A ideia de um limite mínimo efetivo para a Selic
A ata do Copom de maio deixou claro o desejo dos dirigentes do Banco Central de estabelecer um piso (um “limite efetivo mínimo”) para a taxa Selic. Quais razões o BC alega em defesa dessa preocupação? Faz sentido preocupar-se com isso? Não seria mais adequado partir logo para zero de taxa Selic, de maneira a dar à economia o maior estímulo possível (abstraída a possibilidade de taxa negativa), diante da crise provocada pelo novo coronavírus?
A argumentação trazida pelo Copom parte do pressuposto de que reduzir demasiadamente a taxa básica de juro acarreta o risco de provocar “instabilidade nos mercados financeiros e nos preços dos ativos”. Muito provavelmente, a preocupação aqui é com o comportamento da taxa de câmbio. Juro baixo demais poderia produzir excessiva depreciação cambial, não sendo razoável descartar a possibilidade de isto nos fazer perder a ancoragem das expectativas de inflação.
Por certo, é possível contra-argumentar que nada disso tenderia a acontecer, cabendo ao BC simplesmente testar, levando logo o juro para zero. A nosso ver, esse seria um teste descabido. Bancos centrais não devem se envolver em apostas. Ao contrário, convém que caminhem da maneira mais segura possível. Decisões de autoridades monetárias são habitualmente tomadas meio no escuro, sendo conveniente, portanto, avançar com cautela. Na hipótese de se optar por algo audacioso, e o resultado for desastroso, a sociedade poderá ter de arcar com um custo elevado, envolvendo a perda da credibilidade das autoridades monetárias. E, como disse em 2008 o então Secretário do Tesouro americano, Hank Paulson, “confidence: when it goes, it goes”.
Dando continuidade à sua argumentação, o Copom assinala que o limite ao qual se refere é “significativamente maior em economias emergentes do que em países desenvolvidos”, tendo isso a ver com prêmio de risco. E acrescenta que esse prêmio tende a ser maior no Brasil, em razão dos nossos problemas fiscais.
Os membros do Copom se dizem partidários de um enfoque gradualista, segundo o qual procura-se prosseguir lentamente com o ciclo de baixa da Selic, numa tentativa de vislumbrar o que seria um limite mínimo efetivo. Embora consideremos corretíssima a abordagem adotada pelo BC, vista em seu conjunto, entendemos que, nesse contexto, por ocasião da reunião de maio, teria sido mais coerente reduzir o juro em 50 pontos, como esperava a maioria dos participantes de mercado, e não em 75.
De qualquer modo, parece-nos realmente prudente tentar definir um piso para o juro básico da economia. As condições predominantes na economia brasileira diferem sobremaneira das vigentes nos países mais desenvolvidos, não cabendo caminhar voluntariamente para zero, ou algo muito perto disto. Nesse raciocínio acredita a quase totalidade dos dirigentes do BC.
Eles sabem, porém, que concretizar o imaginado não depende apenas de vontade. As circunstâncias podem tornar inexequível o objetivo do Copom. Exatamente por isso, o Comitê deixou claro que “novas informações sobre os efeitos da pandemia, assim como uma diminuição das incertezas no âmbito fiscal, serão essenciais para definir os próximos passos”.
Para ilustrar, pensemos na possibilidade de o curso dos acontecimentos nos levar a um quadro de deflação. Não parece provável, apesar de a crise apresentar significativos efeitos desinflacionários. Mas, e se acontecer? Faria sentido manter-se impassível, com a Selic no tal piso? A resposta a essa pergunta é não.
Em suma, se as circunstâncias não obrigarem o BC a fazer diferente, o mais sensato parece realmente ser respeitar um “limite mínimo efetivo” para a taxa Selic.
Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de outubro de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Maio/20.
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