagina. E, para quebrá-la, será necessário mais dor do que se enxerga.

O trabalho “Managing desinflation”, apresentado em 24 de fevereiro último no US Monetary Policy Forum, na University of Chicago Booth School of Business, mostrou que as desinflações nos EUA, Canadá, Alemanha e Reino Unido do pós-guerra até agora apresentaram uma razão de sacrifício da ordem de 1. Isto é, para cada ponto percentual de desinflação, a taxa de desemprego precisou subir um ponto percentual. Ou seja, sendo otimista e sob a hipótese de que, após a reversão dos choques inflacionários, a inflação americana consolidar-se-á na faixa de 4-5% ao ano, a desinflação requererá uma elevação do desemprego de pelo menos 2 pontos percentuais, isto é, acima da prevista pela mediana do FOMC.

O mesmo trabalho mostra que a dinâmica da inflação estimada com os dados do período de estabilização da inflação americana, isto é, o período após a desinflação de Paul Volcker do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, não consegue prever bem a reinflação que ocorreu nos últimos dois anos. No entanto, quando se emprega a curva de Phillips (CP), que é a equação que determina a dinâmica da inflação, estimada com os dados desde o início dos anos 1960, é possível prever a reinflação dos últimos dois anos. Adicionalmente, na CP estimada com toda a amostra fica claro que, se não houver elevação da taxa de desemprego, a inflação não cairá.

Ou seja, o trabalho documenta a intuição que a coluna sempre teve de que, no cabo de guerra entre a inércia e as expectativas, a primeira desempenha um papel relevante. Não é novidades para nós, brasileiros. Assim, o cenário da coluna anterior à crise bancária é que a taxa de juros subiria até 6% ao ano e lá ficaria por uns 12 meses aproximadamente. A taxa de desemprego precisaria subir para pelo menos 5,5%. Sob essas hipóteses, a inflação convergiria para a meta ao longo de 2025.

Na sexta-feira, dia 10 de março passado, o Silicon Valley Bank foi liquidado. Em seguida, no domingo, 12, o Signature Bank foi liquidado. A liquidação do SVB e do Signature Bank foi fruto do afrouxamento regulatório de 2017 no governo Trump. Os bancos com ativo entre US$50 bilhões e US$250 bilhões tiveram seu requerimento de capital reduzido, e não precisariam mais a passar pelo teste anual de estresse. A coisa é ainda mais grave, pois, mesmo se esses bancos tivessem participado do teste de estresse conduzido pelo Fed em fevereiro de 2022, eles não seriam reprovados, pois os parâmetros foram muito frouxos. Em particular, o teste de estresse não testou a solidez dos balanços dos bancos diante de um ciclo muito forte de elevação da taxa básica de juros. A coluna não consegue entender falhas regulatórias tão clamorosas num país avançado como os Estados Unidos.

De qualquer forma, após o evento bancário de março último, há três cenários possíveis. Primeiro, total independência entre a política monetária e os problemas bancários. Nesse caso, a pronta ação do Fed conseguiu evitar efeitos sobre o crédito e o ciclo monetário ficaria inalterado. Segundo, uma contaminação parcial, e, nesse caso, o ciclo monetário seria reduzido. E terceiro, um cenário de crise sistêmica. Nesse terceiro caso, seria iniciado um ciclo de queda das taxas de juros.

Há motivos para acreditar que estamos no segundo cenário. Os bancos médios nos EUA têm importante função de concessão de crédito corporativo para empresas médias e pequenas. Os eventos já geraram uma redução do apetite desses bancos em conceder crédito. Adicionalmente, os resgates de correntistas desses bancos para direcionar seus recursos a bancos maiores ou mesmo para estruturas que operam sem alavancagem, os “money market mutual funds”, reduziram o espaço para a concessão de crédito desse importante segmento do setor bancário.

Assim, nossa avaliação é que o ciclo monetário será um pouco menor, o ponto de parada dos Fed Funds (taxa básica americana) deve ser 5,25% ou 5,5%, mas o tempo de duração da taxa nesse nível não deve ser alterado. Ao longo do próximo mês será possível uma melhor avaliação do impacto dos eventos sobre o setor.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de abril de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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