Macroeconomia

Incerteza no Brasil é uma das mais resistentes na queda

14 mai 2021

O Indicador de Incerteza Econômica do FGV IBRE recuou nos últimos meses, mas ainda se encontra acima da sua média histórica e do nível de 18 de 19 países com indicadores comparáveis. O país ainda está distante de voltar a observar níveis confortáveis de incerteza.

Desde 2020 o mundo enfrenta uma de suas maiores crises sanitárias e econômicas, levando o nível de incerteza econômica global, medido pelo Economic Policy Uncertainty Project (EPU Project)[1],  a níveis recordes, como mostra o gráfico abaixo. Mas, a partir de dezembro de 2020, o início de campanhas de imunização em muitos países, e a possibilidade de um retorno gradual à normalidade, começaram a alterar este quadro.

Passados quatro meses desde dezembro, os países continuam avançando em suas campanhas de imunização ao mesmo tempo em que combatem novas ondas e variantes da doença com medidas de distanciamento social e congêneres. Neste cenário de “expectativas contidas”, indicadores de incerteza da maioria dos países têm recuado e alcançaram, em abril de 2021, os menores níveis desde 2019. 


Fonte: Economic Uncertainty Project. Elaboração: Autora

No Brasil, a redução da incerteza tem sido tímida, sob influência do andamento turbulento das campanhas de vacinação e dos números muito ruins da pandemia. Numa comparação com 19 países da base do EPU Project o nível de incerteza na economia brasileira – aqui analisada pelo componente de Mídia do IIE-BR- ainda seria  o segundo mais alto do mundo, ficando atrás apenas da China, país onde a incerteza tem se mantido elevada, em termos relativos, desde 2019[2][3]. Há exatamente um ano, o Brasil estava no primeiro lugar deste ranking, com uma incerteza recorde, relacionada ao desconhecimento sobre a doença e eu impacto sobre a vida econômica de empresas e famílias, além de um fraco desempenho econômico e das contínuas crises políticas e institucionais[4]. Em 2021, poucos desses fatores mudaram.


*Incerteza medida pelo componente de “mídia” do IIE-Br FGV, para possibilitar a comparação mundial
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora

É de se esperar que, à medida que mais pessoas sejam vacinadas e o Brasil controle a pandemia, a incerteza siga em queda. A maioria dos indicadores de incerteza internacionais vem recuando desde dezembro de 2020, mesmo que não seja de forma consecutiva ao longo dos meses. Em muitos casos, a redução foi bastante expressiva, e o principal fator a impulsionar esta queda parece ser o otimismo com as campanhas de vacinação contra a covid-19 e a possibilidade de retorno da economia à normalidade de crescimento. Brasil apresenta o segundo menor recuo acumulado desde dezembro, ficando atrás apenas da Holanda que, apesar disso, apresenta nível bem confortável de incerteza, aos 96,7 pontos, patamar que não é alcançado pelo indicador de incerteza Mídia do Brasil desde 2014.


*Incerteza medida pelo componente de “mídia” do IIE-Br FGV, para possibilitar a comparação mundial
Fonte: Economic Uncertainty Project e FGV (Brasil) Elaboração: Autora

Segundo os dados da Our World In Data, o bloco europeu, por exemplo, que tem hoje (13/05) entre 10 e 14% da população vacinada com a segunda dose (Reino Unido tem mais de 27%), avança nas flexibilizações e começa a fazer planos para que a “indústria do turismo seja revitalizada”, nas palavras do presidente da Comissão da União Europeia. Em sua maioria, estes países já apresentam níveis confortáveis de incerteza, geralmente inferiores a 106 pontos, com recuo superior a 15 pontos desde dezembro de 2020 e com perspectivas de crescimento econômico para 2021 e 2022 revisadas para cima, segundo as previsões recentes divulgadas pelo FMI. A OMS afirmou ver os primeiros sinais de redução da transmissão da covid em vários países, assim como uma redução da contaminação entre os mais velhos. Tal afirmação é uma boa notícia, corroborando a visão de já se ver uma luz no fim túnel. Isso possivelmente tem empurrado os níveis de incerteza desses países para baixo.

Entre os países aqui analisados que têm maior percentual de população vacinada, estão o Chile e os Estados Unidos. O Chile tem mais de 38% da população vacinada, mas ao mesmo tempo enfrenta dificuldades em conter novos casos. Ainda assim, teve uma redução de mais de 20 pontos do nível de incerteza desde dezembro e teve melhora nas previsões de crescimento para 2021, segundo o FMI. O Estados Unidos tem mais 35% da população vacinada com a segunda dose. O país caminha para uma política fiscal adicional trilionária e possui metas ambiciosas de vacinação. A melhora das perspectivas de crescimento também foi vista no relatório do FMI, que considera o pacote fiscal bastante relevante para a recuperação econômica, não só do país, como do mundo.

Para o Brasil, mais de 7% da população foi totalmente vacinada e houve uma tímida revisão para cima do PIB, segundo o FMI. Na América do Sul, o Brasil tem uma das menores perspectivas de crescimento para 2021 (3,65%), o que permitiria a recuperação de 90% das perdas de 2020, segundo a mesma fonte. O país tem o segundo maior número de mortos do mundo, altas taxas de infecção e, vacinação em ritmo lento, devido à escassez de vacinas Vale destacar que este é o mesmo país que possui muita experiência em vacinar a população de forma eficiente e rápida, através do SUS.

Por fim, vale mencionar os casos de Índia e China. Apesar de ter um dos menores níveis de incerteza nesta comparação, o nível de incerteza da Índia subiu 7,3 pontos, a segunda maior variação positiva entre os países, ficando atrás apenas da Grécia. Tal piora pode estar atrelada ao estado caótico da pandemia no país, o tornando o epicentro de mortes por COVID no mundo. A China, no extremo oposto, tem o maior nível de incerteza do mundo em abril de 2021 e um dos mais eficientes controles da Covid-19. O nível de incerteza do país, no entanto, tem se mantido elevado desde 2019, por motivos muitas vezes diplomáticos.

Conclusões

O avanço das campanhas de imunização permite o retorno gradual das atividades e, por consequência, parece impactar na redução das incertezas relacionadas a crise sanitária e suas consequências na economia.

No Brasil, com uma maior parte da população vacinada, é possível que o nível de incerteza volte a convergir para a média histórica a partir de 2015, de 115 pontos, um patamar ainda elevado de incerteza. É preciso lembrar dos enormes desafios econômicos e sociais que o país tem pela frente, como por exemplo, a recuperação do mercado de trabalho e do setor de Serviços, setor mais prejudicado pela crise sanitária.  Não suficiente, o país ainda conta com incertezas em torno do cenário fiscal e sucessivas crises políticas que têm estado presentes desde 2015 no Brasil. Parte desses fatores contribuíram para que a incerteza não tenha convergido para níveis neutros (100 pontos) no pré-pandemia, e continuarão a influenciar o indicador no pós-pandemia.


[1] Projeto criado pelos professores Nicholas Bloom (Stanford), Scott Baker (Northwestern) e Steven Davis (Chicago) para estudar a incerteza econômica.

[3] Para tornar possível a comparação, todos os EPUI foram padronizados para refletirem média 100 e desvio padrão 10 entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015, assim como ocorre no cálculo do IIE-Br. Ressalvo que existem diferentes metodologias para a construção dos indicadores de incerteza entre os países e diferenças também em termos de qualidade do dado. Apesar disso, no agregado é possível ter uma ideia razoável da evolução da incerteza no mundo.

[4] Em comparação com a análise feita neste artigo, publicado no Blog do Ibre em maio de 2020, a série histórica da China e Colômbia foram revisadas, segundo a base de dados do EPU Project.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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