Incerteza elevada e a lenta recuperação da economia brasileira
Um fato que continua a desafiar os analistas é a lenta recuperação da economia brasileira desde o fim da recessão. Várias explicações já foram apresentadas, como o elevado grau de endividamento de famílias e empresas, choques externos (crise econômica da Argentina) e domésticos (greve dos caminhoneiros).
Embora essas explicações possam ter alguma relevância, minha avaliação é que a razão mais importante para a lenta retomada do crescimento é o fato de que o grau de incerteza continua muito elevado, como revela um indicador que o FGV IBRE tem divulgado nos últimos anos.
O Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) é um indicador mensal composto de duas medidas. O IIE-Br Mídia, com peso de 80%, é construído com base na frequência de notícias com menção à incerteza econômica publicadas em jornais de grande circulação, abrangendo veículos impressos e online. O segundo componente, com peso de 20%, é o IIE-Br Expectativa, elaborado a partir das dispersões das previsões de especialistas para a taxa de câmbio e para a inflação coletadas no Boletim Focus. O IIE-Br é normalizado de modo a ter média 100 no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2015. Um nível de incerteza acima de 110 pontos é considerado elevado.
A série histórica, que iniciou em 2000, teve picos em outubro de 2002 (132,1 pontos), na primeira eleição de Lula para a presidência da República, outubro de 2008 (132,4 pontos), em meio à crise internacional, e setembro de 2015 (136,8 pontos), quando o Brasil perdeu o grau de investimento.
Contudo, diferentemente das altas de 2002 e 2008, quando a incerteza retornou à média histórica pouco tempo depois, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado. Em particular, a média entre janeiro e agosto de 2019 (113,8) é muito similar à observada no mesmo período de 2017 (114,5), quando a economia brasileira estava saindo da recessão.
Uma desagregação do IIE-Br Mídia ajuda a entender por que a incerteza permanece elevada. A ideia é mensurar separadamente a incerteza de natureza fiscal e incertezas políticas, com base na frequência de notícias publicadas na mídia referentes a esses tipos de incerteza.
Tomando como base de comparação o segundo semestre de 2015, houve uma queda de 6,8% na incerteza média de 2019 (janeiro-agosto). No entanto, enquanto o indicador de incerteza fiscal teve uma redução de 14,4%, o índice de incerteza política caiu apenas 2,7%.
Essas evidências sugerem que, apesar de avanços no ajuste fiscal terem contribuído para a redução da incerteza econômica, como a criação do teto de gastos e a iminente aprovação da reforma da previdência, fatores de natureza política têm atuado no sentido de manter a incerteza em patamar elevado.
A incerteza política tem grande impacto potencial em decisões de política econômica. Não é à toa que o índice de incerteza política se elevou durante as eleições presidenciais do ano passado.
Embora Bolsonaro tenha escolhido uma equipe econômica liberal, persiste a incerteza de natureza política. Ela se deve, dentre outros motivos, à falta de capacidade de articulação política por parte do governo. Embora o Congresso tenha assumido o protagonismo na condução da agenda de reformas, é difícil obter um progresso consistente sem que o Executivo assuma um papel de liderança.
Essa liderança é particularmente importante no momento atual, já que o colapso econômico e fiscal do modelo de forte intervenção do Estado na economia evidenciou a necessidade de uma mudança na direção de uma economia de mercado competitiva.
O problema é que períodos de reformas profundas são inerentemente marcados por uma elevação da incerteza. Quando se muda o modelo, por mais necessário e importante que isso seja, as regras mudam, o que tende a gerar incerteza até que os empresários se adaptem às mudanças.
Um exemplo é a reforma tributária. Embora o sistema tributário atual seja disfuncional, a possibilidade de uma reforma profunda tende a fazer com que os empresários aguardem a aprovação das mudanças no Congresso.
Isso ilustra uma das consequências negativas da incerteza elevada. Nessas circunstâncias, decisões que tenham um elemento de irreversibilidade, como investimentos em máquinas e equipamentos, tendem a ser postergadas. Da mesma forma, contratações de trabalhadores formais tendem a ser adiadas, diante dos custos de demissão caso a demanda seja menor que a esperada.
Portanto, a persistência de um nível de incerteza elevada nos últimos anos pode ajudar a explicar por que o investimento não se recuperou depois de ter desabado durante a recessão, e por que o aumento do emprego tem sido predominantemente informal.
A esses fatores domésticos de incerteza tem se somado recentemente a incerteza global, que aumentou muito nos últimos anos, especialmente a partir do agravamento dos conflitos comerciais entre Estados Unidos e China.
Não há muito que possamos fazer em relação à incerteza global, mas se conseguirmos reduzir a incerteza política já será um avanço importante. Isso exigirá, contudo, um nível de articulação entre os diversos atores políticos que ainda parece distante.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 18/10/2019
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