Trabalho

Expansão do Bolsa Família desencoraja participação no mercado de trabalho de vulneráveis

26 ago 2024

Expansão do Bolsa-Família teve efeitos negativos predominantes sobre a participação na força de trabalho, especialmente nos segmentos mais vulneráveis, desincentivando aqueles mais propensos a receber benefícios sociais.

Introdução

As tendências de oferta de trabalho são cada vez mais importantes no contexto pós pandemia. Definida como o total de horas que as pessoas estão dispostas e aptas a trabalhar, essa variável é moldada por uma variedade de fatores, que vão desde mudanças demográficas até condições econômicas e intervenções governamentais. Ela é comumente medida pela taxa de participação na força de trabalho — que indica a proporção de pessoas em idade ativa que estão trabalhando ou procurando emprego —, o que funciona como um termômetro do seu potencial produtivo.

Um dos maiores determinantes da oferta de trabalho são os programas sociais. Esses programas fornecem o apoio necessário para que as pessoas superem alguns obstáculos, como a falta de qualificação ou recursos para buscar emprego, mas também podem desincentivar a busca ativa por trabalho, especialmente quando os benefícios da assistência superam os do emprego remunerado.

Esse debate ganhou novos contornos no Brasil com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, após o término do Auxílio Emergencial criado durante a pandemia de COVID-19. Com um aumento significativo das transferências às famílias, passando de um valor médio de R$ 200 para um benefício básico de R$ 400 e depois para R$ 600, o desafio agora é moldar essas transferências de forma a não só aliviar a pobreza, mas também promover a inserção no mercado de trabalho.

Metodologia

Dados na PNADC podem ser usados para analisar os determinantes da participação na força de trabalho em nível local. Essa abordagem envolve dados agregados em diferentes regiões ao longo do tempo. A metodologia proposta visa examinar o impacto da expansão das transferências de renda sobre a participação na força de trabalho em diversas áreas geográficas do Brasil.

Adicionalmente, a análise enfocará os grupos que potencialmente experimentaram as maiores quedas na taxa de participação na força de trabalho associadas ao Bolsa Família, como mulheres e jovens, além da população de baixa qualificação. Esse enfoque permitirá uma compreensão mais aprofundada dos efeitos diferenciados das transferências de renda sobre segmentos específicos da população.

Até recentemente, a PNAD Contínua Trimestral permitia a subdivisão dos dados em 75 áreas geográficas distintas, englobando Capitais, Regiões Metropolitanas associadas a estas e o restante de cada Unidade da Federação. Essa configuração facilitava a análise dos efeitos locais de políticas como o Bolsa Família sobre indicadores econômicos específicos. No entanto, o IBGE anunciou uma atualização significativa na segmentação geográfica dos dados, expandindo para 146 estratos geográficos. Essa mudança quase dobra o número de observações disponíveis, proporcionando um aumento considerável no poder estatístico das análises. Com essa nova divisão, a pesquisa agora tem a capacidade de oferecer insights mais detalhados e precisos, e os efeitos dessas políticas serão analisados até o segundo trimestre de 2024.

O Programa Bolsa Família, até 2021, consistia em múltiplos componentes voltados para aliviar a extrema pobreza e melhorar o capital humano por meio de incentivos financeiros condicionais a comportamentos específicos. Os benefícios eram estruturados da seguinte forma: famílias com renda per capita abaixo da linha de extrema pobreza (R$ 89) recebiam um pequeno benefício básico de R$ 89. Para famílias abaixo da linha de pobreza (R$ 178 per capita), um adicional de R$ 41 era fornecido para cada criança de 0 a 15 anos (até cinco crianças) e um adicional de R$ 48 para cada adolescente de 16 a 17 anos (até dois adolescentes). Além disso, um benefício complementar garantia que todas as famílias tivessem uma renda per capita mínima de pelo menos R$ 89. Esses componentes resultavam em benefícios variando de R$ 89 a aproximadamente R$ 1000, com o benefício médio sendo em torno de R$ 190 por família.

Para avaliar os efeitos locais do Programa Bolsa Família sobre a criminalidade juvenil, aproveitamos a mudança na fórmula em uma abordagem de variável instrumental shift-share. A ideia central é construir um instrumento baseado nos componentes demográficos pré-choque que anteriormente determinavam os benefícios variáveis dos benefícios. Utilizando dados da PNAD Contínua de 2019, calculamos os benefícios variáveis previstos para cada domicílio. Este cálculo é baseado no número de crianças (de 0 a 15 anos) e adolescentes (de 16 a 17 anos) dentro dos domicílios abaixo da mediana da renda per capita.

O instrumento é construído usando a seguinte equação:

onde Nhh [0-15] é o número de crianças de 0 a 15 anos em domicílios abaixo da mediana per capita do Estrato, e Nhh [16-17] é o número de adolescentes de 16 a 17 anos nos mesmos domicílios. Os coeficientes 41 e 48 representam os montantes de benefício variável fornecidos para cada criança e adolescente, respectivamente, enquanto 89 representa o nível de renda per capita utilizado para determinar a extrema pobreza. Ao inverter esse benefício médio previsto, criamos um instrumento que captura a variação exógena nas transferências monetárias induzidas pela mudança na estrutura de benefícios. Ao focar em domicílios abaixo da mediana de renda per capita em cada Estrato, garante-se que o instrumento capture a variação demográfica relevante que influenciou a alocação original de benefícios.

A equação de regressão da primeira fase para prever o aumento do PBF baseado nas demografias pré-choque é especificada como:

Onde Instrumentostr é o inverso do benefício variável médio previsto,  e  são efeitos fixos de Estrato e trimestre, além de UF por trimestre, e Vstr, t é o termo de erro. Esta regressão da primeira fase ajuda a identificar a variação exógena nas transferências monetárias.

Ao usar esse instrumento, pretende-se descobrir o impacto causal dos benefícios expandidos e reestruturados do Bolsa Família sobre variáveis. As regressões finais serão em forma reduzida com visualização de event-study. Essa abordagem permite analisar as tendências e o timing dos efeitos do tratamento ao longo do tempo, mostrando seus impactos antes, durante e após sua implementação. A visualização de event-study é particularmente útil para detectar efeitos dinâmicos da política, possibilitando observar o momento em que começam a se manifestar e sua duração.

Embora tenham sido realizados estudos preliminares sobre os efeitos da expansão do Bolsa Família em aspectos como oferta de trabalho e distribuição de renda, esta é a primeira investigação a aplicar uma estratégia de identificação causal para explorar essas dimensões. A inovação deste estudo reside no uso de uma variável instrumental, que permite uma abordagem mais rigorosa na determinação de relações causais, distinguindo-se de análises anteriores que frequentemente se baseavam em correlações ou métodos menos robustos para inferir impactos.

Resultados

O primeiro gráfico mostra o efeito de um desvio padrão (SD) do instrumento sobre as transferências do Bolsa Família (PBF/Auxílio Brasil, AB), medido em logaritmo, ao longo de diversos trimestres desde o primeiro trimestre de 2019 até o segundo trimestre de 2024. Cada ponto no gráfico representa a estimativa do efeito médio para um trimestre específico, e as barras verticais indicam os intervalos de confiança de 90%.

Observa-se que, no início do período analisado, especificamente nos primeiros trimestres de 2019, o efeito do instrumento é praticamente nulo, com intervalos de confiança que cruzam o eixo zero. A partir de 2022, o efeito estimado torna-se positivo e mais consistente, com um efeito estatisticamente significativo do instrumento sobre o aumento logarítmico das transferências. Esse efeito mantém-se relativamente estável até o segundo trimestre de 2024, com os intervalos de confiança tornando-se ligeiramente mais estreitos e o efeito médio oscilando em torno de 0,15 a 0,25 pontos em log.

O gráfico abaixo apresenta o efeito de um desvio padrão (SD) do instrumento sobre a taxa de participação no mercado de trabalho, utilizando uma abordagem de forma reduzida. Notavelmente, todos os efeitos estimados ao longo dos trimestres são negativos, sugerindo uma associação consistente entre a expansão do Bolsa Família e uma redução na taxa de participação.

As estimativas observadas nos gráficos mostram que os efeitos são particularmente predominantes na região Norte e Nordeste do Brasil, além de evidenciarem uma influência mais marcante entre grupos demográficos específicos, incluindo jovens, mulheres e trabalhadores de baixa qualificação. Essa tendência sugere que as políticas e instrumentos avaliados impactam de maneira desproporcional essas categorias, que podem ser mais sensíveis às mudanças nas condições econômicas e nos incentivos oferecidos por programas sociais.


 

Ao analisar o efeito sobre a população ocupada (PO), observa-se um impacto médio relativamente pequeno ao longo do período estudado. Contudo, quando o foco se direciona especificamente para a população ocupada de baixa qualificação, o efeito revela-se mais substancial. Isso sugere que os ocupados de baixa qualificação são mais sensíveis às variações das transferências do Bolsa Família.


Desse modo, os resultados mostram que a expansão do Bolsa Família tem tido impactos significativos e contínuos no mercado de trabalho, com efeitos especialmente marcantes entre os segmentos mais vulneráveis da população. Estes grupos, que incluem jovens, mulheres e trabalhadores de baixa qualificação, mostram-se mais suscetíveis às dinâmicas influenciadas pelo programa social, sugerindo que o Bolsa Família não apenas alivia a pobreza, mas também reduz a oferta de trabalho desses grupos. A análise dos dados indica que, enquanto a população ocupada em geral apresenta uma reação moderada às mudanças induzidas pelo programa, os trabalhadores de menor qualificação, que têm maior probabilidade de serem beneficiários, experimentam quedas mais pronunciadas em sua participação no mercado.


Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro FGV IBRE de agosto de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autors, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Janici de Souza
Sou da área se RH e atuo na industria e venho percebendo e comentando com alguns colegas. Hoje nosso maior concorrente na área de R&S é o assistencialismo. As pessoas estão deixando de se manter no mercado de trabalho para ficar nos programas sociais.
Davi Junger
Olá, sou Davi Junger, estudante de economia - UERJ. Surgiu-me a dúvida sobre o tema mediante as demais explicações em sala de aula, especialmente em Macroeconomia I, entre a relação do bolsa família e a força de trabalho. Contudo, relacionei aos dados atuais da taxa de desemprego no Brasil(2024) e obtive êxito sobre meu raciocínio através de toda pesquisa. estou muito satisfeito com os resultados da pesquisa.

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