Macroeconomia

Indefinições orçamentárias dificultam a recuperação

2 set 2021

Existe muita preocupação sobre as condições de recuperação econômica no mundo em função da crescente desigualdade legada pela pandemia. No Brasil, as indefinições orçamentárias aumentam a incerteza e adiam as medidas urgentes para a recuperação e a redução da desigualdade.

Em um recente estudo uma equipe de pesquisadores do FMI investigou qual deve ser o efeito de longo prazo da pandemia. A análise mostra que a pandemia trará dois custos principais. O primeiro se refere aos países com parcela importante do PIB associado ao setor de serviços. Por ser mais intensivo em mão de obra, estes tendem a se recuperar mais lentamente e o mercado de trabalho poderá sofrer por mais tempo.

O segundo está associado ao lado da oferta pela redução de acúmulo de capital humano. Os problemas decorrem de exclusão tecnológica que resultam em baixo aprendizado e em abandono escolar. Em todos os casos, há necessidade de buscar estratégias mitigadoras dos custos econômicos legados pela pandemia buscando estratégias ativas de inserção social.

Na Conferência anual de Jackson Hole (JH), evidentemente, muita atenção foi dada às perspectivas mais imediatas da política monetária norte-americana e às intenções de Powell que confirmou a retirada dos estímulos ainda em 2021.

As apresentações e debates que ocorreram no tradicional Simpósio de Política Econômica de JH indicam para onde vão os paradigmas reforçando a preocupação com os efeitos de longo prazo da desigualdade, realçados pela pandemia, no mercado do trabalho e no papel das políticas econômicas diante de choques tão assimétricos.

Outra preocupação discutida em JH é a falta de sincronização na recuperação entre países avançados e países emergentes que coloca um risco adicional para o último grupo. Com a rápida recuperação dos países avançados, as pressões inflacionárias antecipam o aumento das taxas de juros globais gerando riscos aos países emergentes ao deteriorar as condições financeiras e encarecendo o financiamento da política fiscal.

Vários países se mobilizam em busca de alternativas que criem condições para uma redução efetiva da desigualdade e que sirva como motor para um novo ciclo de crescimento mais sustentável. Essa discussão é intensiva em política fiscal porque pressiona por mais gastos públicos e torna-se necessário encontrar as formas mais adequadas de viabilizar essas políticas.

No Brasil, essa resposta segue atrasada porque a expansão do Bolsa Família está refém das indefinições orçamentárias. Outras políticas, como os investimentos em proteção ambiental, seguem indefinidas por questões ideológicas. O crescimento das despesas com precatórios reduziu o espaço fiscal pelas regras vigentes o que criou mais uma incerteza muito grande sobre o orçamento do próximo ano.

O governo propôs parcelar o pagamento dos precatórios. Alguns economistas defendem que o pagamento seja feito fora do teto com receio do impacto negativo sobre o mercado que se estruturou em torno dessas dívidas. Enquanto perde-se tempo discutindo a forma de pagar uma dívida que é inevitável, não há nenhum diagnóstico sobre o problema real que é como evitar que essa despesa continue crescendo nos próximos anos e que pode comprometer o espaço fiscal dos anos seguintes.

Nenhuma regra fiscal sobreviverá com uma despesa que cresce dessa forma. A solução de buscar uma forma light de mudar o teto de gastos para dizer que ele está mantido não funciona, pois retirar esse gasto do teto dificulta ainda mais o seu controle ao longo do tempo. Em política fiscal perde-se mais energia discutindo a forma do que o conteúdo.

A alteração do teto trará custos, pois criou-se uma ideia de que qualquer alternativa ao teto é sinônimo de irresponsabilidade fiscal. Isso reflete o receio de que a classe política não será capaz de encontrar um bom termo para essa discussão, principalmente às vésperas da eleição. Cabe, portanto, aos atores políticos encontrar uma solução que equilibre a responsabilidade fiscal, enfrente o crescimento dos precatórios de forma estrutural e amplie as ações de combate direto aos custos econômicos trazidos pela pandemia.

Essa solução deve ser encontrada da forma mais rápida possível para atenuar os efeitos da crise e evitar que mais incerteza se some à eminente elevação das taxas de juros globais que ocorrerá nos próximos meses.

Na última semana, o Observatório de Política Fiscal organizou um webinário para debater as políticas públicas necessárias para alavancar o crescimento econômico e reduzir as desigualdades diante dos temas estabelecidos como prioritários nesse mundo pós-pandêmico. Convido o leitor a assistir o debate, tem muita coisa interessante ali.


Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 01/09/2021, quarta-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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