Política

Lula III, José Múcio e as Forças Armadas

28 set 2023

O objetivo de José Múcio como ministro da Defesa, é a pacificação, com despolitização dos militares. Mas seria um grande avanço se Lula envolvesse atores externos às Forças Armadas na formulação da política de defesa do País.

A recente entrevista concedida por José Múcio Monteiro Filho, atual ministro da Defesa, a Vera Magalhães e a Carlos Andreazza, jornalistas da rádio CBN e do jornal O Globo, é uma grande aula sobre o governo Lula III e como a classe política brasileira encara as Forças Armadas (doravante, FFAA), as relações civis-militares e a política de defesa[1].

Em primeiro lugar, há que se destacar a grande habilidade de José Múcio. Com naturalidade, escolhe palavras que jamais ofendem a quem está, implicitamente, criticando. Seu tom é sempre suave e ameno. Como ele próprio afirma, não é um homem de briga. O titular da Defesa é, em suma, um exímio praticante da arte da conciliação.

O objetivo de José Múcio como ministro da Defesa, objetivo estabelecido pelo presidente Lula, é a pacificação. Pacificação dos militares com Lula, pacificação do país depois de quatro anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto e da tentativa bolsonarista de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

O último desfile de 7 de Setembro – com seu clima tranquilo, a centralidade consignada às Forças Armadas e o tema “Democracia, Soberania e União” – é evidência do êxito de Múcio no esforço de pacificação.

Na entrevista, o ministro falou também em despolitizar as FFAA. A politização que grassou na caserna recentemente é um dos piores legados de Bolsonaro, e contribuiu para o 8 de janeiro de 2023. A despolitização dos militares é o segundo propósito-chave do atual titular do Ministério da Defesa (doravante, MD). Será efetuada por meio de um projeto de emenda à Constituição que obriga os militares a passarem para a reserva caso queiram se candidatar a cargos eletivos. O projeto tem boas condições de ser aprovado pelo Congresso, uma vez que conta com o apoio do alto comando das três Forças. Será um passo importante.

Destaque-se também que o ministro José Múcio é um homem do campo da direita, como sutilmente reconhece na entrevista. Quando alguém disser que o governo Lula é de esquerda, deve ser lembrado que um dos seus principais ministérios é ocupado por José Múcio. Além de Múcio, que não está filiado a partido nenhum no momento, há também que se adicionar os três ministros do PSD, os três do MDB, os dois do União Brasil, o recém-nomeado ministro do PP, o também recém-nomeado ministro do Republicanos e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o General Marcos Antonio Amaro dos Santos. Ao todo, são 12 ministros de direita (ou que não são do campo da esquerda, como é o caso do MDB), 31,6% da Esplanada de Lula III. Não é pouco e mostra que Lula foi, paulatinamente, formando um governo de ampla coalizão, tal qual prometera na campanha eleitoral.

Todavia, na entrevista, o ministro José Múcio, quando se refere às FFAA, fala na primeira pessoa do plural. Isso significa que o ministro se vê como representante da caserna perante o governo. E aqui começam os problemas.

O ministro da Defesa deveria ser o representante do governo vis-à-vis as FFAA. O Ministério da Defesa foi criado em 1999 justamente para ser chefiado por um civil com a missão precípua de estabelecer o controle civil sobre o Exército, a Marinha e a Força Aérea, depois de mais de um século de pretorianismo (isto é, desde a instauração da República por um golpe militar em 1889). Quando o atual ministro fala na primeira pessoa do plural, a ideia de a corporação castrense submeter-se à autoridade civil se enfraquece. Um ministro civil da Defesa de um regime democrático jamais deve passar a impressão de ser o porta voz das Forças Armadas. Ele deve ser a voz de comando civil sobre a defesa nacional, sendo o MD e as FFAA os instrumentos de tradução das preferências do governo em políticas de defesa.

Aliás, na entrevista, José Múcio também não falou de política de defesa. Não é sua especialidade, como reconheceu. Ele está lá para pacificar. Sim, mas, ao não falar de política de defesa durante 40 minutos, o titular do MD emite a mensagem sub-reptícia segundo a qual a política de defesa é monopólio das FFAA, sobretudo após cinco anos de renovada militarização do MD[2].

Os problemas identificados nos parágrafos antecedentes não se devem apenas ao perfil de José Múcio. Na verdade, decorrem de como a classe política, sobretudo a direita, vê as FFAA e o papel dos civis na defesa nacional. Essa visão se caracteriza por uma excessiva deferência para com a caserna e pela relutância em assumir a direção do setor de defesa. São as duas faces da mesma moeda. Se atual governo quiser realmente democratizar e modernizar as relações civis-militares, terá que, em algum momento, aposentar aquelas duas características.

Convém notar que o início de Lula III não foi marcado pelas referidas deferência e relutância. Pelo contrário, em janeiro de 2023, ao demitir o então comandante do Exército, o General Júlio Cesar de Arruda, e ao não convocar uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem após a intentona bolsonarista, Lula passou a adotar uma estratégia mais ousada para lidar com os militares. Entretanto, a bem-sucedida pacificação implementada pelo ministro José Múcio, animada que é pela visão conservadora acima descrita, desvitalizou a ousadia do Presidente da República.

Para finalizar numa nota mais otimista, talvez no ano que vem – como consequência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de Janeiro de 2023 e das futuras decisões do Supremo Tribunal Federal sobre os envolvidos nos atos –, haja maior preocupação com a política de defesa e maior ênfase no fortalecimento do controle dos militares pelos civis. Além disso, em 2024, o governo deverá proceder à revisão quadrienal do Livro Branco da Defesa Nacional, da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa. Será uma grande oportunidade para que Lula III envolva atores externos ao MD e às FFAA no processo decisório e revele-se mais inovador do que tem sido até o momento. Mas a ver, como diria o cego...

Esta é a seção Observatório Político do Boletim Macro Ibre de Setembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Ver “#38 – ‘Nós precisamos nos libertar dessa suspeição’, diz Múcio sobre investigação contra militares”, podcast Dois + Um, de Carlos Andreazza e Vera Magalhães, disponível em https://open.spotify.com/episode/3VlBbJQfzPHCNGIaxqcgtI?si=RcEVzUVhQJKIlPO5HerO_w&context=spotify%3Ashow%3A2HmsA0j5YDsZwNg7ssCDUY&nd=1.

[2] Isto é, desde a nomeação do General Silva e Luna como ministro da Defesa, em fevereiro de 2018, pelo então presidente Michel Temer, passando pelos três generais que chefiaram o MD sob Jair Bolsonaro.

Comentários

Ariel
O problema do Brasil quanto a defesa é que a classe política é a sociedade subestimam a hostilidade internacional crescente ao sucatear as próprias forças de defesa do Brasil. Hoje se gasta mais com a classe judiciária do que com as três forças que compõem a fldefesa do Brasil.
Fernanda Guimarães
Depois dos acontecimentos do ano passado com parte da população se voltando contra as FA, e com o aumento da dívida pública causado pela bancarrota do governo o Lula, a tendência é que, cada vez mais, os principais serviços prestados por um governo, aos contribuintes de impostos, seja ainda mais sucateado e ineficiente: a defesa nacional.

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