Macroeconomia

Entrevista Conjuntura Econômica: o fim da "direita envergonhada"

2 ago 2018

Claudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da FGV Eaesp, analisa as razões pelas quais a “direita envergonhada” está virando coisa do passado: "Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita", diz.

Por Solange Monteiro

Conjuntura Econômica – Desde a redemocratização, ser politicamente de direita alimentou uma conotação negativa. Mas hoje vemos que Jair Bolsonaro tem se sustentado nas pesquisas de opinião, e uma ala do PSDB mudando sua posição no espectro político, buscando consolidar candidaturas de centro. Podemos considerar que esses são indicativos de que a “direita envergonhada” está virando coisa do passado? 

Creio que a percepção negativa do pertencimento à direita, após o regime autoritário, deve-se principalmente ao fato de que esse regime era de direita. Por isso, colocar-se como de direita poderia implicar, em boa medida, uma associação ao autoritarismo do regime militar. Além disso, as demais ditaduras latino-americanas, com exceção de Cuba, eram todas de direita, o que reforçava tal percepção. Por fim, associar-se à esquerda significava apresentar-se como defensor de ideias inerentes a este campo do espectro ideológico que em boa medida se universalizaram, como é o caso da igualdade e da justiça social. Portanto, dizer-se de direita significaria assumir-se como defensor da desigualdade e despreocupado com a justiça social. Por todas essas razões, os direitistas no Brasil preferiam dizer-se “de centro”; não é à toa que o bloco de direita na Assembleia Nacional Constituinte se autodenominou “centrão”, termo que depois foi associado a outros grupos parlamentares semelhantes noutras casas legislativas. Isto ainda subsiste hoje, tanto que candidatos de direita ainda se definem e são chamados por muitos como “de centro”.

A direita brasileira saiu do armário por uma série de razões. Primeiramente, como reação a governos de esquerda no plano nacional; neste sentido, trata-se de uma direita literalmente reacionária. Em segundo lugar, reagindo ao avanço (no Brasil e no mundo) de valores e modos de vida contrários às formas tradicionais, sobretudo no que concerne a questões identitárias como gênero e raça; a este avanço do igualitarismo (e, portanto, esquerdismo) identitário, seguiu-se uma reação que defende valores e práticas tradicionais, ensejando uma direita identitária. Movimentos como o “Escola sem Partido”, a crítica à chamada “ideologia de gênero”, o ataque às cotas raciais e à própria ideia de ações afirmativas de um modo geral pertencem a este campo.

Desde que se constituiu a polarização PSDB-PT na política nacional, no início dos 1990, a disputa entre o que era originalmente um partido de centro-esquerda e outro de esquerda tornou-se a polarização entre um partido de esquerda (o PT) e o único que a ele se opunha de forma efetiva (o PSDB). Com isto, os tucanos atraíram os votos e a adesão de uma base social direitista que havia ficado politicamente órfã, com a decadência da velha direita brasileira, muito vinculada à ditadura e à corrupção. As políticas dos governos petistas aguçaram essa polarização e suscitaram uma reação que foi bastante alimentada por certos publicistas da grande imprensa e da blogosfera, os quais focavam seus ataques ao PT e, por tabela, à esquerda de um modo geral. Esses ataques se caracterizam por uma estigmatização deslegitimadora, associando a esquerda automaticamente à corrupção (“petralha”), a algum tipo de doença mental (“esquerdopata”), à hipocrisia (“esquerda caviar”) e assim por diante. Isso nutriu um ódio político que, num primeiro momento, foi instrumentalizado pelo PSDB e seus aliados, mas que depois se tornou demasiado para eles, cevando o surgimento de uma direita extremista como aquela representada por Bolsonaro e seu irracionalismo de corte neofascista. Mas há outros, uns mais próximos desse extremismo (como Olavo de Carvalho), outros menos, mas ainda assim marcados pela intolerância política (algo incompatível com o professado liberalismo), como é o caso do MBL.

É possível traçar algum paralelo do que acontece hoje no Brasil com o cenário político internacional – principalmente em países com o mesmo grau de desenvolvimento?

Depois de uma onda progressista ou de esquerda no mundo, assistimos agora a uma onda direitista – claro, com nuances tanto durante o primeiro movimento, como agora, durante o segundo. Na América Latina tivemos a emergência de uma esquerda de tipo socialdemocrata no Brasil, Chile e Uruguai; de uma esquerda populista na Argentina, Bolívia, Equador e – principalmente – Venezuela. Nos Estados Unidos, surgiu Barack Obama; partidos socialdemocratas também tiveram sucesso em alguns países europeus, embora de forma menos vistosa do que na América Latina. Hoje, presenciamos a ascensão de Trump e de governos direitistas – alguns deles de tipo populista – na Europa. Na América Latina, os governos de esquerda foram derrotados no Chile e na Argentina, substituídos por administrações de direita, ainda que de uma direita moderada, sobretudo se comparada a figuras como Bolsonaro, Trump ou o uribismo, que acaba de vencer as eleições na Colômbia, removendo um governo de centro-direita. 

Continue a ler a entrevista no site da Revista Conjuntura Econômica.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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