Economia Global

EUA: 2023 em cinco (longos) parágrafos

16 fev 2023

Apesar de sinais de lenta queda da inflação,  alta de serviços e mercado de trabalho sobreaquecido tornam necessário frear economia. Esperamos juro básico terminal de 5-5,25% em meados de 2023, com espaço para corte só em 2024.

A economia americana precisa desacelerar. Refletindo inúmeros estímulos fiscais, forte expansão monetária e um boom de consumo no pós-pandemia, a economia americana dá sinais de operar com estreita ociosidade – ou até mesmo acima do crescimento potencial – desde, pelo menos, meados de 2021[1]. Com a demanda crescendo acima da oferta, não é surpresa que as pressões inflacionárias tenham se avolumado. O forte recuo da taxa de poupança das famílias e o aumento do endividamento familiar corroboram um cenário desafiador, que exige atuação (monetária e fiscal) para evitar divergência do processo inflacionário.

Há sinais moderadamente animadores, mas a convergência da inflação ainda está longe se ser concluída. Após atingir picos locais no 1º semestre, a inflação ao consumidor acumulada em 12 meses (medida tanto pelo CPI como PCE) deu sinais de desaceleração no 2º semestre do ano passado. Apesar disso, o patamar segue elevado; o CPI encerrou 2022 em 6,5% e o PCE em 5,0%. Ainda mais relevante, as métricas subjacentes, de ambos, seguem pressionadas – Core CPI em 5,7% e Core PCE em 4,4% - e com leituras mensais que dão parcos sinais de enfraquecimento. A composição é desafiadora, com um aumento relativo da inflação de serviços subjacentes – por excelência, mais difícil de ser combatida – e lenta desinflação, concentrada em itens mais voláteis e surpreendendo negativamente no início de 2023. Tanto a inflação corrente como as expectativas seguem bastante longe da meta inflacionária do FOMC.

O sobreaquecimento do mercado de trabalho é o ponto mais sensível. A taxa de desemprego se encontra próxima ao mínimo observado no final da década de 60, mantendo ritmo elevado de geração de vagas. Mais importante do que os volumes, os salários dão sinais de expansão acelerada – e, em muitos segmentos, seu ritmo de reajuste já é superior à inflação. Existe um debate sobre a ocorrência de espiral preços-salários – e estamos no grupo de analistas que enxergam uma dinâmica negativa em gestação, ao contrário da visão oficial do FOMC. O mercado de trabalho sobreaquecido torna a convergência inflacionária bem mais difícil, especialmente nos serviços, exigindo, em nossa opinião, mais restrição monetária do que o mercado imagina.

O ajuste monetário continuará, ao menos até meados de 2023. Esperamos que a taxa de juros referencial americana atinja a faixa 5,00%-5,25%a.a. até o 3º trimestre de 2023, com mais dois movimentos sequenciais de 25bps nas reuniões de março e maio do FOMC. A evolução do cenário torna possível vislumbrar o fim do ciclo de ajuste monetário, com evidências crescentes, mas ainda insuficientes, de impactos sobre os segmentos econômicos mais sensíveis às condições financeiras. A composição da inflação, cada vez mais subjacente e com peso nos serviços, e o comportamento das expectativas mais longas sugerem leve viés de alta para a taxa terminal. Mais importante, indicam que os juros permanecerão no patamar final do ciclo por muito mais tempo do que o mercado imagina. Só vemos espaço para cortes de juros, e de forma muito suave, a partir de 2024.

O mercado segue com extrema dificuldade de entender as mensagens do FOMC. No início do ciclo de ajuste monetário, a comunicação do FOMC foi bastante truncada, dificultando sobremaneira a formação da estrutura a termo. Ainda há percalços, mas, em nossa visão, a qualidade das mensagens oficiais melhorou muito na 2ª metade de 2022 – todos os movimentos do FOMC foram bastante telegrafados, e não deveriam ter surpreendido os agentes. O mercado, no entanto, continua com enorme dificuldade de incorporar a sinalização aos preços de mercado. A taxa terminal embutida na estrutura a termo parece ser, agora, mais razoável, mas o orçamento de cortes implícitos segue precipitada (tempo) e exagerado (magnitude). Quanto menos juros são transmitidos à curva de juros, maior tende a ser a taxa terminal; e, por mais tempo, os juros serão mantidos em terreno restritivo.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Esta é uma versão levemente modificada do texto originalmente publicado como Destaque BRCG. Disponível em https://brcg.com.br/destaque-brcg/

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.