“Higher for longer”
A grande questão que se coloca, nesse contexto, tanto nos EUA como no Brasil, é se é só uma questão de tempo, ou se será de fato possível trazer a inflação para a meta sem mudar a postura que vem sendo adotada na área fiscal.
Esta expressão tem sido amplamente utilizada para caracterizar o quadro atual da política monetária americana, mas a mesma expressão poderia ser usada para descrever a situação no Brasil. Em ambos os casos, o que se viu nas últimas semanas foi uma redução no relativo otimismo sobre quão rápido e quão longe a autoridade monetária poderá avançar no corte das taxas de juros este ano. Nos dois casos, também, pela pressão advinda de uma política fiscal expansionista, que tem mantido a atividade crescendo em ritmo acelerado, e o mercado de trabalho aquecido, anulando boa parte do efeito que se busca atingir com a política monetária.
Nos EUA, o Banco Central (Fed) sinaliza que manterá as taxas elevadas durante mais tempo, até que esteja confiante de que a inflação caminha em direção à meta de 2%. De fato, a chamada “última milha” do processo de desinflação, que é levar a inflação do atual patamar de 3,4% (3,6% para o núcleo) para a meta tem sido bem mais desafiadora do que a autoridade monetária americana esperava. Um dos principais motivos para isso é que, a despeito dos sinais de moderação, o mercado de trabalho e a atividade econômica continuam mostrando bom desempenho. Com isso, a inflação de serviços se mantém pressionada, tornando o processo de desinflação mais demorado e incerto. Os pontos destacados pelos membros do Fed mostram que há um viés mais conservador; ou seja, há maior receio de errar com a redução prematura da taxa de juros do que com eventual atraso.
No Brasil, apesar da divisão entre os membros do Copom na decisão sobre o corte da taxa de juros na reunião de 8 e 9 de maio, a ata divulgada na semana seguinte mostrou que todos avaliaram que a política monetária deve se manter em terreno mais contracionista do que antes se antevia e sem indicações sobre os próximos movimentos, “diante do cenário global incerto e do cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas”. E que a taxa de juros terminal deverá consolidar o processo de desinflação e da ancoragem das expectativas em torno das metas.
De fato, desde a reunião anterior houve uma piora do cenário externo e doméstico, que corrobora a necessidade de se manter a taxa de juros mais elevada e por um tempo mais prolongado. Em primeiro lugar, os dados de atividade vieram mais fortes no primeiro trimestre do ano, enquanto os dados referentes ao mercado de trabalho confirmaram o crescimento forte do emprego e da renda. De fato, revisamos a previsão de crescimento do PIB de 0,6% (TsT) para 0,7%. O que chamou mais a atenção foi a revisão na previsão de alta do consumo das famílias do primeiro trimestre, de 0,9% (TsT) para 1,5%. Se esse valor se confirmar, o consumo terá crescido em torno de 1% por trimestre desde o segundo semestre de 2021, ritmo superior ao crescimento do PIB, que foi de 0,7%.
O forte crescimento do consumo das famílias é explicado, em grande medida, pelo aumento real da renda disponível bruta. De acordo com dados divulgados pelo Banco Central, desde outubro do ano passado houve aceleração no crescimento da renda disponível, que vinha crescendo em ritmo moderado. Sem dúvida, o pagamento dos precatórios contribuiu para esse resultado, principalmente no início do ano. A esse fator somam-se o aumento real do salário-mínimo, bem como de benefícios sociais e aposentadorias vinculados ao salário-mínimo, além de antecipações dos pagamentos do 13º para beneficiários do INSS e o pagamento dos precatórios regulares referentes a 2024. Tudo isso contribui para um padrão de crescimento mais expressivo do consumo das famílias no primeiro semestre do ano e, espera-se, uma desaceleração no segundo semestre.
Por outro lado, mesmo com o crescimento esperado muito positivo para o investimento no período, de 3,7% (TsT), há muitas dúvidas em relação à sustentabilidade dessa recuperação. É importante mencionar que esse resultado foi influenciado pela forte recuperação da produção de caminhões em relação ao mesmo período do ano anterior, quando houve uma queda expressiva na produção desses veículos, como destacado em edições anteriores do Boletim.[1] A manutenção da taxa real de juros em patamares elevados deve inibir aceleração mais expressiva do investimento este ano. Por enquanto, esperamos crescimento de 3,5%, após a queda de 3% em 2023.
Nesse contexto em que a atividade surpreende para cima, com forte crescimento da demanda, é necessária ainda mais cautela na condução da política monetária. Ainda mais quando as expectativas de inflação para horizontes mais longos estão não apenas acima da meta, mas subindo.
Soma-se a isso a expectativa de que este ano a política fiscal venha a ser ainda mais expansionista do que se previa antes. Sem dúvida a catástrofe no Rio de Grande Sul demanda atuação do governo para mitigar, ainda que em parte, os efeitos devastadores sobre a região. Infelizmente, seria necessário ter as contas públicas mais equilibradas, com superávit fiscal em tempos de normalidade, para ter espaço fiscal para aumento de gastos em momentos excepcionais. Ainda não conseguimos dimensionar todos os efeitos da tragédia sobre a economia, mas, sem dúvida, a piora do quadro fiscal é quase certeza.[2]
De acordo com a ata do Copom, a redução do esforço fiscal e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o “potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade.” Além disso, o “Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.”
Em suma, a mensagem foi clara, e a taxa terminal será mais alta e deve ficar elevada por tempo mais longo. A grande questão que se coloca, nesse contexto, tanto nos EUA como no Brasil, é se é só uma questão de tempo, ou se será de fato possível trazer a inflação para a meta sem mudar a postura que vem sendo adotada na área fiscal. E, claro, se pode ocorrer de, antes disso, se passar a trabalhar com metas de inflação mais altas, mesmo sem que isso seja formalizado. Uma incerteza para a qual contribuem as eleições presidenciais de novembro próximo nos EUA e a mudança na composição do Copom na virada do ano.
Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Maio de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Com as novas regras de emissões, o Proconve 8, a partir de janeiro de 2023, houve queda de 38% na produção de caminhões em relação a 2022, segundo dados da Anfavea.
[2] Estimativas ainda muito preliminares apontam um impacto de redução de 0,3 p.p. no PIB de 2024. Ver seção de Atividade Econômica.
Deixar Comentário