Macroeconomia

Mensalizando a PNADC: os impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho

8 jun 2020

O IBGE, desde 2012, realizou um esforço de consolidação de suas pesquisas amostrais de mercado de trabalho, que se dividiam entre a Pesquisa Mensal do Emprego (PME), de frequência mensal, mas cobrindo apenas seis Regiões Metropolitanas, e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que cobria todo país, mas com frequência anual. O resultado desse esforço foi a PNAD Contínua, que tem abrangência nacional e periodicidade trimestral.

Mesmo sendo a PNAD Contínua um indicador trimestral, o IBGE disponibiliza mensalmente estimativas em médias de trimestres móveis da pesquisa com os principais indicadores nacionais de mercado de trabalho no país. Assim, por exemplo, temos para cada mês a média de diversas variáveis no mês de referência e nos dois anteriores (jan-fev-mar, fev-mar-abr, mar-abr-mai etc...).

Ainda assim, pelo fato de a pesquisa ser trimestral, os impactos da economia sobre o mercado de trabalho acabam sendo observados pela PNAD Contínua com alguma defasagem. Esse pode ser um problema para formuladores de políticas públicas quando precisam de informações rapidamente.

No contexto recente da pandemia, os números divulgados pela edição da PNAD Contínua de março e abril de 2020 mostraram um mercado de trabalho em rápida deterioração, já que as consequências da pandemia da Covid-19 começaram a ocorrer nesses meses. No entanto, tendo em vista que os trimestres móveis desses meses incluem janeiro e/ou fevereiro, quando não havia ainda pandemia, como teriam se comportado, por exemplo, as variáveis de ocupação, força de trabalho e taxa de desocupação, caso só fosse observado o mês de referência?

Para tentar lidar com a questão dos trimestres móveis, o economista Marcos Hecksher, do IPEA, criou uma metodologia de mensalização da PNAD Contínua, a partir de seus microdados. Com ela, é possível acompanhar os indicadores agregados em seus resultados mensais, e não mais referentes ao trimestre móvel. Dessa forma, tem-se uma sensibilidade mais imediata de impactos súbitos no mercado de trabalho, como o da Covid-19.

O método empregado no estudo é apresentados a seguir.

1) Restringir as datas de referência, nos casos em que é possível, com base nas datas de nascimento e idades calculadas de todos os moradores de cada domicílio em todas as visitas.

No questionário da PNADC, há perguntas sobre a data de nascimento e a idade calculada de cada pessoa na data de referência, o sábado que encerra a semana de referência (IBGE, 2018). Portanto, a idade calculada permite aos usuários dos microdados observar se, na data de referência, a pessoa da amostra já tinha feito aniversário ou não. Desse modo, caso o entrevistado, por exemplo, tivesse nascido em 17 de abril de 1993 e, em seu microdado para o segundo trimestre de 2020, ainda tivesse 26 anos de idade, então as informações de todo o seu domicílio naquela visita devem ter como data de referência algum dia entre 1º e 16 de abril.

Com esses dados, portanto, é possível concluir se o mês da entrevista realizada era (ou não) o primeiro do trimestre. Se, alternativamente, outra pessoa, cujo aniversário era 20 de março de 1994, já tivesse completado 26 anos de idade durante a entrevista à PNADC do primeiro trimestre de 2020, então a data de referência daquela visita deve ter sido entre 21 e 31 de março, concluindo, portanto, que o mês de referência da entrevista foi março. Assim, é possível também identificar o  mês quando este é o terceiro do trimestre.

A mesma metodologia pode ser aplicada a todos os moradores com data de nascimento informada, sobrepondo suas informações e, assim, reduzindo o conjunto de datas possíveis. O esquema de rotação 1-2(5) adotado na PNADC prevê que cada domicílio seja visitado em um mês e saia da amostra por dois meses seguidos, sendo essa sequência repetida por cinco vezes.

Com isso, quando se sabe o mês de uma entrevista de um domicílio, sabe-se também o das entrevistas seguintes. Além disso, caso se conclua que uma visita no primeiro trimestre de 2014 ocorreu em janeiro ou fevereiro e que a visita ao mesmo domicílio realizada no segundo trimestre de 2014 ocorreu em maio ou junho, pode-se então deduzir que todas as visitas ao domicílio ocorreram nos meses centrais de cada trimestre.

 2) Reponderar as observações com meses identificados para corrigir parte dos vieses gerados na seleção de observações com meses identificáveis.

A metodologia acima identifica os meses de cerca de 40% dos domicílios – no entanto, ela suscita um viés de seleção. Para domicílios terem maior chance de terem seus meses identificados, é preciso ter mais moradores, mais visitas realizadas e outras características associadas, como menor proporção de pessoas ocupadas no mercado de trabalho.

Para resolver esse problema, se introduz uma medida redutora do viés de seleção, reponderando as observações identificadas para que, entre elas, as combinações de número de moradores e número de visitas tenham o peso total que elas tinham no conjunto completo de observações do trimestre. Isso foi feito com seis faixas de número de moradores (1, 2, 3, 4, 5 e 6 ou mais) e duas de número de visitas (até 4 ou 5).

Dessa forma, é possível gerar novos indicadores de mercado de trabalho por mês do calendário, alternativamente ao trimestre móvel. O texto de discussão do economista menciona a trajetória de algumas variáveis até fevereiro de 2020, tendo em vista que, no momento de sua publicação, os dados de março ainda não tinham sido disponibilizados. Portanto, sua atualização (até abril) pode mostrar os primeiros efeitos – e a forma imediata como se fizeram sentir – da crise desencadeada pela pandemia.

O gráfico abaixo mostra a trajetória da População Ocupada desde março de 2012 até abril de 2020, tanto pelo seu trimestre móvel quanto por seu nível mensal. Como se vê, em abril de 2020, a média trimestral ainda não mostrou grande queda. No entanto, a série mensalizada revela grandes recuos em março e, principalmente, abril de 2020. É possível também ver que a série em trimestre móvel sempre acompanha a mensal com uma pequena defasagem, como é de se esperar.

População Ocupada e Força de Trabalho mensalizadas e em trimestre móvel

Fonte: Hecksher (2020) e IBGE; Elaboração própria

O gráfico abaixo, por sua vez, mostra a Taxa de Desocupação por mês e trimestre móvel. Ainda que o nível de abril de 2020 seja o mesmo no mês e no trimestre móvel, enquanto neste último o aumento em relação ao mesmo período do ano anterior foi de 0,1 p.p., o do primeiro foi de 0,6 p.p.

Finalmente, o gráfico abaixo apresenta a variação interanual das duas séries mensalizadas. Segundo a PNADC trimestral, a queda observada da População Ocupada no trimestre terminado em abril foi de 3,4% em relação ao mesmo trimestre de 2019. Como se vê no gráfico abaixo, no entanto, em abril, especificamente, a queda na mesma base de comparação foi de mais de 9%, em relação ao mesmo mês do ano anterior, uma magnitude inédita na PNADC. A Força de Trabalho também caiu em magnitude semelhante, em mais de 8,5%, no mesmo período.

 

Fonte: Hecksher (2020) e IBGE; Elaboração própria

Como se vê, o uso da série mensalizada da PNAD Contínua pode ser útil para antecipar a magnitude real dos efeitos de curto prazo de crises como a pela qual passa o Brasil atualmente. Seu uso mostra que o mercado de trabalho brasileiro já sofre intensamente com os efeitos do Covid-19, com redução da população ocupada com força inédita e maior do que os piores momentos da última crise passada. O contingente de ocupados, desse modo, recuou a nível inferior ao da mínima histórica, uma reversão, portanto, de mais de 8 anos.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Comentários

Daniel Silva
Cadu Gomes

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