Evolução da renda, desigualdade e pobreza nos Estados do Nordeste (2012 -2024)

Apesar dos avanços no período 2012 a 2024 na evolução da renda, desigualdade e índices de pobreza em todos os Estados da região Nordeste, é possível verificar desempenhos bastante heterogêneos, fruto das políticas locais.
SUMÁRIO:
Entre 2012 e 2024, o rendimento domiciliar per capita médio na região Nordeste brasileiro cresceu 26,7%. Estados como os de Alagoas, Rio Grande do Norte e Piauí apresentaram um crescimento de renda significativo, superior a 40% ao longo deste período. Mesmo o Nordeste sendo a região a que apresentou o maior crescimento relativo, seu rendimento médio ainda é o menor entre as grandes regiões, equivalente a 65% da média nacional. Ceará e Maranhão são os estados de menor nível de rendimento per capita. Um aspecto bastante positivo é que o crescimento de renda também foi acompanhado por uma melhora em sua distribuição. O Índice de Gini, que é um indicador de desigualdade, apresentou redução importante e sinaliza uma redução da concentração de renda. Obviamente, crescimento de renda e melhora na distribuição se traduzem em redução de pobreza monetária. Ao longo dos 12 anos considerados, a proporção de pessoas em situação de pobreza declinou de 56,6% para 39,6%. Entre 2023 e 2024 se observou uma redução de quase 8 pontos percentuais. O mesmo movimento se reforça com uma redução da proporção de pessoas em extrema pobreza de 14,3% em 2012, para 6,6% em 2023. Estes resultados refletem avanços recentes que compreendem as expansões nas políticas sociais, principalmente dos programas de transferência de renda, e a recuperação do mercado de trabalho, seja formal ou informal. Os avanços também não foram homogêneos entre todos os estados nordestinos, refletindo diferentes capacidades para traduzir uma conjuntura favorável em resultados econômicos e sociais.
Indicadores relacionados à tríade renda-desigualdade-pobreza são bastante eficazes na avaliação das condições sociais e econômicas. Os aspectos mensurados por estas medidas estão profundamente interligados e, embora não sejam suficientes para um retrato completo das condições de vida, oferecem uma boa percepção do nível de bem-estar de uma população. Empregando dados de divulgação anual da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a PNAD Contínua, realizamos uma breve análise da evolução de indicadores de renda, desigualdade e pobreza para os estados da região Nordeste entre 2012 e 2024.
A análise com foco na região Nordeste é bastante justificável. A região Nordeste apresenta grandes desafios econômicos e sociais. De acordo com os dados avaliados, em 2012, mais de 14% da população residente nesta região foi classificada em situação de extrema pobreza monetária, quando os rendimentos auferidos pelos moradores em um domicílio não permitem alcançar um patamar definido como mínimo para a satisfação de necessidades básicas[i]. Para aquele momento, esse percentual traduz uma estimativa de quase 8 milhões de pessoas, e em um contexto em que os indicadores de pobreza já apresentavam uma tendência de redução iniciada em meados dos anos de 1990. Em 2024, a proporção de pessoas em situação de extrema pobreza no Nordeste foi estimada em 6,6%, correspondendo a 3,8 milhões de pessoas.
Ao longo do período entre 2012 e 2024, a redução nas taxas de pobreza não foi continua e monotônica. O Brasil enfrentou diferentes contextos que incluem a recessão entre 2015 e 2016 e a pandemia de Covid-19. A avaliação de mudanças entre estes dois anos (2012 e 2024) apresentem uma boa referência de tendências de longo prazo para os indicadores considerados. Mas também iremos destacar o movimento mais recente, após os impactos mais imediatos da pandemia, a partir de 2022.
Rendimento domiciliar per capita
Entre 2012 e 2024, o rendimento domiciliar per capita médio na região Nordeste brasileiro cresceu 26,7%. Esse avanço contribui para a redução de disparidades econômicas e sociais, embora a posição relativa da região Nordeste em relação às demais não tenha alterado, com a região ainda apresentando o menor nível de renda média no Brasil.
O gráfico da Figura 1apresenta os níveis e a evolução da renda familiar per capita de 2012 a 2024, destacando também o valor em 2022. A tabela contida na mesma figura mostra variações relativas entre os períodos considerados. Pode-se constatar que em 2012, os estados com mais baixa renda domiciliar per capita era o Maranhão (R$ 755) e Alagoas (R$ 877). Por outro lado, Sergipe e Pernambuco apresentavam os maiores valores médios, de R$ 1.219 e R$ 1.179, respectivamente. Grande parte desse avanço ocorreu após 2021, ano que houve uma forte contração. Entre 2022 e 2024 o rendimento médio nordestino saltou aproximadamente 20%, o que dá uma taxa média anual de aproximadamente 10%, contra 2,2% em todo período.
Alguns estados impulsionaram esse resultado: Alagoas teve o melhor desempenho da região nesse período, quando sua renda domiciliar per capita acumulou alta em torno de 48,5%, seguido do Rio Grande do Norte e Piauí, que também exibiram crescimentos expressivos de 46,6% e 44,7%. respectivamente. Em contraste, estados como Ceará (14,2%) e Sergipe (17,8%) tiveram os desempenhos mais modestos.
Figura 1. Rendimento Domiciliar per capita nos Estados do Nordeste em 2012, 2022 e 2024.
Fonte: Elaborados pelos Autores com base na PNAD Contínua/IBGE.
Valores de rendimentos em termos reais, corrigidos para preços médios de 2024 pelo IPCA.
Examinando o último biênio, pós-pandemia, o estado de Pernambuco apresentou o melhor desempenho da região, com um crescimento da medida de renda média de 32,2%; seguido por Alagoas, com um avanço de 31,7%. Mas uma vez, o Ceará apresentou o menor crescimento entre os estados da região, de apenas 6,9%.
Ao final de 2024, todos os estados da região ainda apresentavam valores distantes da média de renda nacional. No Nordeste, os maiores valores do rendimento per capita médio foram estimados para os estados do Rio Grande do Norte, R$ 1.575, e Pernambuco, R$ 1.412. Enquanto os menores valores foram calculados para os estados do Maranhão (R$ 1.078) e do Ceará (R$ 1.210).
Desigualdade de renda (Índice de Gini)
O Índice de Gini, que é um indicador de desigualdade, apresentou redução importante nos últimos anos, o que sinaliza um movimento diferente do que foi observado ao final da década passada e durante o ano de 2021.
Com valores no intervalo [0,1], que o valores mais próximos do limite inferir representam uma distribuição mais equilibrada e valores mais próximos do limite superior revelam uma maior concentração, o Índice de Gini calculado para a região Nordeste em 2024 foi de 0,502; o menor valor da série iniciada em 2012. Por sua vez, o maior valor foi de 0,56 em 2019. Em 2021, no conturbado cenário de pandemia, o Índice de Gini chegou a 0,556. A redução recente sinaliza um novo movimento de redução na concentração de renda.
O gráfico da Figura 2 mostra a evolução do Índice de Gini nos estados do Nordeste entre 2012 e 2024. Em 2012, os estados com maior concentração de renda eram Pernambuco (0,573), Sergipe (0,569) e Bahia (0,563). Naquele mesmo ano, os menores níveis de desigualdade foram observados no Piauí (0,495) e Maranhão (0,498). Em 2024, Pernambuco (0,532), Rio Grande do Norte (0,525) e Alagoas (0,518) apresentaram os maiores níveis de desigualdade; enquanto Bahia (0,481), Maranhão (0,487) e Ceará (0,489) apresentaram os menores níveis.
Figura 2. Índice de Gini nos Estados do Nordeste em 2012,2022 e 2024.
Fonte: Elaborados pelos Autores com base na PNAD Contínua/IBGE.
Embora a dinâmica da região Nordeste aponte a redução na desigualdade de renda, a análise das dinâmicas de cada estado revela importantes contrastes. Em uma perspectiva de longo prazo, entre 2012 e 2024, quase todos os estados apresentaram redução no Índice de Gini com destaque para a Bahia (-0,08) e o Ceará (-0,06). Contudo, os estados de Alagoas e Rio Grande do Norte apresentaram piora no índice de desigualdade, com ambos apresentando crescimentos de 0,02 na escala do indicador. Esse resultado chama a atenção por serem os estados com o melhor desempenho em termos de crescimento de renda, sinalizando que estes ganhos não foram acompanhados por uma melhora distributiva.
Considerando o movimento de redução mais recente, entre 2022 e 2024, Alagoas é o único estado que apresentou um aumento de desigualdade, de +0,02 na escala do índice, enquanto a Paraíba teve o melhor desempenho, com queda de 0,06.
Taxas de pobreza e extrema pobreza
O crescimento da renda e a melhora na distribuição possuem um reflexo direto em indicadores de pobreza monetária. A identificação dos indivíduos pobres foi realizada com base no rendimento domiciliar per capita e nas linhas de pobreza sugeridas pelo Banco Mundial, estimadas em R$ 696 por mês, para o indicador de pobreza, e R$ 218 por mês para o de extrema pobreza. Os indicadores de pobreza e extrema pobreza, por sua vez, caracterizam a proporção de pessoas classificadas como pobres, denominada taxa de pobreza.
Em 2012, a taxa de pobreza no Nordeste era de 56,6%. Todos os estados do Nordeste apresentavam taxas acima de 50%, com destaque para os elevados níveis no Maranhão (64,9%) e Alagoas (60,7%). Por sua vez, as menores taxas de pobreza foram registradas no Rio Grande do Norte (51,7%) e em Alagoas (53,3%). Em 2024, a taxa de pobreza na região Nordeste declinou para 39,6%. Apenas três estados apresentam taxas de pobreza acima de 40%: Maranhão (46,9%), Ceará (41,8%) e Alagoas (41,4%). As menores taxas foram estimadas para os estados do Rio Grande do Norte (33,7%) e da Bahia (36,2%).
Cabe destacar que entre 2022 e 2024, a redução nas taxas de pobreza se intensificou, haja vista que a taxa média de declínio anual nesse período é bem superior ao período de 2012 a 2024, com destaques para as reduções observadas na Bahia (14,5 p.p) e Paraíba (13,9 p.p). O Ceará apresentou a menor queda proporcional do período (8,5 p.p). Maiores detalhes sobre a taxa de pobreza nos estados da região Nordeste podem ser verificados no gráfico da Figura 3.
Figura 3. Taxa de Pobreza nos Estados do Nordeste em 2012, 2022 e 2024.
Fonte: Elaborados pelos Autores com base na PNAD Contínua/IBGE.
Linha de pobreza do Banco Mundial de US$ 5,5/dia (PPC 2017) = aprox. R$696/mês (2024).
No que diz respeito ao indicador de extrema pobreza, definido a partir de linha mais restrita, se observa uma tendência de redução semelhante, com maior intensidade a partir de 2022.
O gráfico da Figura 4 apresenta informações para o indicador de extrema pobreza. A tabela desta mesma figura apresenta as variações, em pontos percentuais, entre os anos considerados.
Figura 4. Taxa de Extrema Pobreza nos Estados do Nordeste em 2012, 2022 e 2024.
Fonte: Elaborados pelos Autores com base na PNAD Contínua/IBGE.
Linha de pobreza do Banco Mundial de US$ 2,15/dia (PPC 2017) = aprox. R$218/mês (2024).
Em 2012, todos os estados nordestinos apresentavam taxas de extrema pobreza acima de 11%, com exceção do Rio Grande do Norte (10,5%). O caso mais dramático era o do Maranhão, onde cerca de um quinto da população vivia nessa condição. De 2012 a 2024, a diminuição da extrema pobreza foi mais intensa nos estados do Piauí (-10,5 p.p) e Maranhão (-10 p.p). Já no período entre 2022 e 2024, os indicadores de extrema pobreza despencaram de forma generalizada na região, com destaque para as reduções calculadas para o Piauí (-7,7 p.p), Paraíba (-6,3 p.p.) e Pernambuco (-6,3 p.p.). A redução mais discreta foi verificada no Ceará (-3 p.p.).
Considerações Finais
Os dados analisados neste artigo revelam uma trajetória de melhora significativa nos indicadores da tríade renda-desigualdade-pobreza para a região Nordeste entre 2012 e 2024. Destaca-se o período 2022–2024, em que a queda das taxas de pobreza e extrema pobreza foi mais intensa. Esta inflexão recente não é casual e pode ser atribuída à confluência de fatores conjunturais, institucionais e estruturais que atuaram simultaneamente no alívio da vulnerabilidade econômica das famílias nordestinas.
Em suma, entre 2012 e 2024 o Nordeste do Brasil obteve avanços consideráveis na melhoria da renda média da população e na redução das taxas de pobreza e extrema pobreza. Esses ganhos foram particularmente acentuados no período mais recente de 2022 a 2024, em que a recuperação econômica e a ampliação de programas sociais elevaram a renda das famílias e retiraram milhões de pessoas da situação de miséria. Os resultados, entretanto, não foram uniformes: alguns estados despontaram com melhorias bem acima da média, enquanto outros avançaram de forma mais modesta.
Entre os principais fatores que explicam a intensificação da redução da pobreza a partir de 2022 está o redesenho e ampliação do programa Bolsa Família. A nova configuração, implementada com valores mais elevados por beneficiário, maior progressividade e inclusão de benefícios complementares (como o adicional por criança ou gestante), aumentou de forma significativa a transferência para os domicílios de baixa renda, especialmente no Nordeste, onde a cobertura do programa é historicamente mais ampla. Adicionalmente, a elevação real do salário-mínimo no período, acima da inflação, gerou impactos distributivos relevantes sobre a renda do trabalho e sobre benefícios previdenciários e assistenciais, também com impactos maiores nas faixas de menor rendimento.
Outro elemento importante foi a recuperação do mercado de trabalho, principalmente no segmento informal e de baixa qualificação. A retomada das atividades presenciais e dos setores intensivos em mão de obra, como serviços, comércio e agricultura familiar, possibilitou a reintegração de milhões de trabalhadores que haviam perdido suas ocupações durante a pandemia. Embora esses postos de trabalho estejam, em muitos casos, longe de garantir estabilidade, seu impacto imediato sobre a renda das famílias é inegável, sobretudo em contextos em que há arranjos com múltiplas fontes com o objetivo de sobrevivência (renda do trabalho combinada com transferências públicas).
O desempenho diferenciado entre os estados nordestinos na redução da pobreza e da extrema pobreza requer uma análise mais atenta. Estados como Piauí, Paraíba e Pernambuco lideraram a queda desses indicadores nos últimos dois anos, enquanto outros como Ceará e Rio Grande do Norte tiveram avanços menos intensos. Essa assimetria pode ser explicada, em parte, por três dimensões: (i) o grau de penetração e eficiência das políticas sociais; (ii) a base inicial de vulnerabilidade; e (iii) a estrutura produtiva e ocupacional local.
Em relação à primeira dimensão, estados que mantêm cadastros mais atualizados e, portanto, uma maior capacidade de focalização, redes locais de assistência social mais articuladas e maior capacidade administrativa de execução de programas tendem a obter melhor resultado de suas políticas sociais como complementares aos programas federais. Piauí, por exemplo, têm investido em políticas de apoio à inclusão produtiva, agricultura familiar e fortalecimento do SUAS, o que pode ter potencializado os efeitos do Bolsa Família e do BPC em seus territórios.
Quanto à base inicial de vulnerabilidade, há uma espécie de “efeito mecânico” observado nos estados com maior incidência de pobreza e extrema pobreza em 2022. Isso significa que, mesmo com intervenções homogêneas em termos absolutos, o impacto relativo tende a ser mais expressivo onde a carência era maior. O Maranhão é um caso emblemático: partindo de níveis muito elevados de miséria e baixa renda, teve espaço para registrar ganhos estatisticamente mais significativos, mesmo com mudanças modestas na estrutura econômica local.
Por fim, a estrutura econômica e ocupacional de cada estado também influencia sua capacidade de gerar renda e reduzir pobreza. Estados com mercados de trabalho menos dinâmicos, informalidade extrema, menor diversificação produtiva e baixa escolaridade média da população tendem a apresentar avanços mais lentos. No caso de Alagoas, por exemplo, a estagnação da renda per capita nos últimos anos e a limitação da base produtiva podem ter restringido o efeito das políticas redistributivas. Já o Ceará, apesar de sua reputação em políticas públicas inovadoras, especialmente na área de educação, mostrou fragilidade tanto no crescimento da renda quanto na redução das privações extremas, o que pode refletir uma combinação de falta de dinamismo econômico setorial com uma maior necessidade de melhor avaliação de eficiência e focalização de suas políticas públicas.
Em síntese, a queda da pobreza e da extrema pobreza no Nordeste entre 2022 e 2024 decorre da convergência entre políticas públicas robustas, recuperação do mercado de trabalho e maior cobertura de transferências sociais, sobretudo em estados onde a administração pública foi mais eficaz e a vulnerabilidade inicial era mais aguda. Ainda assim, os resultados desiguais entre os estados revelam que o combate à pobreza não depende apenas de recursos, mas também de capacidade institucional, contexto produtivo e mecanismos de articulação federativa na implementação de políticas públicas focadas nos mais necessitados.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[i] Nesta análise adotamos as linhas de pobreza calculadas pelo Banco Mundial. Atualmente, a linha de extrema pobreza está fixada em US$ 2,15 por dia em termos de paridade de poder de compra (PPC), a preços internacionais de 2017. Por sua vez, a linha de pobreza está definida em US$ 5,50 por dia (PPC, 2017). Os valores equivalentes mensais e atualizados para preços médios de 2024 pelo IPCA são, para as linhas de extrema pobreza e pobreza respectivamente, dados por R$218 e R$696.
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