Inflação sob controle? O desafio de medir o que realmente importa

Taxa de juro básico elevada não imuniza economia aos choques de oferta, quando a política monetária enfrenta um dilema conhecido: responder a movimentos que não decorrem de excesso de demanda e sobre os quais exerce pouco ou nenhum controle.
Nos últimos meses, a inflação brasileira voltou a apresentar sinais consistentes de desaceleração, influenciada pelo desempenho favorável das safras, pela apreciação cambial e pela manutenção da política monetária contracionista. Essa leitura é confirmada por diferentes famílias de índices de preços: tanto os indicadores voltados ao consumidor quanto aqueles que acompanham os preços ao produtor e na construção civil mostram um arrefecimento nas pressões inflacionárias.
A moderação da inflação brasileira tem, até o momento, relativamente pouca relação direta com o nível de atividade econômica do país. Embora o PIB deva registrar crescimento próximo a zero no terceiro trimestre deste ano, de acordo com o Monitor do PIB do FGV IBRE (informações disponíveis em 24/11/2025), o mercado de trabalho permanece apertado, com baixas taxas de desemprego e continuidade da trajetória de expansão da massa de rendimentos.
A fase favorável da inflação foi impulsionada pelo lado da oferta. A maior produção agrícola ampliou a disponibilidade de alimentos, enquanto a valorização do real frente ao dólar reduziu preços em moeda estrangeira e ajudou a conter a volatilidade de preços de produtos importados. Já entre os preços administrados – que costumam ser ajustados uma vez ao ano – e os serviços com forte componente inercial, como aluguéis, condomínios e mensalidades escolares, a dinâmica é outra: esses grupos permanecem resistentes, retardando o retorno da inflação à meta de 3,0%. Nos itens mais voláteis, sobretudo alimentos e combustíveis, o recuo recente ocorreu em cenário de menor estresse climático e geopolítico.
Mesmo nesse cenário relativamente benigno, a inflação permanece vulnerável a choques e surpresas de natureza diversa. A taxa básica de juros elevada não imuniza a economia aos choques de oferta – sobretudo quando estes atingem bens de consumo essenciais no orçamento das famílias. Nesses episódios, a política monetária enfrenta um dilema conhecido: precisa responder a movimentos que não decorrem de excesso de demanda e sobre os quais exerce pouco ou nenhum controle. Como em situações similares do passado, os juros altos tendem a contribuir para conter o ímpeto dos preços, mas a um custo elevado, refletido na desaceleração da atividade econômica e no aumento do desemprego.
Diante da frequência de choques de curta duração, que muitas vezes se “auto-dissipam”, e do custo de se conduzir uma política monetária mais restritiva do que o necessário, especialistas costumam recomendar ênfase no monitoramento da chamada inflação subjacente, na forma de medidas de núcleo ou outras formas de se captar a persistência inflacionária, livre de impactos pontuais. Uma das medidas de inflação subjacente é obtida ao excluirmos dos índices de preços os itens muito voláteis, sazonais ou sujeitos a choques específicos — alimentos in natura, combustíveis, passagens aéreas ou tarifas com reajustes concentrados –, ficando-se apenas com os componentes que refletem a demanda doméstica, o mercado de trabalho e a inércia inflacionária. Se o IPCA cheio cai porque os alimentos recuaram, por exemplo, mas as medidas de inflação subjacente não cedem, o recado é que a processo de desinflação é ainda frágil.
Algumas das medidas de núcleo de inflação acompanhadas pelo Banco Central e por analistas de mercado consistem na exclusão simples (retiram diretamente os itens que mais oscilam). Outras adotam médias aparadas, ao cortarem as maiores altas e as maiores quedas de cada mês. Há ainda as medidas que diminuem o peso estatístico dos componentes mais problemáticos. As metodologias diferem entre si, mas todas têm o mesmo objetivo: separar o ruído da tendência e chegar a um número que represente melhor a inflação que a política monetária consegue atingir. Em resumo, a tendência subjacente é o que queremos ver; núcleo é a régua que usamos para enxergar isso.
A principal barreira para o uso mais amplo desses núcleos como referência é menos técnica do que de comunicação ao grande público. Embora sejam transparentes e metodologicamente sólidos, os núcleos são indicadores mais difíceis de explicar ao público do que o IPCA cheio. Superado esse obstáculo — por exemplo, com divulgação regular, notas metodológicas sintéticas e exemplos didáticos do tipo “o que entrou e o que saiu do núcleo” –, eles poderiam ganhar um papel mais claro e relevante dentro do próprio sistema de metas, ajudando a calibrar a resposta da política monetária, reduzindo a necessidade de apertos excessivos e abrindo espaço para que o crescimento e o emprego não fossem penalizados sempre que houvesse um choque temporário de oferta.
Em suma, a inflação parece mais controlável hoje do que há alguns trimestres, mas isso não significa que o trabalho esteja concluído. O ambiente internacional continua sujeito a tensões geopolíticas e a riscos climáticos que podem voltar a pressionar alimentos e energia. Nessa conjuntura, medir bem a inflação passa a ser quase tão importante quanto controlar. Se o indicador usado como bússola não consegue separar choques passageiros da inflação persistente, a política monetária acaba reagindo demais, por mais tempo do que o necessário. Por isso, núcleos e medidas de tendência subjacente não são apenas exercícios estatísticos – são instrumentos para que o combate à inflação seja mais preciso e menos custoso para a economia real.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV










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