Macroeconomia

Em busca de atalhos

23 fev 2023

O início do governo Lula tem indicado uma volta ao padrão de busca de atalhos por meio de intervenções no mercado, com possíveis retrocessos na reforma trabalhista, marco do saneamento, mercado de crédito e Lei das Estatais. 

Crescimento econômico sustentado é algo muito difícil, já que envolve sacrifícios no presente em troca de ganhos incertos no futuro. Aumentos permanentes de produtividade também dependem de um ambiente de negócios que facilite a expansão das empresas mais eficientes, o que pressupõe um grau adequado de competição. Também é fundamental assegurar estabilidade macroeconômica e previsibilidade regulatória para que indivíduos e empresas tenham um ambiente propício para a tomada de decisões de investimento.

Na ausência de mecanismos institucionais que criem incentivos adequados, aumentos futuros do PIB tendem a ser sacrificados em favor de estímulos de curto prazo da atividade econômica. Outra consequência é a proliferação de barreiras à competição em diversas áreas, como tributação, crédito e comércio exterior, que favorecem determinados setores e empresas em detrimento dos demais.

Historicamente o Brasil tem se encaixado nesta descrição. Em vez de se procurar resolver os obstáculos estruturais para o crescimento, tem prevalecido a busca por atalhos por meio de políticas intervencionistas. Como grande parte dessas distorções envolve recursos públicos e reduz o crescimento do PIB, esse modelo tende a gerar desequilíbrios macroeconômicos, o que frequentemente resulta em inflação elevada e crise fiscal.

Um exemplo típico foi a proliferação de regimes especiais de tributação, não só para grandes empresas, mas também para pequenas, com a criação do Simples e MEI. Outro mecanismo muito utilizado de favorecimento a empresas e setores específicos é o crédito subsidiado por parte de bancos públicos, assim como barreiras tarifárias e não-tarifária à competição externa.

Existem algumas exceções, como o período entre a década de 1990 e a primeira metade dos anos 2000 e, posteriormente, o período de reformas que iniciou em 2016, com mudanças importantes na legislação trabalhista, no marco regulatório de infraestrutura e no mercado de crédito. Mas esses episódios de reformas tendem a ser esporádicos e de curta duração.

O início do governo Lula tem indicado uma volta ao padrão de busca de atalhos por meio de intervenções no mercado, com possíveis retrocessos na reforma trabalhista, no marco do saneamento e na Lei das Estatais.

Na área de crédito, deverá ocorrer uma expansão do crédito subsidiado por parte de bancos públicos e provavelmente uma mudança da TLP. Em vez de persistir na agenda de reforma do mercado de crédito, parece haver por parte do governo uma preferência pelo uso de fundos garantidos por recursos do Tesouro com o objetivo de tornar os financiamentos mais baratos e renegociar dívidas, transferindo para o contribuinte o risco dessas operações.

Em relação à inserção na economia internacional, o governo parece interessado em retomar uma agenda de integração da América Latina em detrimento do ingresso na OCDE. Também têm surgido notícias de novas exigências protecionistas que podem atrasar a implementação do Acordo Mercosul/União Europeia.

A discussão recente sobre uma mudança das metas de inflação é outra manifestação da busca por atalhos. Embora os choques dos últimos anos (pandemia, guerra da Ucrânia e disrupção das cadeias globais de valor) tenham elevado a inflação no mundo inteiro, no caso do Brasil as projeções de mercado indicavam em novembro do ano passado o cumprimento da meta de inflação no horizonte relevante e uma redução da Selic em 2023.

O que levou ao aumento das projeções de inflação e das taxas de juros longas foi o aumento de cerca de 2% do PIB decorrente da aprovação da PEC da Transição em dezembro. Diante deste quadro, em vez de alterar a meta de inflação, a política adequada neste momento seria propor imediatamente uma nova regra fiscal que seja capaz de assegurar que a trajetória da dívida será estabilizada.

No entanto, com exceção de um pacote concentrado em aumento de receitas e baseado em projeções irrealistas de redução do déficit primário este ano, as sinalizações do governo são de crescimento dos gastos, com a retomada da política de elevações reais do salário mínimo e aumento da faixa de isenção do imposto de renda.

Uma exceção ao padrão de busca de atalhos é o interesse manifestado pelo governo em aprovar a reforma dos impostos sobre o consumo baseada nas PECs 45 e 110. Também existem boas possibilidades de progresso na agenda de melhoria da educação e do meio ambiente, o que pode contribuir para aumentar o capital humano da população e gerar novas oportunidades de investimento.

Em conjunto com a nova regra fiscal, a atuação do governo em relação a esses temas será de grande importância para que o país tenha alguma perspectiva de avanço na direção de uma solução mais duradoura para o problema do baixo crescimento.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 17/02/2023.

Comentários

maria regina va...
PRECISO SABER O CONTATO O FERNANDO VELOSO, PARA ATUALIZAÇÃO DE DADOS, AFIM DE ENVIAR UM CONVITE PARA O PREMIO CBMM CIA BRASILEIRA DE METALURGIA E MINERAÇÃO.
fernando.dantas
O e-mail do Veloso foi enviado para o seu e-mail, saudações.

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