Esperando pelas águas de março
Existe uma corrida sendo disputada entre a segunda onda e a aplicação da vacina. Por enquanto, a segunda onda está na frente e o número de casos e mortes aumenta, mas a informação de que a vacina está disponível é uma luz no túnel que reduz a agonia.
A perspectiva positiva deixada pela vacina animou os mercados e a aversão ao risco dos emergentes caiu. O câmbio se apreciou e as taxas de juros cederam. Nada excepcional, mas o suficiente para mostrar novamente que a tese da dominância fiscal era equivocada como argumentei em artigo nesse espaço no dia 25 de novembro.
Existem determinantes internacionais e domésticos que alteram o equilíbrio externo. De forma simplificada, as variáveis internacionais determinam o total de recursos a ser alocado pelos investidores nos mercados financeiros e os atributos domésticos de cada país funcionam como um ranking de atratividade para receber esses recursos.
O Brasil tradicionalmente atrai bastante recursos internacionais e está entre os países com maior suscetibilidade a choques dos termos de troca, conforme mostra recente pesquisa feita por pesquisadores do FMI[1]. Assim, a combinação de redução dos preços das commodities com maior aversão ao risco colocou o país em uma conjuntura bastante adversa para enfrentar a crise.
Sempre que isso ocorre, o foco das preocupações se volta para a política econômica doméstica porque é a variável que está sobre nosso controle. A pressão por resultados aumenta, mas é difícil contrapor ventos externos que rumam na direção oposta. Passar a impressão equivocada da importância desses fenômenos é um erro comum entre analistas que deve ser evitado, mas também reflete o jogo político e econômico no país. Em termos práticos, o cenário de recuperação global prevalece mesmo com tanta incerteza e com riscos de novas paralisações.
No cenário doméstico, as incertezas continuam porque não há um plano de vacinação definido. A falta de coordenação do governo federal abre uma avenida de oportunismo para alguns Estados que estão sendo premiados com uma nova rodada de renegociação de dívidas. Os municípios podem elevar sua participação no FPM se a PEC 391/2017 for aprovada. Com tantos conflitos a serem mediados, o Congresso Nacional celebra o federalismo de presépio de natal.
Enquanto o governo abre mão de controlar a pandemia, perde o controle do processo orçamentário. O teto de gastos é claramente inviável para o próximo ano e sua manutenção deve ocorrer com algumas exceções justificadas pela pandemia. Cresce, por sua vez, a percepção de o teto pode se tornar viável para 2022. O IPCA será muito elevado até junho o que abre espaço para a ampliação do teto. Com a inflação em queda, no segundo semestre, o governo poderá ampliar despesas em um teto elevado.
O Relatório da PEC emergencial foi adiado. Na minuta divulgada, não havia gatilhos novos a serem acionados, os recursos de fundos encerrados seriam destinados para outras áreas e a proposta de redução das renúncias tributárias foi devolvida para a equipe econômica. Não foi possível um acordo para a formalização da proposta que quase nada oferecia ao governo.
Por enquanto, os analistas de mercado torcem para a inflação ficar mais alta. Dessa forma, o governo poderá elevar seus gastos e manter o teto. No mundo das narrativas, tudo parece aceitável enquanto a percepção for de que o teto vale no ano seguinte. Parece contraditório, mas isso pouco importa quando há muita liquidez no mundo e a perspectiva de vacinação prevalecer sobre os efeitos econômicos adversos da segunda onda.
Esse estado de coisas compra um tempo precioso para a política cicatrizar suas feridas e promover a necessária arrumação de casa o que só deve acontecer depois do carnaval. Assim aguardamos e torcemos.
Desejo a todos boas festas de fim de ano e com bastante proteção.
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 16/12/2020, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Pace, F., Juvenal, L. e Petrella, I. (2020). “Terms of trade are not all like”. FMI, working paper.
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