Evidências empíricas confirmam relevância de medidas subjetivas de bem-estar para o Brasil
Dinheiro traz felicidade? Buscando responder a esta pergunta, o professor Richard Easterlin publicou um artigo em 1974 no qual reuniu dados de 30 pesquisas realizadas em 19 países entre 1946 e 1970. Em seu resultado mais famoso, Easterlin mostrou que a relação positiva entre renda e satisfação com a vida observada para indivíduos de um mesmo país em dado instante do tempo não se confirmava para a média do conjunto de indivíduos ao longo do tempo. Desde então, diversos estudos foram realizados com o objetivo de investigar a associação entre renda e felicidade, alguns deles contradizendo os achados de Easterlin (para conhecer mais sobre esta literatura, clique aqui).
O rápido avanço, neste século, da agenda internacional de estatísticas e estudos relacionados ao bem-estar subjetivo conduzidos por pesquisadores da área sócio-econômica sugere uma duradoura tendência de valorização destes indicadores.
E o que podemos dizer sobre a relação entre renda e satisfação com a vida no Brasil ? A Sondagem do Bem-estar (SBE), realizada pela FGV IBRE com cerca de 2.500 indivíduos nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo durante o segundo semestre de 2016, oferece uma resposta. Entre outras questões, a pesquisa pediu para que cada indivíduo avaliasse seu nível de satisfação com a vida numa escala de 0 a 10. O gráfico abaixo apresenta a satisfação média dos indivíduos para os diferentes quartis de renda mensal per capita com a respectiva dispersão (± 1 desvio-padrão).[1]
Satisfação média e dispersão por faixas de renda per capita
A mensagem é clara: a satisfação média com a vida cresce da primeira para a segunda faixa de renda, mas fica relativamente estável nas faixas seguintes. A dispersão, por sua vez, se reduz progressivamente. Em suma, nos níveis mais baixos de renda há grande amplitude – indivíduos com níveis de satisfação tanto baixos quanto altos. Na medida em que a renda cresce, a satisfação converge para a média de 8,0 pontos.
No meio acadêmico, duas perguntas vêm recebendo maior atenção desde o trabalho pioneiro de Easterlin: i) A renda exerce impacto sobre a satisfação com a vida ?; e ii) Existe algum limiar a partir do qual a renda deixa de influenciar o nível de satisfação com a vida ? Para responder à primeira pergunta, estimamos o seguinte modelo:
A tabela abaixo reporta os resultados simplificados da regressão por Mínimos Quadrados Ordinários (OLS) aplicados aos dados da SBE. Em particular, nota-se que a renda exerce efeito positivo e estatísticamente significativo sobre a satisfação com a vida.[2]
Para responder à segunda pergunta, estimamos o modelo abaixo, baseado em Stevenson e Wolfers (AER, 2013).
Onde e são funções indicadoras que assumem valor igual a 1 se o indivíduo possui renda inferior a e maior que ou igual a , respectivamente. Traduzindo em palavras, a equação (2) mede o efeito da renda sobre a satisfação com a vida para indivíduos que possuem renda abaixo do limiar e igual ou acima do limiar [3]. No trabalho de referência, o limiar é definido a partir de resultados encontrados na literatura e dos quartis da renda. Os autores encontram que ambos os coeficientes são positivos e estatísticamente significativos para a maioria das bases de dados utilizadas, o que refutaria a ideia de existência de um limiar.
Os coeficientes obtidos a partir dos dados da SBE para os quartis da renda revelam um resultado interessante. Em especial, os coeficientes associados aos mais pobres são positivos e significativos ao passo que os coeficientes associados aos mais ricos são não-positivos e não apresentam significância estatística. Dito de outra maneira, as evidências obtidas para o Rio de Janeiro e São Paulo a partir dos dados da SBE não rejeitam a ideia de que exista um limite a partir do qual incrementos na renda não causariam elevação na satisfação com a vida dos indivíduos.[4]
Por fim, usamos uma forma quadrática para a equação (1), de modo a testar se podemos caracterizar os dados a partir de um formato côncavo, com a identificação de um ponto de máximo[5]. Os resultados mostram que a renda exerce forte impacto sobre a satisfação, mas este efeito é decrescente à medida que o nível de renda aumenta. As evidências indicam que a renda eleva a satisfação com a vida até o limiar de R$2.500 mensal per capita (a preços de 2016). A partir deste valor, incrementos marginais na renda não parecem produzir ganhos adicionais de satisfação para a média dos indivíduos analisados.[6]
Apesar de ser relevante como um dos fatores geradores de satisfação com a vida, sobretudo para a camada mais pobre da população, a renda absoluta, sozinha, não é capaz de explicar mais que 5% da satisfação com a vida. De acordo com resultados preliminares (ver aqui), a inclusão de variáveis subjetivas – como a sensação de propósito na vida, bem-estar da família, percepção relativa do nível de renda ou escolaridade, confiança nas instituições e percepção sobre a qualidade dos serviços públicos – contribui para explicar quase 50% da satisfação com a vida dos indivíduos.[7]
Esses resultados sugerem que, apesar de suas limitações, o uso de medidas subjetivas de bem-estar como referência para políticas públicas deva continuar aumentando nos próximos anos. Países como Canadá, Reino Unido e Chile estão na vanguarda ao incorporar medidas desta natureza em suas estatísticas oficiais (Graham, 2017). Entender os fatores que contribuem para uma vida melhor faz parte de uma nova agenda em economia para a qual a Sondagem de Bem-Estar procura contribuir.
Referências bibliográficas
EASTERLIN, Richard. “Does Economic Growth Improve the Human Lot? Some Empirical Evidence”, Nations and Households in Economic Growth, p. 89-125. New York: Academic Press, 1974.
GRAHAM, Carol. “Happiness and economics: insights for policy from the new ‘science’ of well-being”, Journal of Behavioral Economics for Policy, vol. 1, no.1, 69-72. 2017
STEVENSON, Betsey; Wolfers, Justin. “Subjective well-being and income: is there any evidence of satiation?” American Economic Review: Papers & Proceedings 2013, 103(3
[1] As faixas foram baseadas nos quartis da renda per capita.
[2] Foram utilizados controles para a idade, gênero, escolaridade e UF dos indivíduos e os resultados não se alteraram. Em todos os exercícios econométricos, os intervalos de confiança para os coeficientes foram gerados a partir da estatística t e de bootstrapping não-paramétrico com 5.000 repetições. Em ambos os métodos, o coeficiente para a renda mostrou-se estatisticamente diferente de zero a um nível de significância de 5%.
[3] Sendo mais rigoroso, trata-se do efeito da distância entre a renda do indivíduo e o limiar .
[4] Este resultado é similar, por exemplo, ao encontrado pelos autores para a base de dados da World Values Survey (onda 2005-2009).
[5] A inclusão do termo quadrático aumenta em 72% o ajuste do modelo, conforme medido pelo R²-ajustado. Além disso, teste de análise de variância mostraram que o modelo com o termo quadrático é superior ao modelo apenas com o termo em nível.
[6] Este resultado deve ser visto com extrema cautela, dado que pequenos desvios em relação ao valor central do coeficiente produzem variações não desprezíveis no limiar reportado.
[7] Resultados baseados na medida de ajuste R² ajustado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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