Macroeconomia

Evidências da subnotificação de desligamentos do Caged

19 out 2020

A pandemia teve um grande impacto sobre o mercado de trabalho, mas também introduziu grandes dúvidas sobre a análise relacionada a este, principalmente no período de recuperação. Em relação ao Caged, por exemplo, para o qual empresas registram admissões e desligamentos de empregos com carteira assinada, o Gráfico abaixo mostra que, após acumular uma redução de quase 1,5 milhão de vagas com carteira assinada entre março e junho, o Caged registrou saldo positivo de mais de 150 mil em julho e agosto.

Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério do Trabalho

Tal saldo é inesperado, principalmente pelo de fato de que seu nível foi o maior desde dezembro de 2011. Mostra-se também enigmática a relação desses dados com outros. Por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) e a PNAD Covid-19 registraram até julho queda do número de empregos formais com carteira assinada (em agosto essa última mostrou pequena recuperação). Ainda que tais pesquisas jamais tenham mostrado total equivalência, a distância entre elas aumentou expressivamente durante a pandemia.

Decompondo o saldo por admissões e desligamentos, temos que o primeiro grupo, após uma intensa queda a partir de março, que se aprofundou em abril, começou a crescer quase linearmente a partir de maio, seguindo uma mesma tendência e estando, em agosto, em um nível próximo da média de 2019. Já os desligamentos, por sua vez, após sensível alta entre março e abril, despencaram a partir de maio, chegando ao menor nível em agosto, com apenas parcial recuperação em agosto.

Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério do Trabalho

Há duas principais hipóteses para a grande queda de desligamentos no Caged: (1) Efetividade do Programa de Manutenção do Emprego e Renda (BEm), e; (2) Subnotificação por parte das empresas. Em parte, é possível esperar que a primeira hipótese tenha um papel – no entanto, isso não faria com que a série recente desse registro estivesse com o desalinhamento em relação às outras pesquisas em alta.

Haveria, portanto, evidências de subnotificação de desligamentos por parte das empresas? O número de pedidos de seguro de desemprego, que cresceu expressivamente mais quando acumulado nos últimos meses em relação aos desligamentos do Caged, sugere mais demissões do que reportado na segunda pesquisa, como evidenciado no Gráfico abaixo.

Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério do Trabalho

Além destes desalinhamentos do Caged com outras pesquisas, houve também grande queda do número de estabelecimentos reportando movimentações de empregados a partir de abril. O Gráfico abaixo mostra que, após estes terem somado cerca de 850 mil entre janeiro e março, a partir de abril esse número caiu para cerca de 550 mil, se recuperando apenas parcialmente nos últimos meses, chegando a quase 610 mil.

Fonte: Elaboração própria com os microdados do Caged

O Gráfico abaixo mostra a diferença percentual dos estabelecimentos que reportam movimentações em relação a fevereiro de 2020, separado por setor. Pode se ver, por exemplo, que estabelecimentos de alojamento e alimentação, que eram cerca de 9% do total entre janeiro e fevereiro de 2020, responderam por quase 15% do total de queda entre maio e junho.

Fonte: Elaboração própria com os microdados do Caged

Por que a queda do número de estabelecimentos seria um indício de subnotificação de desligamentos. Isso se dá pela hipótese de que, uma empresa que fechou ou “hibernou” tem grande chance de ter realizado demissões, sem reportá-los ao governo. Admitindo que tais empresas não realizaram admissões, isso implicaria que o saldo das empresas que não reportaram movimentações seria negativo.

Como empresas que não reportaram ao Caged são não observáveis, a média mensal do saldo entre junho e agosto dos municípios pode ser uma boa proxy para tal comportamento. O Gráfico abaixo mostra o saldo mensal médio dos municípios entre junho e agosto, dividindo-os em dois grupos: aqueles nos quais foi registrada queda do número de estabelecimentos em relação aos dois primeiros meses do ano e aqueles nos quais não houve. Normalmente, espera-se que, em uma localidade, quando há aumento do número de estabelecimentos, há um maior saldo de empregos gerados, no entanto, o Gráfico mostra que ocorreu em 2020 o contrário, com o primeiro grupo tendo um saldo médio de 25 vagas, enquanto o segundo registrou apenas pouco mais de 5 no mesmo período.

Fonte: Elaboração própria com os microdados do Caged


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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