Mercados e Inflação
Economia Global

Fed acredita em pouso suave. A coluna não mais

13 abr 2022

Há hoje 4 cenários para economia dos EUA, baseados na inflação e na resposta da política monetária. Os 4 cenários são: recessão/desaceleração em breve; pouso suave; desaceleração induzida pela política monetária (aposta da coluna); e recessão induzida pela política monetária.

No cenário de recessão/desaceleração em breve supõe-se que as atuais forças contracionistas já são suficientes para produzir forte desaceleração da economia ou até recessão. A contração do gasto fiscal este ano, com o fim de diversos benefícios associados ao enfrentamento da epidemia, em combinação com o aperto que já ocorreu nas condições financeiras, desde que ficou claro que o ciclo de elevação de juros seria bem antecipado – de fato iniciou-se em março último –, seria suficiente para reduzir muito o crescimento em até dois trimestres à frente.

O cenário de pouso suave é dado pela mediana da pesquisa entre os participantes do Comitê de Política Monetária do banco central americano (chamado de Federal Open Market Committee ou FOMC). A cada três meses os participantes do FOMC apresentam seu cenário para as principais variáveis macroeconômicas: juros, inflação, crescimento econômico e desemprego.

O cenário dado pela mediana das previsões considera que a taxa básica de juros será de 1,9%, 2,8%, 2,8% e 2,4%, respectivamente em 2022, 2023, 2024 e no longo prazo. Para os mesmos períodos, a taxa de inflação dada pelo deflator implícito do consumo, índice de preço que o Fed emprega para estabelecer a meta inflacionária de 2%, será de, respectivamente, 4,3%, 2,7%, 2,3% e 2,0%. A maior taxa real de juros, de 0,5%, será observada em 2024 quando, para uma inflação de 2,3%, o Fed praticará Fed Funds (FF, taxa básica de juros) de 2,8%. Dado que os melhores cálculos sugerem que a taxa de juros neutra americana, isto é, aquela que não contrai nem expande a demanda agregada, é de 0,5%, até onde a vista alcança não haverá contração monetária.

Adicionalmente o FOMC espera que a taxa de crescimento da economia seja de 2,8% em 2022, 2,2% em 2023 , 2,0% em 2024 e 1,8% no longo prazo. As melhores estimativas indicam que a taxa de crescimento do produto potencial – dada pelo crescimento demográfico da população trabalhadora somado à taxa de crescimento histórica da produtividade do trabalho nas últimas duas décadas – situa-se ao redor de 1,8%. Entende-se a denominação de pouso suave para o cenário básico do FED. O deflator implícito do consumo fechou fevereiro a 6,4% ante o mesmo mês de 2021. Os membros do FOMC consideram que a reversão da sequência incrível de choques que tem afetado a economia mundial nos últimos dois anos, aproximadamente, fará com que a inflação feche o ano em 4,3%. E, adicionalmente, sem que em nenhum momento a política monetária seja contracionista, a inflação continuará caindo até a meta. Entrementes a economia desacelera e, no longo prazo, crescerá seu potencial. Assim, uma elevação suave da taxa básica de juros é suficiente para estabilizar a economia com inflação na meta e crescimento dado pelo potencial.

Nesse cenário de pouso suave, o FOMC sobe a taxa de juros de 0,25 ponto percentual em 0,25 pp até os 2,8% de 2023. Não há aceleração para altas de 0,5 pp por reunião.

O terceiro cenário – desaceleração induzida pela política monetária – considera que já há sinais de que o processo inflacionário tem adquirido inércia. Consequentemente, quando os choques se reverterem, a correspondente reversão da inflação não será plena. Não haverá reversão para a meta de 2% ao ano. Será necessário que, por alguns trimestres, o Banco Central pratique juros acima do nível neutro para desacelerar o crescimento.

O principal sinal de inércia é que os núcleos de inflação estão muito pressionados. Para termos uma ideia, o núcleo por médias aparadas e o núcleo da mediana do índice de preço ao consumidor fecharam fevereiro respectivamente em 5,76% e 4,65% em 12 meses. Para a média móvel trimestral, os números são 6,49% e 6,35%. Ou seja, apesar dos núcleos serem construídos para limpar os efeitos diretos dos choques, eles têm subido muito.

Finalmente, apesar de os salários reais nos EUA ainda estarem em queda, em função de aumentos inferiores à inflação, os salários nominais têm subido rapidamente. Segundo o dado construído pelo Banco Central de Atlanta, já considerando o efeito sobre os salários de um mesmo trabalhador, em fevereiro o salário subiu 6,5% sobre o mesmo mês do ano passado. Em maio do ano passado, esse indicador rodava a 3,3%.

Outros dados sugerem que o mercado de trabalho está bem apertado. Por exemplo, em menos de um ano a população ocupada terá atingido o nível de fevereiro de 2020, logo antes de a epidemia atingir a economia americana. Todas as indicações sugerem que o mercado de trabalho estava a pleno emprego em fevereiro de 2020.

Também o número de vagas “à procura” de um trabalhador é de 1,7 para cada trabalhador à procura de uma vaga. Como afirmou o presidente do Banco Central americano, Jerome Powell, na coletiva logo após a divulgação do comunicado do FOMC com a decisão tomada em 16 de março, “o mercado de trabalho está apertado em nível insalubre”.

Assim, há risco real de que em alguns meses entremos de fato em uma espiral preços e salários e somente uma ação mais dura do Fed, BC dos EUA, possa parar o processo inflacionário. Se a inércia inflacionária que sobreviver após a reversão dos choques de preços for excessivamente elevada, uma desaceleração da economia não será suficiente para trazer a inflação para baixo. Será necessária uma recessão produzida pela política monetária, que é o quarto cenário mencionado.

No cenário de desaceleração induzida, a taxa básica de juros, FF, sobe nas próximas quatro reuniões 0,5pp e, nas quatro seguintes, 0,25pp, terminando o ciclo com FF entre 3,75% e 4,0%. Mas pode ser necessário subir mais a depender da inércia do processo eleitoral.

Dadas todas as informações na coluna resta a questão: o que faz alguém apostar em um cenário de pouso suave? (O primeiro cenário de recessão já parece para a coluna totalmente fora do horizonte.) A ideia que sustenta o cenário de pouso suave é que nunca tivemos uma situação como a atual após construirmos os protocolos do regime de metas de inflação.

A inflação subiu muito, mesmo os núcleos, em função de choques de preços. Temos tido inúmeros deles – o último foi o choque produzido pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Há a possibilidade que os preços mecanicamente caiam quando os choques forem revertidos. Ou seja, os núcleos pressionados não seriam sinal de inércia, mas simplesmente fruto da intensidade e permanência dos choques de preços.

Essa posição também se baseia no fato de que, na última vez que vivenciamos choques dessa intensidade, na década de 1970, não tínhamos desenvolvidos os protocolos do regime de metas de inflação. Não sabíamos como lidar com o problema. Como hoje temos os protocolos, é possível que o processo de reancoragem das expectativas seja facilitado.

Da parte da coluna consideramos que o processo inflacionário já adquiriu vida própria. Apostamos no terceiro cenário, desaceleração induzida pela política monetária.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de abril de 2002.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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