Macroeconomia

A “fracassomania” de analistas macroeconômicos brasileiros pró-mercado

17 jun 2021

Teto dos gastos foi reforçado recentemente, com criação de incentivos para que unidades subnacionais também participem do ajuste fiscal. Seguir com teto firme até 2026 é maior desafio econômico atual, podendo render salto de qualidade na estrutura macroeconômica nacional.

Albert Hirschman cunhou o termo “fracassomania” para se referir à mania de intelectuais latino-americanos de não reconhecerem os avanços ocorridos em seus países. Neste momento, é difícil encontrar termo mais adequado que esse para se referir aos economistas brasileiros que são pró-negócios, uma vez que estes, com raras e honrosas exceções (sim, elas existem!), não parecem admitir os avanços econômicos que têm sido feitos recentemente, alguns avanços com resultados já concretos, inclusive.

O discurso negativo e de pouco ou de quase nenhum reconhecimento ao trabalho que vem sendo feito pela área econômica do governo é quase generalizado. Os economistas parecem não suportar nem mesmo a sorte (ou benção) do atual governo por este se encontrar diante de uma recuperação cíclica e de um suposto superciclo de commodities que parece se iniciar, ainda que esse possa ser relativamente curto, de dois anos, como alguns especialistas sugerem. Ora, por que o descontentamento com a benção alheia? 

O Partido dos Trabalhadores (PT) teve esse tipo de benção de 2003 a 2012, constituindo-se em evento fundamental para a obtenção dos superávits primários obtidos naquele período, apesar de todos os subsídios (gastos) tributários (+2,0% do PIB), gastos públicos (+ 4,3 % do PIB) e projetos ineficientes e ineficazes executados (especialmente na áreas de energia elétrica com a fatídica MP 579/2012 e a paralisação dos leilões de petróleo, com a implantação do regime de partilha e as medidas de conteúdo local), no período em que esteve à frente do governo federal.

Quando tal bênção desapareceu em 2013, tornaram-se explícitos os efeitos resultantes do conjunto das políticas macro e microeconômicas consubstanciadas na Nova Matriz Econômica (NME), implantada a partir de 2006. De fato, com o fim da benção, o governo federal rapidamente chegou a um buraco fiscal de quase 6% do PIB e a um déficit primário em 2014, com o qual até hoje convive. Além disso, amargou retração econômica de dois anos seguidos, em 2015 e 2016, na ordem de 7,2% do PIB, espraiada em todos os setores e de tal magnitude que só havia sido verificada no Brasil em 1930 e em 1931.

Em consequência disso, o time econômico que iniciou o governo Temer parecia devotar quase 90% do tempo para resolver os problemas gerados pela NME, contribuindo para um ambiente econômico no qual a poupança pública positiva pudesse ser recuperada e o setor privado pudesse aumentar sua participação na economia, no intuito de gerar um crescimento eficiente e sustentável. Nesse sentido, reestruturaram-se, por exemplo, os leilões na área de energia elétrica e de óleo e gás, assim como reformou-se o FIES  e foram implantados o Teto dos gastos públicos e a TLP, em substituição à TJLP.

É inequívoco que essa agenda pró-negócios do governo Temer continuou com força a partir de 2019. Houve reformas ainda mais emblemáticas que as ocorridas em 2016-2018,  como a previdência, saneamento, gás natural, lei de falências, independência do Banco Central e, sobretudo, o reforço no teto dos gastos públicos, fundamental para resolver o principal problema macroeconômico doméstico: crescimento real desenfreado dos gastos públicos.

Há, portanto, uma agenda pró-negócios em andamento que vem sendo implantada e solidificada desde 2016, cujos resultados não necessariamente ocorrem no curto prazo. Apesar disso, há economistas pró-negócios que não têm raciocinado na margem, preferem desacreditar a reforma feita (como estão fazendo agora com a MP de privatização Eletrobras), alegando estarem em busca de uma suposta reforma ideal. Isso dificulta a percepção geral dos completamente leigos no assunto, em relação aos avanços obtidos.

Esse comportamento definitivamente não ajuda no avanço das reformas, pois constrói narrativa que a reforma é boa ou ruim, em uma visão maniqueísta, em vez de afirmar que tal reforma poderia contribuir mais na margem do que está contribuindo. Essa visão dual dificulta a visão do avanço na margem, obstaculizando o avanço da agenda de reformas, que precisa de apoio dos formadores de opinião e de algum tempo para amadurecer e gerar frutos.

A notícia boa é que, na atual recuperação cíclica e simultânea ao superciclo de commodities, se realmente existente, ainda que curto, ajudará a consolidar tal agenda e gerará surpresas crescentes de receitas públicas, como sempre gerou nos ciclos anteriores. Contudo, neste novo cenário de crescimento de receitas, diferentemente do passado, existe um teto dos gastos públicos.

Por conseguinte, recomenda-se também atentar para o efeito do teto em um cenário de crescimento econômico, algo que ainda não ocorreu. De fato, desde 2016, existe um teto de gastos, mas ainda não houve receitas para que o Congresso Nacional pudesse exercer plenamente a função alocativa, como deverá ocorrer neste ano, quando disputarão um espaço fiscal (excetuando-se as obrigatórias) de uns R$ 25 bilhões a R$ 50 bilhões, em que poderão, por exemplo, expandir o Bolsa Família e elevar os investimentos públicos.

A propósito, o teto dos gastos públicos foi reforçado recentemente, com a criação de incentivos para que as unidades subnacionais também participem do ajuste fiscal, mas poucos economistas deram valor a isso; talvez, com o retorno do crescimento econômico, consiga-se entender o quão importante foi esse reforço. Logo, seguir com o teto firme até 2026 é o maior desafio macroeconômico atual, algo que poderá render um salto de qualidade na estrutura macroeconômica nacional.

A título de ilustração, em nossas estimativas relativamente conservadoras, se tivéssemos instituído o teto em dezembro de 2003, quando a dívida bruta era  70,4% do PIB, poderíamos chegar em dezembro de 2009 com 46,8% do PIB em vez dos 64,7% do PIB registrados oficialmente. Por sua vez, se tivéssemos instituído o teto em dezembro de 2010, quando a dívida bruta era 62,43% do PIB, poderíamos alcançar, em dezembro de 2014, uma dívida bruta de 40,1% do PIB em vez dos 61,6% do PIB registrados.

De igual forma, vale mencionar que, com o teto e o crescimento econômico, não é difícil gerar um cenário em que o Brasil atinja nos próximos anos uma relação dívida/PIB similar a dos países de renda parecida, com taxas de juros mais baixas e mais crescimento. Entretanto, não será fácil conter a avidez política para furar o teto, quando os superávits primários crescentes estiverem sendo gerados.

É justamente por isso que a atual obsessão de vários importantes analistas pró-mercado por reformas perfeitas não é bem-vinda, pois impede a sociedade, de maneira geral, a reconhecer os avanços, reconhecer que o Brasil está indo na direção correta e que é isso que nos levará a um patamar maior de crescimento, de maneira duradoura.

Ao continuar nesta direção, o Brasil possuirá um setor público menos deteriorado fiscalmente, com trilhões de investimentos privados, ao longo dos próximos anos, em várias áreas, a exemplo do saneamento, petróleo e gás natural, além de um setor financeiro privado com maior participação na atividade econômica e natural fomento da atividade empreendedora.

Enfim, estamos diante de mais uma oportunidade de darmos um salto; podemos aproveitar e continuar reformando e resolver o problema fiscal ou reclamarmos de estarmos melhorando na margem, podendo encontrar um retrocesso logo à frente, se o teto dos gastos públicos for removido.

 Logo, é importante ressaltar os avanços trazidos pelas reformas e pelo freio na despesa (em nível federal e no subnacional, com a LC 173/2020 e os incentivos trazidos pelo reforço no teto), a fim de facilitar a manutenção do teto, o avanço das reformas e o florescimento da prosperidade. É preciso raciocinar na margem e afastar rancor e ódio, que costumam criar muros e impedir a visão.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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