Macroeconomia

Em busca da agenda perdida

7 ago 2020

Em uma crise, o Congresso Nacional sempre busca agendas para apresentar como resposta ao país. Isso ocorreu na crise passada com a aprovação do teto de gastos, reforma trabalhista, TLP, dentre outras medidas. Aconteceu algo semelhante nas crises de 2003 e 2008. A situação atual não é diferente.

A pandemia criou tensão entre as prioridades da equipe econômica e as necessidades concretas de um país que sairá da crise com maior pobreza, desigualdade e com um crescimento mais comprometido em função da maior fragilidade do setor público e privado. O que estamos assistindo é o embate entre essas distintas visões cuja solução ainda está sendo politicamente construída.

Um novo capítulo foi escrito a partir do envio da proposta de reforma tributária do governo que unifica o PIS/COFINS. A medida trará menor tributação nas empresas de maior valor adicionado, tipicamente indústrias, e maior tributação nos setores mais intensivos em mão de obra, tal como serviços, que tradicionalmente tem baixa tributação no Brasil.

A unificação do PIS/COFINS tem longo histórico e foi construída ao longo dos últimos três governos sem que tenha sido encaminhada para o Congresso Nacional. É digno de nota que a pandemia tenha criado condições políticas para que essa proposta ganhe vida. A questão substantiva, a partir de agora, é saber como o Congresso recepcionará o tema depois de todo o trabalho em torno das duas PECs tributárias (PEC 45 na Câmara e a PEC 110 no Senado).

O segundo aspecto é que o setor de serviços, que foi o mais atingido durante a crise, terá sua carga elevada. Isso é uma dificuldade a mais nas negociações que se seguirão. Uma transição no tempo é a resposta econômica mais adequada, mas o Congresso Nacional sinaliza também com uma compensação financeira reduzindo a tributação sobre a folha.

Os estudos sobre os efeitos econômicos da desoneração da folha são muito ambíguos para que uma nova proposta produza elevado grau de confiança sobre seus resultados. Além disso, a desoneração da folha possui um custo fiscal muito elevado. Se a solução para financiar essa desoneração for uma nova CPMF, utilizaremos um imposto regressivo para financiar uma política com resultados muito incertos. Não parece uma troca razoável. Seria desejável aproveitar o clima positivo criado pela pandemia para corrigir algumas distorções na tributação direta.

A discussão pode se transformar em um grande emaranhado de negociações entre custos e compensações aos vários interessados. Caso o Congresso opte por desonerar a folha, a dúvida será se a reforma tributária será responsável por abrir espaço para uma recuperação sustentável ou se será fruto da desoneração dela decorrente.

O papel mais ativo do governo na recuperação fez as tratativas sobre a ampliação dos programas sociais evoluírem. O primeiro passo foi a ampliação dos recursos do FUNDEB com uma parcela destinada para a educação infantil. Essa nova destinação não está no escopo original do Fundo. Como o FUNDEB está fora do teto de gastos, a mudança patrocinada pelo governo significou mais um drible à regra criada em 2016. A insustentabilidade do teto é conhecida, o que não era esperado é que o governo fosse fazer parte disso.

Uma avaliação objetiva da questão mostra que o teto pode ter ajudado na estabilização macroeconômica, mas não entregou muito do que prometeu por não atuar diretamente sobre os vícios tradicionais da política fiscal. Em paralelo, várias reformas fiscais foram aprovadas desde 2015, como o FAT, pensões por morte, auxílio doença, BPC e a reforma da previdência social. Apesar das reformas, a percepção sobre sua insustentabilidade nunca mudou.

Se muitas pessoas inteligentes acreditaram que um teto reconhecidamente insustentável funcionaria, o que dizer de um teto equilibrado, com incentivos corretos, mais longevo e, portanto, crível? Uma solução madura e transparente é mais desejável do que os vazamentos que estão ocorrendo e que minarão a credibilidade da política fiscal.

Muitas políticas deverão ser construídas para lidar com as consequências econômicas da pandemia. A troca entre as políticas de curto prazo que alicerçarão a recuperação e as políticas de longo prazo que tratarão da sustentabilidade fiscal devem ditar rumo daqui para a frente e o governo deverá sinalizar nas duas frentes.

Mas a questão essencial, que qualquer pessoa republicana deve se preocupar, está em separar as políticas adequadas para enfrentar a pandemia daquelas que vão servir apenas para desequilibrar o jogo democrático e que antecipará de forma prematura o processo eleitoral. O custo de sustentar os tais 30% de apoio será elevado e esse jogo, a partir de agora, irá ser jogado de forma mais explícita.


Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 05/08/2020, quarta-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.