Macroeconomia

Incerteza diária: mapeando as flutuações da incerteza no Brasil

12 nov 2020

Com a eclosão da pandemia de covid-19, o nível de incerteza econômica chegou a níveis assustadoramente altos e inéditos no Brasil.  Desde então os cenários econômicos e sociais vêm se modificando continuamente, tornando ainda mais importante que de costume o monitoramento de indicadores econômicos tempestivos e de em alta frequência.

Foi nesse contexto que o FGV IBRE desenvolveu e passou a divulgar, a partir de agosto, indicadores de incerteza com frequência diária na plataforma Bloomberg. Os indicadores diários de incerteza da FGV[1] são divulgados em janelas de 28, 7 e 3 dias [2] (IID28, IID7 e IID3). Neste artigo analiso a evolução da incerteza em alta frequência no período posterior a abril, quando os indicadores iniciaram tendência de queda. Procuro responder a perguntas como: Que eventos provocaram a flutuação da incerteza? Quais são os drivers da incerteza no dia a dia?

Por lógica estatística, o Indicador diário com base na média de 3 dias antecipa o de 7 dias e este antecipa o de 28 dias. Neste artigo concentrarei a análise na comparação entre a evolução de indicadores diários com dados obtidos na janela de 7.

Os principais fatores a impactar os indicadores de incerteza em alta frequência nos últimos meses têm sido a evolução das notícias sobre a pandemia no Brasil, as perspectivas de retomada econômica após períodos com regras mais duras de isolamento social, as dúvidas quanto ao equacionamento das questões fiscais e os ruídos que vêm e vão no conturbado ambiente político. Em síntese, assim como em outros países, pandemia vem sendo o principal motivo para os níveis inéditos de incerteza observados no período posterior a fevereiro, ainda que choques de naturezas diversas continuaram abalando estes indicadores durante este período. Essa interessante dinâmica é relatada nos próximos parágrafos.

 O IID7 iniciou o movimento de alta em 2020 a partir de 26 de fevereiro, exatamente o dia em que o primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi divulgado. Chegou ao máximo de 181 pontos em 8 de abril, passando a cair a partir daí. A título de ilustração, o indicador diário de 28 dias começou a subir em 10 de março, e chegou ao nível máximo de 177 pontos menos de 50 dias depois, em 18 de abril. A antecedência do indicador de 7 dias em relação ao indicador de 28 dias, além de previsível, por construção, parece ser relativamente estável ao longo do tempo. Ainda por lógica estatística, em conjuntos de dados com distribuição próxima à normal, quanto menor o intervalo de dias considerado no cálculo, maior será a amplitude da série, ou seja, maior a distância entre mínimos e máximos observados.

Após cair pelo restante de abril, a incerteza de 7 dias voltou a subir a partir de 2 de maio devido à evolução de tensões entre o Presidente Bolsonaro e o então já ex (desde 24 de abril) Ministro da Justiça, Sergio Moro. Depoimentos de Moro com acusações de interferência na Polícia Federal por parte do Presidente da República levaram o indicador a oscilar por quase vinte dias em torno de 170 pontos.

Naquele momento, poderia se dizer que o Brasil era um dos poucos países, se não o único, que conseguia retirar das principais manchetes, ao menos por alguns dias, a pior crise sanitária dos últimos 100 anos. 

No dia 15 de maio, o segundo Ministro da Saúde durante a pandemia, Nelson Teich, deixava o cargo que havia assumido há menos de um mês. O cenário deteriorado da pandemia, com a curva de infectados e mortos pela Covid-19 em alta, pressões para o uso da cloroquina sem confirmação científica de sua eficácia, e a pressão para o retorno da atividade econômica, vista na época como algo precipitado, fez com que o indicador de 7 dias continuasse andando de lado, em torno dos 160 pontos, até a primeira dezena de junho.

Entre 12 e 20 de junho, a situação melhorou um pouco e a incerteza de 7 dias voltou a recuar mais aceleradamente, acumulando queda de 12,5 pontos, a maior no período da pandemia. Naquele momento, o Presidente dava sinais de arrefecimento no discurso e de aproximação com o chamado “centrão”, movimento que tendeu a apaziguar as sucessivas crises políticas no congresso. Foi neste período também que o Brasil, mesmo se tornando o segundo país com mais mortes causadas pelo coronavírus no mundo, iniciou as medidas de flexibilização da quarentena. Além disso, os primeiros resultados do impacto do isolamento social e da paralisação forçada da atividade econômica eram divulgados pelas Pesquisas Mensais do IBGE que, apesar de confirmarem uma queda expressiva dos indicadores, surpreenderam positivamente muitos especialistas.

Após esse período, e durante quase todo o mês de julho o indicador de incerteza de 7 dias caminhou lateralmente, se mantendo a uma média de 152 pontos. Nesse intervalo, chegou ao máximo relativo de 156,3 pontos devido, principalmente, ao medo de que uma segunda onda pudesse atingir o Brasil, por conta da concomitante pouca adesão da população ao distanciamento social voluntário e o número de casos em alta.

Ainda ao final de julho, em 5 dias a incerteza recuou 7,9 pontos, apenas entre 21 e 25 desse mês. No mesmo período, em que o Brasil chegava à marca dos 80 mil mortos, as primeiras notícias promissoras sobre o desenvolvimento de duas vacinas contra o novo coronavírus eram divulgadas. Apesar da cautela dos especialistas, os primeiros testes com resultados positivos foram um pequeno suspiro, captado pelo indicador de incerteza de 7 dias e em menor força pelo indicador de 28 dias.

Na maior parte de agosto, o indicador de 7 dias voltou a ficar praticamente constante, girando entre 145 e 149 pontos. A partir deste período, a incerteza relacionada às contas públicas passou a figurar como um fator relevante. Embates eram travados entre governo e ministério da economia, com pouca sinalização sobre como efetivamente seriam solucionados os problemas fiscais. No sentido oposto, os resultados da atividade econômica mostravam que o fundo do poço já havia passado e que a retomada da economia, mesmo que gradual, estava ocorrendo, impulsionada pelos estímulos fiscais. Neste mês, o componente de Expectativas exerceu maior influência no indicador final (IID7) refletindo a dificuldade de se prever os rumos da economia no horizonte de 12 meses, devido, principalmente, aos impactos ainda desconhecidos da retirada gradual dos estímulos fiscais na recuperação da economia. Em agosto, o Componente de Expectativa de 7 dias[3] girou em torno de 199 pontos, após ter chegado ao nível máximo de 247 pontos em maio. O indicador começou a descolar do Componente de Mídia e do indicador geral no final de março, momento em que o cenário pandêmico se deteriorava, em que não se sabia os reais impactos das paralisações e do isolamento social sobre a atividade econômica e os entes federativos discutiam medidas para mitigar os impactos do novo coronavírus no sistema de saúde, nas empresas e nas famílias. Desde então, o indicador vem recuando lentamente e em novembro permanece em 194 pontos.

Do final de agosto até o final de setembro, a queda da incerteza voltou a acelerar. O retorno mais sólido da atividade econômica e a continuidade do movimento de relaxamento de medidas de isolamento social impostas pela pandemia de covid-19, ajudaram a impulsionar uma queda de 12,6 pontos do indicador, que chegaria em 132 pontos no dia 27 de setembro. Durante esse período, entre agosto e setembro, as discussões no Congresso sobre como financiar o déficit seguiram influenciando a incerteza. Os impasses em meio ao teto de gastos e a criação de um programa substituto ao Bolsa Família seguiram dando repercussão e influenciando, principalmente a incerteza fiscal no Brasil. Ao final de setembro, o governo anunciou a proposta de usar recursos do Fundeb e precatórios para financiar o novo programa Renda Cidadã, provocando uma alta de 3,4 pontos no IID7 até dia 6 de outubro.

No caso, a partir deste evento de como financiar o novo programa, o indicador de incerteza de 7 dias apresentou alta volatilidade até os últimos dados disponíveis em 5 de novembro. No dia 12 de outubro, o IID7 chegou a 129,8 pontos, mas depois disso, passou a acumular altas suficientemente grandes para inverter a tendência de queda do indicador de 28 dias. Este recente choque nos indicadores tem relação, principalmente, com a segunda onda da pandemia na Europa e a necessidade de novas e sérias medidas para a contenção do vírus. Tais fatores colocam em xeque a continuidade da evolução favorável da doença no Brasil, elevando as incertezas quanto à possibilidade de elevação do número de novos casos e a continuidade da recuperação econômica. Em paralelo, novos escândalos de corrupção e incertezas no campo fiscal ajudaram a impulsionar o indicador de incerteza de 7 dias para mais de 140 pontos nos últimos dias, maiores níveis desde o início de setembro.

A colocação de uma lupa para observar o comportamento dos indicadores de incerteza em alta frequência revela que, além dos diversos impactos que a pandemia provoca nos indicadores, outros tipos de choques, de natureza econômica (fiscal) e política, também provocam ruídos nas suas trajetórias.

Considerando-se o contexto em que os indicadores mensais de incerteza adquiriram relevância no Brasil, o seu acompanhamento com maiores tempestividade e frequência vem cumprindo um papel importante, ao anteciparem tendências, colaborando assim para a construção de melhores cenários econômicos. Como vimos, os indicadores de incerteza diários permitem ainda que se entenda com clareza quais são os principais drivers da incerteza econômica no Brasil.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Os indicadores diários de incerteza são construídos como a agregação de dois indicadores: o Indicador de Incerteza por incidência de termos na mídia, com peso de 80%, e o Indicador de dispersão de expectativas econômicas, com peso de 20%.

[2] Em cada janela são analisadas notícias e projeções econômicas publicadas/realizadas durante aquele período específico.

[3] Estimado pelo peso do Componente de Expectativa no cálculo do indicador geral: IID7 = 80%*IID7Mídia + 20%*IID7Expectativas.

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