Energia
Meio Ambiente

Escolhas sustentáveis: os ventos da mudança e uma “lista de desejos”

14 nov 2022

Desafios de renovação de concessões de distribuidoras, desenho da liberalização, novas tecnologias de energia limpa e ‘minigrids’ para descarbonização em comunidades remotas na Amazônia deveriam ser temas cruciais para novo governo.

Passadas as eleições presidenciais no Brasil, tem início o período de transição. Alguns nomes muito conhecidos voltam a circular como cotados para posições relevantes na estrutura do setor energético. Independente dos escolhidos, uso o espaço desta coluna para escrever minha lista de desejos dos temas que reputo centrais a serem endereçados pelo próximo governo. Logo.

Os assuntos não são novos; ao contrário, já foram explorados em colunas anteriores – o que até facilita colocar aqui. São eles: (i) término dos contratos de concessão, principalmente para 20 distribuidoras de eletricidade que foram privatizadas a partir de meados da década de 1990 e início dos anos 2000; (ii) liberalização de mercado; (iii) adoção de novas tecnologias de energia limpa, críticas para acelerar a descarbonização, (iv) inclusive em comunidades remotas na Amazônia.

Cada um desses itens conta com discussões e propostas que circulam no mercado, no Executivo e no Legislativo. Acredito que, para cada um, a atenção aos detalhes e a busca do equilíbrio fazem a diferença entre o sucesso e o fracasso – definido este por soluções que não geram ganhos de eficiência, constituindo mera apropriação de renda por uns e repasse de custos a outros. Isso significa violação do objetivo de promover uma transição energética justa.

Concessões

Vencem, entre julho de 2025 e abril de 2031, os contratos de 20 concessões de distribuição de energia elétrica. Juntas, as empresas titulares dessas outorgas respondem pelo atendimento a mais de 60% do mercado das distribuidoras. A última vez que uma oportunidade dessas esteve presente, 33 concessionárias teriam contratos vencendo entre 2015 e 2017.  Sob a administração do PT, com base na Lei 12.783/2013 (resultante da Medida Provisória 579/2012), a escolha recaiu sobre a prorrogação do respectivo prazo contratual, por trinta anos.

O Tribunal de Contas da União (TCU) teve papel importante na renovação de concessões de distribuição à época. Sob pena de determinação cautelar que impedisse a extensão da vigência dos contratos, uma sequência de Acórdãos pressionou o Executivo a planejar a solução que seria adotada. Em resposta, foi publicado Decreto que regulamentou a prorrogação das concessões a vencer. Houve dissenso entre a visão das áreas técnicas do TCU e a decisão do plenário, por meio do Acórdão 2.253/2015, que pavimentou o caminho para a renovação.

Como resultado da apreciação do TCU, restaram compromissos de aperfeiçoar a regulação para atuar de modo preventivo no monitoramento de condições de sustentabilidade econômico-financeira e de qualidade ou continuidade na prestação dos serviços. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) respondeu, alargando o escopo da regulamentação quanto aos critérios de eficiência para avaliação da qualidade dos sistemas de governança corporativa.

No tratamento das concessões a vencer neste decênio, as distribuidoras têm pressa.  Pedem ao governo que responda rápido, estabelecendo as condições para promover a sua renovação, mesmo que algumas definições restem pendentes de tratamento.

A decisão do que fazer no advento do termo contratual não se resume à dicotomia entre renovar ou licitar. Vale ver a experiência das concessões de energia elétrica com outorgas terminando entre 2015 e 2017. Enquanto a maior parte foi renovada, houve privatização das distribuidoras controladas pela Eletrobras, e de outras sob controle estadual – caso da CEB (Brasília, DF),  CEEE-D (RGS), CEA (Amapá) e CELG-D (Goiás). Há lições importantes em outros setores: a realidade complexa do Rio de Janeiro foi capaz de atrair bons operadores para os quatro blocos de serviços de distribuição de água e saneamento contratados no âmbito da desestatização da CEDAE (Estado do Rio). Ademais, o setor elétrico é farto de boas experiências e inovação para enfrentar problemas em áreas antes consideradas muito complexas, caso da CEMAR (Maranhão).

A pergunta relevante na decisão quanto à conveniência de licitar ou renovar a concessão de distribuição é como adaptar o contrato; ou seja, qual é o desenho do instrumento contratual adequado para enfrentar desafios do futuro (Utility of The Future)? O término da vigência da outorga oferece oportunidade ímpar para revisitar direitos e obrigações, e até mesmo reconfigurar áreas de modo a criar soluções sustentáveis na prestação dos serviços. A chave do sucesso requer responder as indagações: qual é o modelo de negócios capaz de viabilizar e remunerar os vultosos investimentos em redes necessários no futuro descentralizado, em que os consumidores (“prossumidores”) ofertam, por exemplo, energia, por meio de painéis solares; qual a resposta da demanda; qual o papel serviços de armazenamento (veículos elétricos); e como se lida com a questão da eficiência energética? O êxito nessa empreitada reclama entender que esse admirável mundo novo da transição energética não é uma sequência de reedições do passado. 

Liberalização

A distribuição de eletricidade do futuro engloba um conjunto de direitos e obrigações que é distinto daquele subjacente aos contratos de concessão firmados há cerca de três décadas. Já temos aqui utilities dispostas e aptas a, por exemplo, acoplar a oferta de serviços financeiros, seguro, assistência técnica a outros equipamentos etc.

Ao mesmo tempo em que os comercializadores demandam #abertura completa já, algumas distribuidoras pleiteiam o direito de operar serviços de comercialização de energia para consumidores que eventualmente permaneçam por elas supridos. Argumentam que teriam responsabilidades na comercialização de energia para usuários inadimplentes, atuando como provedores de última instância. A compensação requerida para carregar esse risco poderia vir na forma de direito a equilíbrio econômico-financeiro. Aqui as perguntas relevantes são: Quais são as condições para promover uma efetiva separação (unbundling) entre fio e energia, na medida em que os serviços de rede são pagos por todos que dele se beneficiam? Como promover uma alocação de riscos adequada? Como aprofundar a liberalização desenvolverno um mercado funcional de energia, dotado de boa governança e regulação prudencial?

Novas Tecnologias de Energia Limpa

A COP 27, acontecendo no Egito, tem como foco a implementação dos compromissos para combater mudanças climáticas. O governo eleito no Brasil sinaliza renovado vigor para abraçar a agenda de sustentabilidade. Algumas tecnologias de energia limpa fundamentais para acelerar a descarbonização ainda não estão in-the-money – caso do hidrogênio verde e eólicas offshore. A resposta das economias desenvolvidas e de algumas emergentes é acelerar inovação e projetos demonstração. Mas como equilibrar a disposição de desenhar e implementar políticas capazes de promover apostas tecnológicas para ganhar espaço nessa corrida, sem cair refém das cantilenas de selecionar setores e empresas campeãs – que produzem ganhos efêmeros às custas da competitividade do país e transferências de renda entre grupos? Projetos demonstração e sandboxes regulatórios são instrumentos poderosos para entender o que funciona e quais as barreiras e riscos para inovação.

Minigrids para acelerar a descarbonização em comunidades remotas na Amazônia

A combinação de novas tecnologias de energia limpa testadas tem grande capacidade de promover acesso sustentável a serviços de energia em comunidades remotas, tema que abordei na coluna do dia 25 de outubro no Broadacast.  Essencial aqui é entender que o êxito nesse grande desafio depende de soluções que integrem: (i) adoção de novas tecnologias; (ii) políticas e regulação mais flexíveis; e (iii) modelos de negócio que permitam alcançar (alguma) escala para atrair desenvolvedores e operadores, e acessar financiamento.

Lá se vão duas décadas desde que o setor de energia elétrica no Brasil passou por uma reforma expressiva. De lá para cá, houve atração de capitais e investimentos. Mas os desafios do futuro são novos. Não se trata de uma escolha simples de qual é a capacidade de geração e a dimensão das redes, repassando a conta para pessoas e empresas – majorada significativamente no advento de crises que tendem a se tornar mais frequentes.

Os ventos da mudança estão soprando no setor elétrico. Os quatro temas aqui abordados são terreno fértil para experimentar, e críticos para promover transformações sustentáveis. Logo.

Esta coluna foi publicada originalmente em 8/11/2022, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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