Efeito do ciclo econômico sobre a receita da Previdência Social
No último domingo, o economista Samuel Pessoa estimou, em sua coluna na Folha de São Paulo, tratou do tema do acréscimo de receitas de contribuição previdenciária via redução da taxa de desemprego. Em seus cálculos, ao passar de um nível de 12,3% (média registrada em 2018) para 9%, nossas contribuições para a previdência saltariam em R$ 15 bilhões. Nesse texto, irei propor um cálculo para uma estimativa mais precisa, a partir de premissas ajustáveis.
Utilizando dados da PNAD Contínua, é possível obter as informações de população ocupada por categoria de ocupação e faixa de renda, além do rendimento médio para cada uma. Com isso, pode-se calcular a proporção de categorias empregatícias por faixa salarial em relação ao total da População Ocupada, além de estimar a contribuição média de cada grupo de acordo com as próprias regras, do INSS e do setor público, para contribuição.
Tabela 1: Frequência relativa de cada categoria ocupacional e
faixa de renda sobre a População Ocupada
|
Outros |
CLT |
Empregados Domésticos Formais |
Servidores Públicos |
Abaixo de 1 Sal Min |
19,536% |
0,772% |
0,085% |
0,000% |
Até R$ 1.693,72 |
15,888% |
20,880% |
1,606% |
2,457% |
De R$ 1.693,73 a R$ 2.822,90 |
6,857% |
8,926% |
0,198% |
1,864% |
De R$ 2.822,91 a R$ 5.645,80 |
5,600% |
4,482% |
0,025% |
2,528% |
Acima de R$ 5.645,80 |
4,871% |
1,742% |
0,000% |
1,681% |
Fonte: Tabulações a partir da PNADC de 2018.4
Tabela 2: Renda Mensal Média de cada categoria ocupacional e faixa de renda – em R$ corrente
|
Outros |
CLT |
Empregados Domésticos Formais |
Servidores Públicos |
Abaixo de 1 Sal Min |
465 |
654 |
670 |
0 |
Até R$ 1.693,72 |
1,176 |
1,217 |
1,134 |
1,197 |
De R$ 1.693,73 a R$ 2.822,90 |
2,119 |
2,104 |
2,013 |
2,187 |
De R$ 2.822,91 a R$ 5.645,80 |
3,801 |
3,716 |
3,252 |
3,936 |
Acima de R$ 5.645,80 |
12,729 |
11,008 |
10,500 |
10,859 |
Fonte: Tabulações a partir da PNADC de 2018.4
As Tabelas 1 e 2 mostram as tabulações de frequência relativa e renda média de tais grupos ocupacionais. As faixas de renda foram escolhidas de acordo com as definidas pelo INSS para a alíquota de contribuição do trabalhador. As categorias ocupacionais foram escolhidas de acordo com os diferentes regimes de contribuição. Para tais tabelas foi utilizada a PNAD Contínua do 4º trimestre de 2018[1].
A Tabela 3, abaixo, estima a contribuição média de cada categoria ocupacional por faixa de renda, de acordo com as regras definidas pelo INSS para contribuição. No caso dos servidores públicos, a alíquota depende em algum grau do ano de contratação do servidor; no entanto, para fins de simplificação, foi imputada a alíquota de 11%, a mais frequente para esse tipo de vínculo empregatício. Foi também estimada uma contribuição mensal de R$ 30,04 reais para quaisquer categorias ocupacionais além de CLT, empregados domésticos formais e servidores públicos, além de ser imputado zero para quaisquer ocupados recebendo abaixo do salário mínimo. Tal estimativa se deve à contribuição prevista de 9% de alíquota sobre o salário mínimo, multiplicado pelo percentual de contribuintes da Previdência nesses grupos ocupacionais (em torno de 31%) segundo a PNAD Contínua.
Tabela 3: Contribuição Mensal Média estimada de cada categoria
ocupacional e faixa de renda – em R$ corrente
Contribuição Média |
Outros |
CLT |
Empregados Domésticos Formais |
Servidores Públicos |
Abaixo de 1 Sal Min |
0 |
0 |
0 |
0 |
Até R$ 1,693,72 |
30,04 |
340,74 |
181,42 |
131,72 |
De R$ 1,693,73 a R$ 2,822,90 |
30,04 |
610,24 |
342,20 |
240,54 |
De R$ 2,822,91 a R$ 5,645,80 |
30,04 |
1151,84 |
552,82 |
432,94 |
Acima de R$ 5,645,80 |
30,04 |
2822,69 |
1461,04 |
1194,44 |
Fonte: Tabulações a partir da PNADC de 2018,4
Entre as premissas desse texto, estão a manutenção das frequências relativas e dos rendimentos médios (logo, das contribuições médias) da população ocupada, tal como reportado nas tabelas acima. Há mais uma premissa adicional, referente ao comportamento dos componentes da taxa de desemprego: população ocupada e força de trabalho. Ao cair de 12,3% para 9% (taxa de desemprego), supomos que toda queda advém de um crescimento do primeiro componente, sem alterações no segundo, Isso significa um acréscimo de 3,4 milhões de trabalhadores, ou um aumento de 3,7% em relação ao nível médio de 2018,
Aplicando as frequências relativas e contribuição média por cada categoria ocupacional e faixa de renda ao contingente adicional de população ocupada, gera-se um acréscimo de massa de contribuição previdenciária mensal de cerca de R$ 548 milhões, o que em um ano representaria R$ 6,57 bilhões a mais para o pagamento dos benefícios da Previdência. Tal acréscimo de contribuições, como se vê, é totalmente insuficiente para abrandar a necessidade de uma reforma do lado dos gastos,
Note-se que tal estimativa pode estar enviesada para baixo por duas razões: a premissa de contribuição de R$ 30 das categorias ocupacionais além de CLT, empregados domésticos formais e servidores públicos, além também da hipótese de manutenção das frequências relativas, que provavelmente se alterariam com um viés de formalização, a partir de um crescimento econômico capaz de reduzir a taxa de desemprego em mais de 3 pontos percentuais,
Como afirmado no início do texto, tais premissas são ajustáveis, de modo que é possível considerar outros cenários. Podemos, portanto, substituí-las por hipóteses muito mais otimistas. Serão feitos, portanto, seis exercícios adicionais: (i) uma taxa de desemprego de 6,8%, mínima histórica, registrada em 2014; (ii) uma taxa de desemprego de 9%, mas com aumento da taxa de participação de 61,7%, máxima histórica, registrada em 2017; (iii) uma taxa de desemprego de 9%, mas puxada totalmente pela contratação de CLTs; (iv) uma taxa de desemprego de 6,8%, com taxa de participação de 61,7% e aumento da população ocupada totalmente via CLT; (v) taxa de desemprego de 6,8% com taxa de participação de 61,7% e, finalmente (vi) taxa de desemprego de 6,8%, taxa de participação de 61,7% e aumento da população ocupada totalmente via CLT,
Como se vê pela Tabela 1, abaixo, que sumariza os exercícios contrafactuais, o aumento de massa de contribuição varia de R$ 6,6 bilhões, do primeiro exercício, até pouco mais de R$ 32 bilhões. Desse modo, pensar a reforma da Previdência apenas pelo lado das receitas é altamente insuficiente para a resolução, ou mesmo atenuação, do problema fiscal que advém deste sistema. Mesmo sob as hipóteses mais otimistas, o aumento das contribuições previdenciárias não passaria de cerca de R$ 30 bilhões, o que representa algo em torno de 15% do déficit total do RGPS em 2018, e 37% do déficit apenas no regime urbano,
Tabela 1: Resultados contrafactuais de aumento da contribuição previdenciária
via melhora do mercado de trabalho
Exercício |
Hipóteses |
Aumento de arrecadação (R$ Bilhões) |
||
TD |
TP |
Aumento da PO 100% via CLT |
||
(i) |
9,0% |
61,6% |
Não |
6,58 |
(ii) |
6,8% |
61,6% |
Não |
14,26 |
(iii) |
9,0% |
61,7% |
Não |
7,02 |
(iv) |
6,8% |
61,6% |
Sim |
31,58 |
(v) |
9,0% |
61,7% |
Sim |
15,41 |
(vi) |
6,8% |
61,7% |
Não |
14,71 |
(vii) |
6,8% |
61,7% |
Sim |
32,34 |
Fonte: Estimativas baseada em dados da PNAD Contínua e Regras de Contribuição do INSS
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Tal escolha não está livre de custos: por se tratar de apenas um trimestre, as proporções e rendimentos médios podem estar sazonalmente enviesados. No entanto, considerar todo o ano daria uma informação também relativamente defasada, de modo que foi preferido assumir os custos do viés sazonal para gerar esses resultados. A escolha, no entanto, é absolutamente arbitrária.
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