Macroeconomia

Economia Informal: Brasil 2012 – 2019. Um exercício lúdico especulativo. Parte II

12 mar 2020

A ideia

Uso neste teste, apenas como exemplo, categorias que defini de forma absolutamente pessoal. A ideia é provocar uma discussão maior sobre a análise do que poderia ser classificado como informalidade, em suas diferentes óticas.

Os resultados, mostram o que já é sabido em termos gerais: no período 2012 – 2019 há um movimento dos setores formais na direção dos setores informais, dos mais organizados para os menos organizados, ou crescimento dos setores onde o foco é emprego e queda naqueles mais focados em acumulação. Pelo emprego, movimento similar mostra a queda de empregos com vínculo mais estáveis (carteira assinada) para aqueles mais “precários” ou sem os benefícios de uma relação empregador - empregado.

É importante observar que, nesse movimento, se misturam categorias que não podem nem devem ser agregadas para a definição de políticas públicas. Uma pessoa ocupada no setor privado sem carteira é classificada como informal. Assim como, uma pessoa ocupada como conta própria sem CNPJ. Porém, apesar de comungarem na informalidade, vivem realidades completamente diferentes. Por isso a exigência do detalhe que a grande categoria informalidade não traz.

O resultado não é novo, porém coloca uma pergunta importante: esse quadro é um padrão permanente ou, com uma possível volta do crescimento, reverteremos a um quadro mais formalizado, seja na visão por setores produtivos, seja pelo emprego e seus vínculos? Ou mesmo o que seria um quadro mais formalizado, dadas mudanças na legislação do trabalho?

O exercício

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) é a referência para a análise mais abrangente da ocupação no Brasil e em alguns cortes geográficos.

Este exercício procura apenas provocar uma reflexão, criando categorias de setor informal e emprego informal a partir das categorias adotadas na PNADC. A evolução, no período de 2012 até 2019, é avaliada para três setores da economia (Formal, Informal e Outros) e para o emprego (Formal e Informal), diferenciando, dentro da economia informal, uma ótica associada à organização da produção (setores) e outra associada à proteção social do trabalhador (vínculos).

Setor Informal

Os setores informais, neste exercício, foram definidos procurando associar, nas categorias da PNADC, as pessoas ocupadas que estão trabalhando em setores com as características de uma “unincorporate enterprise”, procurando respeitar as definições apresentadas em texto anterior publicado no Blog do IBRE.

O setor formal foi associado às pessoas ocupadas nos setores privado e público. Os trabalhadores domésticos foram classificados como no setor “Outros”, por ter organização muito específica. E os conta-própria, empregadores e trabalhadores auxiliares conformam o setor informal. Essa divisão procura agregar atividades econômicas com organização/função de produção similares.

A análise da economia, focando nos setores, procura identificar o grupo de setores mais organizados e com maior geração de valor adicionado, maior produtividade. Assim, se contrapõe ao setor informal que tem a função de gerar ocupação, apresentando menor geração de valor adicionado e remunerações menores – um setor com organização e produtividade mais baixa.

A seguir é apresentada, no Quadro 1, utilizando as categorias disponíveis da PNADC, uma possível associação para descrever o setor informal e o emprego informal.

Quadro 1: Categorias de posição na ocupação e associação
com setores e ocupação informal.

 

 

 

 

SETOR

OCUPAÇÃO

Ocupados

 

Empregados

Setor Privado

FORMAL

 

 

Com Carteira

FORMAL

FORMAL

Sem carteira

FORMAL

INFORMAL

Trabalhador Doméstico

OUTROS

INFORMAL

 

Com carteira

OUTROS

FORMAL

Sem carteira

OUTROS

INFORMAL

Setor Público

FORMAL

 

 

Com carteira

FORMAL

FORMAL

Estatutário

FORMAL

FORMAL

Sem Carteira

FORMAL

INFORMAL

Empregador

 

INFORMAL

 

 

Com CNPJ

INFORMAL

FORMAL

Sem CNPJ

INFORMAL

INFORMAL

Conta Própria

 

INFORMAL

 

 

Com CNPJ

INFORMAL

FORMAL

Sem CNPJ

INFORMAL

INFORMAL

Trabalhador Familiar

INFORMAL

INFORMAL

No Quadro 2 é apresentado o pessoal total ocupado nas três categorias de setores para o período de 2012 até 2019 (dados ainda não atualizados com os últimos resultados do último trimestre de 2019) e o detalhe para as subcategorias disponíveis. É calculado o incremento anual no pessoal ocupado de cada categoria e a participação de cada uma no total da ocupação.

Para o ano de 2015, a PNADC só levantou os dados, identificando se o informante tinha ou não CNPJ, para o quarto trimestre do ano. No Quadro 2 são apresentados os dados do total de pessoas para os conta própria e empregadores disponíveis desde 2012.

Estes resultados mostram claramente uma estruturação da economia brasileira pós 2015 com diminuição do setor formal, mais organizado, e crescimento do setor informal, centrado no crescimento dos trabalhadores por conta-própria e empregadores

Quadro 2: Pessoas ocupadas nos setores Formal,
Informal e Outro (trabalhadores domésticos)

 

Entre 2012 e 2019, há um aumento na participação do setor informal de 3,0 pontos percentuais (pp), de, aproximadamente 30% para 33%, com queda no setor formal de 2,9 pp e nos Outros de 0,2 pp.

O movimento para o setor informal se inicia em 2015, quando praticamente toda a redução de pessoal no setor formal, 1,209 milhão pessoas, se reflete em um aumento no setor informal.

Em 2016, com a maior redução na ocupação no período, ambos os setores têm queda e se observa pequeno aumento no trabalho doméstico.

A partir de 2017, o setor informal passa a absorver um número de ocupados maior que o formal. Considerando o período de 2019 a 2015 se observa uma redução de 1,042 milhão pessoas no setor formal, com um aumento de 1,829 milhão pessoas no setor informal.

A diminuição no setor formal foi concentrada nos empregados do setor privado, que reduzem sua participação de 50,7% no total da ocupação para 48%. O setor público não sofre mudanças significativas.

A diminuição de postos no setor privado entre 2015 e 2019, de 1,198 milhão de postos, tem como contrapartida aumentos nos conta-própria, de 1,823 milhão postos, e nos empregadores de 401 mil. A participação do setor privado na ocupação cai de 50,7% em 2012 para 47,9% em 2019. Enquanto, no mesmo período os conta-própria passam de 22,8% para 25,9% e os empregadores de 4% para 4,8%.

A ocupação nos trabalhadores domésticos (setor “Outros”) e nos ocupados no setor público fica inalterada entre 2012 e 2019, tendo sua participação no total da ocupação se mantido aproximadamente em de 6,7% e 12,4%, respectivamente. O que mostra que, com a queda na economia, o movimento foi direcionado para o setor informal, concentrado na ocupação por conta própria, aumento de 1,823 milhão de pessoas, secundado pelos empregadores com aumento de 466 mil.

Ocupação Informal

Para analisar a ocupação formal e informal foi adotado o critério de proteção social. Nesse caso, se consideram os trabalhadores do setor privado sem carteira assinada como informais. Essa opção significa que esses trabalhadores estão: com contratos de trabalho mais instáveis, ou precários; como aqueles trabalhando como pessoa jurídica ou outro tipo de contrato sem o direito aos benefícios que um trabalhador com carteira teria da parte do empregador.

Considerando as diversas, e inconclusas definições do que seria informalidade pelo lado da ocupação, se definem algumas categorias para realizar um exercício que tenta estabelecer uma taxonomia mais detalhada apoiada nas categorias da PNADC.

Para isso, se estabelece um corte considerando não apenas a proteção social, mas, também, aquelas categorias com nenhum tipo de benefício que uma pessoa ocupada formalmente registrada teria, tais como direito a férias, décimo-terceiro salário, previdência social paga pelo empregador, licenças por saúde, maternidade ou outras.

Dessa forma, se considera a ocupação em dois conjuntos: aqueles trabalhadores que têm o vínculo formal tradicional, por ter uma carteira de trabalho assinada ou ser estatutário no setor público, e aqueles que têm outro tipo de contrato de trabalho. Nesta segunda categoria, se consideram dois subconjuntos, aqueles que têm algum tipo de contrato como Pessoa Jurídica e aqueles que se diferenciam em suas categorias por terem um CNPJ, o que lhes daria algum tipo de proteção e/ou organização.

Tomando as categorias da PNAC, é definido[1]:

Ocupação Formal: conjunto dos ocupados que têm algum tipo de proteção social ou benefício, composto dos empregados no setor privado com carteira, os estatutários e com carteira no setor público, empregadores e ocupados por conta própria com CNPJ.

Ocupação Informal Ampliada: composto dos empregados do setor privado sem carteira, empregados domésticos sem carteira, empregador sem CNPJ, ocupados por conta própria sem CNPJ e os trabalhadores familiares.

A Ocupação Informal Ampliada pode ser decomposta em duas categorias, com relações de ocupação diferentes: os que não têm carteira assinada, mas trabalham nos setores mais organizados, e aqueles que trabalham nos setores menos organizados, mas que têm um vínculo refletido no registro no CNPJ:

Ocupação Informal Puro: composto dos ocupados sem registro no CNPJ.

Ocupação Informal EX: composto dos trabalhadores nos setores privado e público que não tem carteira de trabalho assinada.

O Quadro 3 apresenta, para o período de 2015 até 2019, o número de pessoas ocupadas para essas categorias[2].

Considerando os dados do Quadro 3, pode-se observar:

Para o período de 2019 a 2015[3] há uma redução na ocupação formal (1,912 milhão pessoas) com aumento equivalente na Informalidade Ampla (2,227 milhão de pessoas). Com impactos distribuídos entre os ocupados sem CNPJ (Informal Puro), 861 mil, e sem carteira (Informal EX), 1,366 milhão.

O relevante nesse movimento é que há uma diminuição forte dentro da ocupação formal nos ocupados do setor privado com carteira (2,491 milhão) com aumento significante nos ocupados no setor privado sem carteira (1,294 milhão) e nos conta-própria sem CNPJ (752 mil).

Crescimento não apenas no que chamaríamos de informalidade, mas em duas relações de trabalho diferentes, carteira e CNPJ, que devem ser acompanhadas com atenção.

O trabalho doméstico com carteira se reduz no período em 180 mil, tendo o trabalho doméstico sem carteia aumentado em 311 mil. No entanto, não há mudança significativa nessa categoria dentro da ocupação total, ficando em torno de 4,4%-4,5% da ocupação total no período.

Observando ano a ano, há queda do emprego formal até 2017, com pequena recuperação em 2018-19. Porém, o crescimento da ocupação na informalidade Ampla e EX é bastante superior e cresce em todo o período. Por exemplo, em 2018 há crescimento de 101 mil postos na ocupação formal com 1,176 milhão na informalidade Ampla e 415 mil na Pura.

Em 2016, o total de ocupados sofre uma redução de 2,313 milhão postos, com impacto distribuído na ocupação formal e informal amplo, 1,447 milhão e 867 mil, respectivamente. A partir de 2017, há aumentos na ocupação, mas sempre absorvidos na informalidade ampla. Totalizando, ao final de 2019, em relação a 2015, uma redução de 1,912 milhão de postos formais e aumento de 2,227 milhões de  postos na informalidade ampla.

Quadro 3: Pessoas ocupadas com Formais ou Informais e por subcategoria

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Referências

OECD 2002, Measuring the Non-Observed Economy – A Handbook, Organization for Economic Co-0peration and Development, International Labour Organization, International Monetary Fund. Statistical Committee of Commonwealth of Independ States, Paris 2002.

Hussmanns, Ralf (2004), Statistical Definition of Informal employment

OIT 2013, Measuring informality: A statistical manual on the informal sector and informal employment, International Labour Organization, Geneve 2013.

SNA 2008, System of National Accounts 2008, European Commission, International Monetary Fund. Organization for Economic Co-0peration and Development, United Nations and World Bank, New York 2009.

IBGE 2019, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Notas técnicas, Versão 1.6, Rio de Janeiro.


[1] Recentemente o IBGE passou a adotar uma categoria informalidade na divulgação da PNADC. Constituída de Empregados no setor privado sem carteira de trabalho assinada; Empregado doméstico sem carteira de trabalho assinada, Empregador sem registro no CNPJ; Trabalhador por conta própria sem registro no CNPJ e Trabalhador auxiliar Familiar.

  1. Para a análise  do número de pessoas com e sem CNPJ foram considerados, obviamente, os dados neste detalhamento a partir de 2015. É importante observar que como se iniciou a coleta neste detalhamento a partir do último trimestre de 2015 , para este ano há uma diferença na série dos totais, a partir de 2012, e a série com detalhamento.

[3] A análise entre 2019 e 2015 é exatamente equivalente à de 2019 a 2016. O que mostra que usar os dados de 2015 é viável.

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