Meta contínua de inflação, intervalo de tolerância e o que se faz necessário para um efetivo ciclo de baixa de juros
Governo deve abandonar de vez ideia de alterar meta de inflação, mantendo-a em 3,0%, ao mesmo tempo em que a transforma em objetivo contínuo. Resistir à tentação de ampliar o intervalo de tolerância parece igualmente essencial.
Na seção sobre política monetária do Boletim Macro do mês passado, assinalamos que, nas condições daquele momento, projeções de inflação calcadas na hipótese de manutenção da taxa Selic indicavam cumprimento da meta de 3,0% em 2024. Acrescentamos que, na ausência de alteração do atual nível de juros, isso acabaria produzindo inflação abaixo da meta em 2025. Com base nesse raciocínio, mencionamos que tal cenário abria “uma boa perspectiva de redução da Selic nos próximos meses”.
A nosso ver, espaço objetivo para alguma redução dos juros básicos da economia será super bem-vindo, mas certamente não é apenas isso o que se deseja, tanto no âmbito do governo, quanto no setor privado. Mais importante seria eventual criação de condições para que venhamos a ter redução sustentada da taxa Selic, ou seja, condições para ingressarmos num efetivo ciclo de baixa de juros.
Na ocasião mencionada, argumentamos que, para chegarmos a esse ponto, “o ideal seria poder contar com dois complementos importantes”. Um desses complementos teria de vir do Congresso Nacional, por meio da aprovação de medidas que tornem mais rigoroso e restritivo o atual projeto governamental de arcabouço fiscal. Na presente seção, não trataremos desse assunto, mas apenas do complemento relacionado com a definição da meta de inflação, mencionado no texto anterior.
Na ata da última reunião do Copom, referente ao corrente mês de maio, o Banco Central voltou a tratar da questão das metas, não deixando dúvida acerca do fato de que discussões em torno de eventual alteração dos objetivos numéricos de inflação têm concorrido para a piora das expectativas de inflação, para vários horizontes de tempo. No Boletim passado, nosso argumento foi no sentido de que a administração federal daria uma grande contribuição para a política de combate à inflação caso viesse a anunciar, de maneira convincente, que acabou optando por manter inalterada a meta de inflação de 3,0%. Na prática, uma decisão desse tipo retiraria boa parte dos prêmios de risco embutidos nas expectativas de inflação, viabilizando projeções de inflação mais compatíveis com o cumprimento da meta atual.
No momento, as questões que se colocam podem ser assim resumidas: qual a probabilidade de tal hipótese se concretizar? O que exatamente tem sido discutido a respeito desse assunto?
De modo geral, representantes do governo têm deixado esse tema de lado, enfatizando que será devidamente tratado em junho, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) se manifestará sobre a meta de inflação para 2026. Em conversa com jornalistas, o ministro da Fazenda já se mostrou favorável à adoção de uma meta contínua, ou seja, válida o tempo todo (“at all times”, como se faz no Reino Unido, por exemplo). Isto não quer dizer, porém, que necessariamente defenderá a manutenção dos 3,0% no final de junho.
A despeito de o ministro não ter se comprometido com essa possibilidade de meta contínua, mas apenas revelado sua simpatia pela ideia, parece razoável admitir que a hipótese esteja na mesa, com boa probabilidade de vingar.
Desde o momento em que o presidente da República levantou o assunto revisão da meta de inflação, não têm sido poucos os especialistas que alertam para a inconveniência de eventual decisão nesse sentido. No mercado financeiro, é comum ouvir o argumento de que, como as expectativas de inflação aparentemente já se ajustaram à possibilidade de alteração do objetivo numérico para a inflação, na hipótese de a mudança se concretizar, nada mais aconteceria. A nosso ver, esse seria um bom argumento somente se fosse possível imaginar uma situação em que desapareceria de vez qualquer expectativa de, em algum momento mais adiante, o governo voltar a recorrer ao expediente de alterar a meta. O fato de esse não ser um cenário plausível significa que o prêmio de risco associado à possibilidade de mudança de meta não desapareceria, podendo, inclusive, aumentar. Em síntese, dificilmente os agentes econômicos abandonariam a hipótese de novas mudanças no futuro, algo prejudicial à formação das expectativas de inflação.
Não nos parece absurdo acreditar que pelo menos parte do governo esteja convencida da validade do raciocínio acima. Essa é a razão pela qual consideramos possível o governo anunciar manutenção da meta de inflação em 3,0%, provavelmente acompanhada do abandono da fixação de ano-calendário como o horizonte de tempo em que a meta tem de ser cumprida. Nesse caso, passaríamos a ter uma meta contínua, de doze meses, válida o tempo todo, cabendo ao Banco Central avaliar a rapidez com que procuraria promover a convergência da inflação para meta. Note-se, portanto, que eventual mudança para meta contínua não quer dizer, necessariamente, alongamento do horizonte de convergência.
Especulações em torno da possibilidade de o CMN assim decidir no final de junho devem ser vistas como animadoras. A ideia é excelente, superadequada para o atual momento da economia brasileira.
(Continua...)
Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de maio/2023.
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