Macroeconomia

Incerteza dispara novamente com cenário de crises

5 out 2021

Mesmo sem retornar ao nível pré-pandemia de 115 pontos, o Indicador de Incerteza da FGV voltou a disparar em setembro, movido por incerteza política, incerteza econômica (inflação), cenário fiscal indefinido, pandemia, risco energético e a provável desaceleração da China.

Revertendo a tendência de queda dos meses anteriores, o Indicador de Incerteza do Brasil (IIE-BR) da FGV registrou setembro de 2021 a maior alta desde abril de 2020 e atingiu 133,9 pontos. Considerando a série histórica no período pré-pandemia, o nível do indicador estaria abaixo somente do pico de incerteza de setembro de 2015 (136,7 pontos), quando as agências de risco internacionais começaram a reduzir o rating brasileiro para níveis abaixo do chamado “grau de investimento”.


Fonte: FGV.  Elaboração: Autora

Ao longo de setembro, um combo de crises e eventos inesperados contribuíram para esta disparada do nível de incerteza no Brasil. A alta do IIE-Br foi influenciada por ambos os componentes de Mídia e de Expectativa[1] e motivada pelas crises política, hídrica, pela inflação ascendente, cenário fiscal indefinido e o espalhamento da nova variante Delta de covid-19 pelo país. Como a cereja do bolo, problemas enfrentados pela China, nosso maior parceiro comercial, trazem para a pauta uma provável desaceleração do crescimento deste país nos curto e médio prazos.

Em linha com os problemas mencionados no parágrafo anterior, os indicadores que buscam medir o nível de incerteza política e fiscal também voltaram a subir em setembro, com o primeiro chegando a 136,2 pontos e o segundo a 126,1 pontos. Para o Indicador de Incerteza Política, considerando o período pré-pandemia, este é o maior nível de incerteza desde julho de 2018, momento em que se deflagrou a greve dos caminhoneiros no país durante o governo Temer.

A literatura econômica teórica e empírica corrobora a ideia de que a incerteza afete negativamente as decisões de investimento e contratação das empresas, assim como o consumo de duráveis das famílias. Segundo Bernanke (1983), a manutenção de níveis de incerteza elevados por muito tempo leva empresas, consumidores e mercado a adotar uma postura de se “esperar para ver”.

Partindo de procedimento adotado por Bloom (2009), foi realizado um exercício de simulação de um choque (modelo "impulso resposta") a modelos VAR em variáveis de emprego, investimento e consumo. O resultado sugere que um choque de incerteza da magnitude de um (1) desvio-padrão, equivalente a 10 pontos no caso do IIE-BR, impacta negativamente o consumo de bens duráveis em até 3% e o investimento em até 1,2% no curto prazo. Em menor grau, mas não menos importante, o exercício também sugere queda do emprego de até 0,4% no horizonte de 5 meses após um choque de incerteza. Outros trabalhos chegaram a resultados semelhantes para outras variáveis, como o estudo de Ferreira et all (2019), que mostrou que um choque de um desvio no indicador de incerteza gera um recuo de até quase 1% na produção industrial no quinto mês após o choque.

O componente de Mídia (IIE-Br Mídia) do IIE-Br alcançou 132,6 pontos em setembro, maior nível desde agosto de 2020 e maior nível desde setembro de 2015, excluindo o período pós pandemia. A partir de uma nuvem de palavras[2] das notícias classificadas como reveladoras de incerteza econômica pode-se identificar os fatores que estão mais influenciando na recente alta da incerteza no país. No período pré-pandemia, em fevereiro de 2020, os principais temas causadores de incerteza estavam atrelados ao ‘governo’ e à ‘China’, que então vivia um clima de guerra comercial os Estados Unidos, além do aparecimento dos primeiros casos de covid-19 (então reconhecida pelo termo ‘coronavírus’). Entre abril de 2020, e pouco tempo atrás, a principal fonte de incerteza vinha da pandemia e de suas enormes consequências para a economia e sociedade. Em setembro de 2021, mesmo com a pandemia ainda presente, os principais choques de incerteza passaram a ter origem interna relacionados à política e à economia (principalmente a inflação). Felizmente, pelo menos até o momento, o avanço da vacinação tem conseguido conter uma terceira onda de Covid-19 no Brasil, mas a evolução da variante Delta ainda é motivo de incerteza sanitária.


Fonte: Veículos de Notícias.  Elaboração: FGV

O outro componente do IIE-Br, o componente de Expectativas, também voltou a subir em setembro, registrando 125,0 pontos, maior nível desde abril deste ano. Construído como uma medida de dispersão das previsões dos analistas econômicos para variáveis como taxa de câmbio, Selic e IPCA, a alta do mês foi motivada, principalmente, pela piora na dispersão da taxa Selic. Com a inflação persistente e sem vislumbrar uma convergência para a meta no horizonte à frente – além de eleições para 2022 e outras incertezas quanto à recuperação da atividade econômica – a elaboração de cenários futuros tornou-se desafiadora.


Fonte: Relatório Focus (Bacen).  Elaboração: Autora

Por estes motivos, o acompanhamento do nível de incerteza tornou-se imprescindível também à política monetária realizada pelos Bancos Centrais. Mas o aprofundamento dessa discussão, e como o indicador de incerteza pode ser um relevante instrumento para tomadas de decisões à nível de política monetária, pode ficar para um outro momento. 

Para hoje, fica claro que há uma imensa dificuldade em se reduzir os níveis de incerteza da economia brasileira. Desde 2015, a economia convive com fortes ruídos no cenário político e praticamente emendou uma recessão na outra, com crescimento um pouco superior a 1% entre elas. Esses ruídos políticos permanecem até hoje, com alguma volatilidade, e os problemas econômicos (inflação, crise hídrica, cenário fiscal, entre outros) tendem persistir nos próximos meses. Com esse cenário, o nível médio do IIE-Br se mantém extraordinariamente elevado e sem perspectivas de recuo para níveis moderados nos próximos meses.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Artigos citados:

Ferreira, Pedro Costa, et al. "Measuring Brazilian Economic Uncertainty." Journal of Business Cycle Research 15.1 (2019): 25-40.

Bernanke, B. S. (1983). Irreversibility, uncertainty, and cyclical investment. The Quarterly Journal of Economics, 98(1), 85–106.

[1] O IIE-Br Mídia busca medir o nível de incerteza através de citações de termos de incerteza nos veículos de notícias impressa e online. O IIE-BR Expectativa mede a dispersão da previsão dos especialistas de mercado para os indicadores macroeconômicos

[2]A nuvem de palavras é formada pelos setenta termos mais citados dentro das notícias classificadas como notícias de incerteza. Além disso, foi feito um compilado de stopwords que são termos "sem valor", que não acrescentam nada na análise de acordo com alguns dicionários de stopwords disponíveis. Exemplo: artigos, preposições, etc.

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