Macroeconomia

Efeitos da pandemia no produto potencial

17 abr 2023

Durante a pandemia o produto potencial foi negativamente afetado pela queda da taxa de participação na força de trabalho. No longo prazo o produto potencial será menor devido às perdas de aprendizagem durante a crise sanitária. 

A pandemia de Covid-19 teve um impacto profundo na atividade econômica. Em 2020, houve queda generalizada do PIB e serviços com baixo potencial de trabalho remoto foram muito atingidos. Em 2021 e 2022 houve recuperação do PIB e retomada dos serviços presenciais.

Uma questão importante que se coloca é qual o efeito da pandemia sobre o produto potencial no curto e no longo prazo? Um estudo recente de John Fernald e Huiyu Li (“The Impact of COVID on Productivity and Potential Output”) examina esta questão para os Estados Unidos.

Um determinante fundamental do produto potencial é a produtividade. Neste sentido, os autores dedicam uma parte considerável do estudo à análise de sua evolução durante a pandemia. Os resultados mostram que, apesar de variações expressivas ao longo do período, a trajetória da produtividade do trabalho e da produtividade total dos fatores (PTF) da economia americana foi pouco afetada pela pandemia.

Embora alguns setores intensivos em tecnologia, como serviços de informação, tenham tido forte crescimento da produtividade, esse ganho foi compensado pela queda de produtividade em segmentos de serviços intensivos em trabalho, como hospedagem e alimentação.

Outro determinante importante do crescimento do PIB potencial é o aumento do capital físico por meio de investimento em máquinas e equipamentos. As evidências mostram que houve apenas uma pequena desaceleração do crescimento do estoque de capital durante a pandemia, ao contrário do que ocorreu após a crise financeira internacional de 2008-2009, que afetou fortemente a acumulação de capital.

No entanto, o PIB potencial dos Estados Unidos foi negativamente afetado pela queda da taxa de participação na força de trabalho. Por diversas razões, como mortes e sequelas da Covid, aposentadorias precoces e fechamento de escolas devido à crise sanitária, a força de trabalho ainda não retornou à trajetória pré-pandemia.

Segundo os autores, isso reduziu o nível do produto potencial em cerca de 1,75% em comparação com a trajetória que teria sido observada com taxa de participação constante. Em consequência, houve um forte excesso de demanda em relação à oferta de trabalho, que contribuiu para o agravamento das pressões inflacionárias.

No entanto, grande parte desses efeitos sobre a taxa de participação e o produto potencial tendem a ser temporários. Em consequência, Fernald e Li argumentam que a pandemia não alterou suas projeções de crescimento do PIB potencial dos Estados Unidos em torno de 1,5% ao ano (a.a.) nos próximos anos.

No longo prazo, o principal efeito da Covid sobre o produto potencial será a menor acumulação de capital humano decorrente da disrupção do aprendizado de crianças e jovens durante a pandemia. As estimativas dos autores apontam para uma queda de 0,5% do PIB potencial em 2045, quando as coortes afetadas pelo fechamento de escolas terão entre 29 e 35 anos de idade. O efeito negativo sobre o produto potencial vai durar mais de 70 anos, o que representa um grande impacto acumulado no longo prazo.

Embora ainda não existam estudos sobre o impacto da pandemia no produto potencial do Brasil, é provável que, pelo menos sob o ponto de vista qualitativo, as consequências sejam semelhantes às observadas nos Estados Unidos.

Como discuti na última coluna, o comportamento do mercado de trabalho no Brasil foi similar ao dos Estados Unidos nos últimos três anos, com queda da taxa de participação e excesso de demanda por trabalho, resultando em fortes pressões inflacionárias. Na medida em que a taxa de participação se recupere e a economia desacelere este ano, boa parte deste descompasso tende a ser eliminada.

Além disso, os indicadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram que, após flutuações significativas, tanto a produtividade do trabalho como a PTF retornaram à tendência de queda do período pré-pandemia (um pouco abaixo no caso da PTF).

Também existem diversas evidências de que a perda de aprendizado durante a pandemia foi muito grande, o que afetará negativamente o capital humano dos futuros trabalhadores e o produto potencial nas próximas décadas. Será fundamental que o governo federal, em colaboração com estados e municípios, atue no sentido de minimizar essa perda.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 14/03/2023.

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