Macroeconomia

Economia chinesa: muita calma nesta hora

24 jul 2018

O humor do mercado em relação à China varia de tempos em tempos. Nas fases positivas, é lembrado como um país de forte crescimento, motor do comércio global, com grande capacidade de investimento, ascendente na cadeia global de valor e que possui um projeto organizado para aumentar a sua projeção externa de poder (econômico, político e cultural): um desafiante, cada vez mais real, à posição hegemônica americana.

Já nas fases negativas, a China é um país com crescimento desbalanceado e insustentável, viciado em crédito de qualidade obtusa, onde as estatísticas oficiais são forjadas, a taxa de câmbio manipulada e os desequilíbrios financeiros cada vez mais intensos: o principal postulante a epicentro da próxima grande crise econômica global.

Tipicamente, o humor do mercado oscila de acordo com os dados de crescimento: as interpretações mais negativas emergem sempre que aparecem evidências de desaceleração. Associe-se a isso um ambiente global inóspito e indicadores financeiros internos negativos: está pronta a receita para o início da inevitável, e tantas vezes antecipada, derrocada chinesa.

Indicadores mais negativos têm, de fato, se avolumado. Do lado externo, ocorreu claro avanço do contencioso comercial entre China e Estados Unidos, com a imposição de alíquotas de importação em ambos os lados e ameaças cada vez mais estridentes de ampliação do seu escopo. Em paralelo, o combate ao plano estratégico chinês de inovação e ascensão na cadeia global de valor (o China 2025) fica cada vez mais evidente – e com ações que não partem somente dos Estados Unidos.

Já do lado doméstico, os indicadores de atividade de alta frequência registraram contínua desaceleração durante o primeiro semestre de 2018, particularmente mais intensa na indústria (e, em específico, nas indústrias pesadas). Sinais mais negativos emergiram no mercado imobiliário, com uma importante desaceleração das vendas e certa moderação nos preços. Indicadores de investimento mostraram declínio. As métricas mais amplas de crédito[i] estão em contração e, no curto período desde o início de junho, a moeda chinesa (o renmimbi) perdeu aproximadamente 5,0% em relação ao dólar americano.

O início do fim? Certamente não! Já afirmamos em outras ocasiões que as diretrizes estruturais estabelecidas pelo Partido Comunista Chinês (PCC) são claras: a transição do modelo econômico é necessária e está longe de ser trivial, mas ainda assim será perseguida. A direção indicada combina menor crescimento, aumento da participação relativa de consumo/serviços em detrimento de indústria/investimentos e digestão de desequilíbrios previamente acumulados – menos crédito, menos endividamento, menor repressão financeira, mais regulação e diminuição da capacidade produtiva de certos setores. Em linhas gerais, exatamente o que tem ocorrido....

Entendemos que análises menos superficiais possam derivar desconforto não tanto da direção, mas sim da intensidade do ajuste. Essa lógica assume que o processo declarado de restrição conjunta das políticas fiscal, creditícia e monetária durante 2018 seria excessivamente intenso, podendo precipitar uma evolução disfuncional da economia.

Os postulantes dessa interpretação falham em reconhecer que os planos originais já foram ajustados. No lado fiscal, o ritmo de consolidação do superávit primário é hoje muito menor do que o ocorrido entre o final do ano passado e o início deste ano. Com o atual ritmo de consolidação fiscal, a meta de déficit primário para 2018 (que passou de -3,0% em 2017 para -2,6%) não deve ser alcançada – e isso não representa um grande problema, posto que as metas fiscais não foram respeitadas nos últimos anos.

Do lado creditício, há um brutal ajuste que busca coibir o uso de instrumentos não bancários (o shadow banking) e priorizar a emissão de crédito bancário. Tal expediente é salutar em termos prudenciais (o crédito bancário é muito mais regulado), mas tem levado a restrições ao crédito em determinados setores. No entanto, nos últimos dois meses tivemos vários cortes das taxas de depósitos compulsórios e, mais ainda, alguns destes cortes foram direcionados – não por acaso, para operações ligadas aos setores historicamente mais associados ao shadow banking[ii].

Por fim, em termos monetários temos observado uma leve tendência de recuo nas taxas de mercado durante os últimos dois meses, lembrando que ainda se encontram aproximadamente 150bps acima dos níveis observados no mesmo período do ano passado. Mais importante do que isso é que há clara evidência de mudança na gestão da política monetária: os juros referenciais chineses não estão mais acompanhando elevações nas taxas básicas americanas, levando a uma relevante diminuição do diferencial de juros entre as duas economias (aproximadamente 80bps desde dezembro/2017).

Em conclusão, o debate correto não é sobre a derrocada da economia, mas sim sobre a intensidade do ajuste que será engendrado pelo Governo. Correções de rota já estão em curso, e certamente outras virão. Evidentemente, o cenário internacional está ficando cada vez mais desafiador e os riscos de trajetória têm aumentado, como mostra o recente comportamento da moeda. Mas isso é assunto para outro texto...

Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE. Para ler a edição de julho, acesse o Portal IBRE.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

[i] O Total Social Financing, que combina tanto as operações bancárias como as não bancárias no shadow banking.  

[ii] Tais como pequenas e médias empresas, setores inovadores (biotecnologia, novos materiais, painéis solares) e certos segmentos de infraestrutura. 

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