Macroeconomia

Incerteza continuará muito elevada

1 jun 2020

A incerteza no Brasil atingiu níveis sem precedentes desde o início da corona crise. Segundo levantamento do FGV IBRE, o Brasil foi o país onde a incerteza apresentou maior crescimento na comparação com 20 países. Um feito importante tendo em vista que a incerteza já estava acima da zona de normalidade desde a crise de 2015.

As evidências mostram que a incerteza possui efeitos bastante negativos sobre o PIB e o investimento. Em um ambiente muito incerto, as famílias elevam a poupança precaucional e reduzem seus gastos com consumo. As empresas adiam seus investimentos porque não precisam expandir a capacidade. O cálculo empresarial se torna mais arriscado e o tempo de recuperação dos investimentos mais longo. Apenas projetos muito lucrativos continuam atrativos. A elevação da incerteza também distorce o preço dos ativos financeiros produzindo fuga para a liquidez e falta de financiamento para a economia.

Os indicadores financeiros melhoraram depois da última semana quando houve uma reunião presidencial com os governadores em tom cordial e após a divulgação de uma reunião ministerial. Na divulgação do vídeo, o entendimento é que não houve fatos novos que iniciem frentes adicionais de investigação acelerando ainda mais a fragmentação política já em curso no país. Os fatos da última semana, que não melhoram em nada a situação do governo, mas que amenizaram a percepção sobre a velocidade da sua deterioração, corroboram a avaliação de que parte importante da depreciação da taxa de câmbio e da elevação das taxas de juros mais longas se deram pela elevada incerteza e a crise política.

Essa constatação dá força para a continuidade da flexibilização monetária em curso pelo Banco Central. Havia muita dúvida sobre efeitos colaterais no mercado de câmbio e sobre a atratividade dos títulos públicos que pudesse contrapor os efeitos positivos da redução da taxa de juros. A política monetária, dessa forma, não parece estar limitada preponderantemente pela piora dos fundamentos, mas pela incerteza que possui um papel relevante.

Até que ponto será possível melhorar as condições macroeconômicas a partir da redução dos níveis de incerteza? Apesar do vídeo não apresentar novos fatos, ele também não torna a situação melhor, pois muitos ministros atacaram instituições importantes. A relação do governo com o STF, Congresso Nacional e os Governadores continua em deterioração. A situação política do país e a ineficácia em controlar a curva de contaminação, portanto, atuam para manter a incerteza elevada.

A área econômica esboça um plano de recuperação baseado em três pilares: ampliação do bolsa família revisando outros programas sociais como o abono salarial e a farmácia popular, nova lei de falências e a redução dos tributos sobre o trabalho. Ainda existe muito a fazer e é importante planejar as estratégias de saída.

A ampliação do bolsa família será importante para combater a elevação da pobreza, mas tirar benefícios sociais de quem ganha um salário mínimo não é uma redistribuição de renda significativa. Os estudos sobre a desigualdade mostram que a mudança estrutural não acontece de forma incremental e seria importante ousar mais buscando mais progressividade[1]. Acabar com um programa de saúde pública na saída de uma pandemia é uma proposta curiosa.

As empresas precisam de mecanismos de reestruturação das dívidas e a proposta de uma nova lei de falências pode ajudar. É importante ampliar seu escopo e definir procedimentos mais simplificados para determinados subgrupos. De todo o modo esses processos não são simples, em particular, nos países com o nosso histórico institucional frágil e o tema está posto desde 2016 sem avanço. Medidas que incentivam a capitalização das empresas pelos acionistas devem ser incorporadas nessa agenda.

As políticas de desoneração do fator trabalho possuem evidências muito controversas pois, nesse mercado, os tributos incidem majoritariamente sobre o trabalhador. Essa análise deve ser avaliada com a compensação tributária a ser feita e as alternativas apresentadas nunca foram bem recebidas pelo Congresso.

Em um cenário de desemprego muito elevado, as novas contratações tendem a ocorrer com redução de salários já cumprindo parcialmente o papel da desoneração. O maior problema parece estar associado preponderantemente à demanda por emprego e não ao seu custo. O efeito líquido é, portanto, muito incerto. Entendo ser melhor retomar alguns investimentos públicos, pois não cobrem a depreciação do estoque de capital desde 2015.

É necessário melhorar a resposta à crise e a demora em adotar medidas efetivas de crédito cobra um preço muito elevado. Controlar a curva de contaminação de forma mais célere, adotar estratégias efetivas na volta à normalidade e estabelecer uma ponte governamental entre esses dois momentos continua sendo o foco, pois mitigará a crise e reduzirá a incerteza dela decorrente. O planejamento para o pós-crise ainda precisa ser aperfeiçoado.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 25/5/2020, quarta-feira.

 

[1] Ver, Pedro H. Souza (2018). “Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil”. Editora Hucitec.

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