Macroeconomia

Implicações de um hiato entre -7% e -8%: inflação em 2018-2020

15 fev 2018

Dando continuidade ao post anterior, agora vou me dedicar à tarefa de tentar aquilatar o cenário inflacionário doméstico para os próximos anos. A ideia é comparar um cenário construído à luz de um fechamento do hiato já em 2019 (como implicado pelas estimativas que sugerem um excesso de ociosidade hoje entre -3% e -4%) com outro em que o fechamento ocorreria somente no início da próxima década (coerente com um hiato hoje entre -7% e -8%).

O gráfico a seguir compara a evolução passada e prospectiva dessas duas medidas alternativas de hiato. No caso do hiato HP, o filtro considerou as projeções de consenso mais recentes para o crescimento do PIB efetivo. No caso do hiato estimado por mim, o crescimento do PIB efetivo é o mesmo do caso anterior, mudando apenas a estimativa do hiato no momento atual e a trajetória do crescimento potencial (implícita no HP e explícita em minha estimativa).

A figura abaixo também apresenta uma medida observável de ociosidade da economia, que nada mais é do que uma combinação linear do NUCI-FGV e da razão PO/PEA, multiplicada pela razão entre o número médio de horas médias trabalhadas e 44 (jornada máxima legal), ambos da PNAD Contínua. Os pesos atribuídos a cada um desses fatores de produção são os mesmos utilizados na função de produção. Notem que minha estimativa do hiato é muito mais aderente a essa medida observável de ociosidade do que o hiato baseado no filtro HP, com destaque para os últimos trimestres: o hiato HP (e também o Areosa, vide a nota da IFI/Senado sobre o hiato) sugere forte estreitamento da ociosidade desde o final de 2016, ao passo que as outras duas medidas indicam pouca oscilação da ociosidade nesse ínterim.

Antes de olhar para frente, é importante avaliar o track record dessas medidas de hiato do ponto de vista da capacidade de explicar a dinâmica inflacionária. Para tanto, estimei curvas de Phillips para o IPCA Livres ex-alimentação no domicílio (cerca de 60% do IPCA total). A especificação de variáveis e defasagens é exatamente a mesma, mudando apenas a medida de hiato. Além do hiato, foram levados em conta: i) expectativas de inflação Focus; ii) variações da taxa de câmbio nominal; iii) variações do IC-Br agrícola do BC (já em R$); iv) o IPCA ADM combustíveis (para captar efeitos indiretos); v) a variação do salário-mínimo nacional; e vi) uma dummy com valor igual a 1 em ago/99, jul/06 e jan/12, que foram as datas de incorporação de novas POFs e zero nos demais meses. Dada a estrutura autoregressiva do modelo, esses “choques” resultantes da incorporação de novas POFs são assimilados completamente em cerca de 1 ano pelo modelo (por isso as dummies valem 1 somente na data em que a nova POF foi incorporada).

O gráfico a seguir compara a inflação observada com as estimadas oriundas dessas Curvas de Phillips com os hiatos alternativos. Vale assinalar que, para o período 2014-2017, são apresentadas projeções fora da amostra (ou seja, com o modelo estimado somente até 2013).

Eis a distribuição, por períodos, das estimativas/projeções de inflação dessas duas Curvas de Phillips:

Como já apontei em outros posts, minha medida de hiato (e a da IFI/Senado) é coerente com a evolução efetiva da inflação brasileira em 2014-2017, em claro contraste com o sugerido pelo hiato HP (e o Areosa, que não é muito diferente do HP). As figuras acima apontam, ademais, que o hiato HP também teve desempenho pior antes de 2014 (ou seja, nas estimativas dentro da amostra).

Finalmente, vamos às projeções.

Levei em conta as curvas prospectivas de hiato apontadas no primeiro gráfico, acima, e também algumas premissas adicionais, a saber: i) IPCA ADM e IPCA Alimentação no domicílio (cerca de 40% do IPCA, juntos) variando exatamente igual ao centro da meta (+4,5% em 2018, +4,25% em 2019 e +4,00%) em 2020); ii) admiti o mesmo para o IC-Br e para as expectativas Focus (ou seja, expectativas ancoradas); iii) para do R$/US$, assumi como premissa um câmbio real estável no nível médio do 4T17 (3,25), usando o diferencial entre a meta de inflação brasileira e a norte-americana para projetar sua evolução nominal em 2018-2020; iv) a variação do IPCA ADM combustíveis também segue o centro da meta; v) a variação do salário-mínimo segue a regra atual até 2019 (o que significará um ganho real de 1% em 2019) e é corrigido apenas pela inflação passada em 2020. Os resultados são apresentados abaixo:

 

Ou seja: se o hiato fechar mesmo em 2019, as projeções de inflação do consenso mais recentes (+3,8% em 2018, +4,25% em 2019 e +4,00% em 2020) parecem estar inconsistentes com essa perspectiva para a evolução da ociosidade.

Alternativamente, é possível afirmar que as projeções de consenso atuais para o IPCA são perfeitamente compatíveis com um hiato de cerca de -7% a -8% hoje e com um fechamento lento, somente em 2021/22. Neste caso, são as projeções de Selic do mercado que podem estar inconsistentes (a taxa de juros poderia ficar muito mais tempo parada onde está hoje, ao invés de começar a ser elevada já no começo de 2019).

Um último ponto: o IBGE está coletando no momento atual a POF 2017/18, que deverá ser divulgada em meados de 2019, sendo incorporada ao IPCA no final de 2019 ou em 2020. Levando em conta as os valores das dummies do modelo apresentado acima, que estimam a magnitude desse efeito, isso significaria uma redução do IPCA total de aproximadamente 0,4 p.p. em 2019 ou em 2020, reforçando as conclusões apontadas no parágrafo anterior.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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