Macroeconomia

Incertezas políticas e fiscais: coadjuvantes importantes da incerteza brasileira em 2020

17 nov 2020

Com a chegada da pandemia de covid-19 ao Brasil, os níveis de incerteza econômica subiram assombrosamente, alcançando recordes históricos no país e, ao menos temporariamente, o topo do ranking de incerteza mundial[1]. O rápido avanço do indicador já partira, em fevereiro, de níveis historicamente altos, que vigoraram desde 2015.

Dois fatores que influenciam o nível de incerteza econômica estão associados a questões fiscais e políticas. Neste artigo, analiso o comportamento dessas fontes de incerteza no cenário brasileiro, usando como referência os indicadores de Incerteza Política e Fiscal produzidos pela FGV. Procuro entender os motivos que direcionam os comportamentos destas variáveis, dando atenção especial ao aumento da importância da incerteza fiscal na formação da incerteza geral nos últimos meses.

A incerteza fiscal já havia superado a incerteza política no Brasil pela maior parte do tempo entre 2010 e 2015. Foi um período de relativa estabilidade no âmbito político, mas de muita contestação quanto à condução da política fiscal. Em setembro de 2015, quando o Brasil perdeu grau de investimento, segundo a Standard & Poor's, a incerteza fiscal disparou para 147 pontos e a incerteza política se manteve em 118 pontos. Essa distância de quase 30 pontos foi a maior de toda a série histórica, iniciada em 2000.

A partir de 2016, o Brasil, que estava em meio a umas de suas piores recessões até então, mergulhou em sucessivas crises políticas. O fator político então, passou a ser predominante, se sobrepondo ao fiscal, tendo sido responsável por diversos choques, como no momento do impeachment de Dilma, na crise do governo Temer ou nas turbulentas eleições de 2018. Durante este período, a maior diferença entre ambos os indicadores, de 25,5 pontos, ocorreu em junho de 2018.

Com a pandemia, a incerteza associada a fatores fiscais e políticos voltou a subir em magnitude proporcional à da incerteza geral. Foram tais fatores que, somados à crise na saúde e à fraca atividade econômica, levaram a incerteza brasileira ao topo do mundo na comparação com outros 20 países. A partir de maio, as incertezas começaram a ceder, com a incerteza política recuando bem mais rapidamente que a incerteza fiscal.  Apesar das desavenças no congresso a respeito das medidas a serem tomadas para combater a pandemia, entre outros problemas, o cenário fiscal atual está chamando mais atenção e preocupando mais como um fator de incerteza no momento.

Desde julho, a incerteza fiscal vem superando a incerteza política por quatro meses, fato que também ocorreu ao final de 2018. No entanto, a maior diferença entre os níveis destes indicadores em 2018 foi de 5,4 pontos, enquanto as diferenças em 2020 estão na casa dos dois dígitos, tendo alcançado 15,4 pontos em outubro. 

Uma análise com dados diários

Colocando uma lupa nesses indicadores, podemos acompanhar o comportamento dos fatores fiscais e políticos no nível de incerteza em frequência diária, por meio de indicadores experimentais criados pela equipe da FGV IBRE. Como mostra o gráfico abaixo, já em meados de junho a incerteza política diária veio recuando mais rapidamente do que a fiscal, até que, em 11 de julho, o nível de incerteza associado a fatores políticos se tornou menor do que a incerteza associado a fatores fiscais.

A aproximação do presidente da bancada central do congresso amenizou parte das instabilidades e provocou um recuo ainda mais acentuado da incerteza política nas semanas seguintes, a despeito de alguns escândalos que ocorriam em paralelo. Ao mesmo tempo, a dificuldade de se chegar a consensos no Executivo e no congresso a respeito de temas como a reforma tributária e, principalmente, o teto de gastos, o indicador parou de cair e caminhou de lado entre julho e setembro, ao mesmo tempo em que a incerteza política continuava recuando e evoluindo abaixo da primeira. Neste período, o indicador fiscal capturou os diversos conflitos entre a Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, que colocavam em xeque a continuidade da agenda econômica. Tais discussões, conflitos e pouca sinalização sobre quais seriam os próximos passos dessa agenda sustentaram o indicador em patamar superior a 140 pontos até meados de setembro.

No final de setembro, foi possível observar que a incerteza fiscal parou de cair e andou de lado novamente. Tal resistência foi provocada pelo ruído do anúncio de que o financiamento do programa Renda Cidadã, que vinha sendo estudado pelo governo para implantação em 2021, viria de recursos do Fundeb e de precatórios. Os esforços para solucionar o déficit e dificuldade em realinhar o discurso político e econômico sobre a transição de fases da economia após as medidas excepcionais de emprego e renda também vêm gerando ruídos no indicador, mantendo-o em 135 pontos no início de novembro, mais de 20 pontos acima do período pré-pandêmico.

O que vem motivando as oscilações destes indicadores

Uma análise de termos associados ao tema político e fiscal, que são mencionados nas notícias classificadas como notícias que refletem incerteza e que formam o componente de mídia do indicador geral, é possível compreender o que motiva as variações dos indicadores.

Com relação à incerteza política, termos associados ao prefixo “presid” aparecem entre 40% e 55% das notícias classificadas como incerteza. De junho a setembro houve redução da incidência desses termos, em relação aos meses anteriores, enquanto “câmara”, “congress”, “política” e “elei”, “eleição” vêm aumentando. Esses resultados estão em linha com o aumento das discussões nas esferas do governo sobre reformas estruturais, decisões de políticas e de atuação em relação ao combate a pandemia e especulações sobre as eleições de 2022. Além disso, os dois últimos termos mencionados, subiram mais de 4,0 pontos percentuais em outubro, por conta das eleições nos Estados Unidos.

Em relação aos termos associados à incerteza fiscal, vemos a maior incidência de termos como “fiscal” e “dívida”, seguido dos termos “orçament”, “imposto” e “receita”. Tal movimento está em linha com o aumento das incertezas neste período, discussões sobre teto de gastos, reforma tributária, busca de como financiar a expansão dos gastos, assim como as incertezas relacionadas às contas públicas em 2021.

Conclusão

Questões políticas e fiscais têm provocado, desde 2015, bastante ruído no Indicador de Incerteza Econômica da FGV IBRE. Na conduta política, discordâncias entre esferas do governo sobre a forma de atuação no combate à crise da saúde fizeram com que as incertezas políticas se sustentassem em patamares elevados. Devido à melhora das tratativas no congresso, a incerteza política veio recuando mais rápido do que a incerteza fiscal. Em outubro, a primeira estava em patamar já anteriormente conhecido, de 115 pontos, enquanto a segunda estava em 130 pontos.

Em relação ao indicador de frequência diária, a distância entre a incerteza fiscal e política, a partir de julho de 2020, tem média de 12 pontos, muito superior à média anterior a esse período, de 0,9 ponto. As incertezas fiscais são de fato bastante superiores a qualquer período anterior a pandemia, a descontar setembro 2015, quando o Brasil perdeu grau de investimento pelas agências de rating. Com a pandemia, foi necessária a adoção de uma política de expansão de gastos para mitigar os impactos sobre famílias e empresas, interrompendo uma agenda política e econômica mais conservadora. Gastos associados a rendas emergenciais e a medidas de manutenção de empregos e salários nas empresas formaram um colchão que amenizou o impacto negativo da crise sanitária.

No entanto, ao mesmo tempo, a pandemia escancarou as desigualdades sociais no Brasil e a necessidade de políticas públicas que reforcem a proteção social. A harmonização entre a agenda de sustentabilidade fiscal e as demandas trazidas pela pandemia por investimentos públicos e transferência de renda à população vulnerável tem sido pouco clara para os próximos meses e para 2021. Com isso, e com a extensão da pandemia e seus efeitos por 2020 e 2021, o cenário fiscal se mantém altamente incerto, dado o estado até o momento sem solução para contas públicas e os enormes desafios que a pandemia deixará para economia como um todo.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Em abril, o Indicador de Incerteza brasileiro era o maior do mundo na comparação com outros 20 países da base de dados do Economic Uncertainty Project.

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