Macroeconomia

Minha Casa Minha Vida: Réplica a Tainá Pacheco

26 ago 2020

Em um longo fio no Twitter, Tainá Pacheco criticou minha coluna da Folha de São Paulo em que apresentei os principais números associados ao programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Segundo Tainá minha crítica ao programa foi rasa. Trata-se de um ponto de vista. No entanto a crítica que ela faz a mim está errada.

A base de meu argumento na coluna foi que o déficit habitacional não foi alterado pelo PMCMV. A figura abaixo documenta e evolução do déficit habitacional urbano no Brasil desde 2000 até 2010, medido pela Fundação João Pinheiro.

Usando a mesma expressão que Ciro Gomes empregou para descrever a economia brasileira quando FHC tomou posse[1], “desde Pedro Álvares Cabral” até 2009 o déficit habitacional acumulado foi de 5,1 milhões de unidades (rigorosamente 5.089.159). Após R$106 bilhões de reais gastos pelo Tesouro Nacional e de 1,7 milhão de unidades da faixa 1 do PMCMV (trata-se da faixa desenhada para reduzir o déficit habitacional, com subsídio de 80%) o déficit elevou-se em pouco menos de 0,5 milhão. Minha conclusão é que o programa gerou muito desperdício.

Tainá argumenta que a composição do déficit habitacional desqualifica a conclusão da minha coluna. Como ela esclarece em seu tweet, o déficit habitacional é composto de: “i) habitações precárias, ii) coabitação, iii) ônus por aluguel excessivo, e iv) adensamento excessivo de domicílios alugados. “Ônus por aluguel excessivo” diz respeito às famílias que destinam mais de 30% da sua renda a aluguel.” Como parcela significativa do aumento do déficit segue a categoria (iv), “ônus por aluguel excessivo”, ela considera que o PMCMV não foi tão ineficaz quanto minha coluna sugere.

Tainá, apesar do longo fio no Twitter, não esclarece o motivo da variação da composição do déficit tornar rasas minhas conclusões. Minha interpretação é que ela considera o mercado de casas populares para aluguel segmentado do mercado de casas populares próprias. Evidentemente é elementar que o mercado de um ativo, no caso casas populares, e o mercado do serviço do ativo, no caso o mercado de aluguel de casas populares, são interligados. No limite é um mercado só: o preço de uma ativo é o valor descontado dos serviços do ativo. Se os aluguéis não caíram é porque algo de muito errado ocorreu no desenho do programa. Note que, em 2014, ano em que a taxa de desemprego se encontrava nas mínimas históricas, em que os salários estavam elevados, e em que o impacto do PMCMV já era pleno, também não há efeitos observáveis do programa sobre a série histórica do déficit habitacional.

Esclarece-se o motivo da variação da composição do déficit habitacional não ser objeto de minha coluna. Não é questão relevante para a crítica maior que dirigi ao PMCMV. Quando se escreve para o grande público com os limites de uma coluna de jornal, é necessário separar o fundamental do acessório. A variação da composição do déficit habitacional é informação assessória no contexto da coluna. A maioria dos textos que Tainá cita em seu longo fio foram consultados por mim. As informações que lá se encontram, apesar de muitas vezes bem interessantes e relevantes para uma avaliação mais profunda do PMCMV, no contexto de uma coluna que foca um fato importante em espaço limitado, também são acessórias.

De fato, quando olhei pela primeira vez a série de déficit habitacional fiquei meio chocado. Pensei “como o PMCVM não mexe nesse número?”. Que esse fato não seja de amplo conhecimento da sociedade e motivo de grande preocupação de todos é ainda mais chocante. Mostra a forma ligeira como nos acostumamos a cuidar do gasto público. É o que chamo de olhar para o orçamento pela chave dilmista de “gasto é vida”. Gasto público de má qualidade endivida o setor público e não resulta em ganhos, equivalentes aos custos sociais, para os mais vulneráveis. Quando sobrevém a crise econômica, os mais vulneráveis sofrem mais. Gasto público de má qualidade é morte.

A crítica de Tainá à minha coluna não procede.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Ver Ciro Gomes, “Projeto Nacional: o dever da esperança”, editora Leya página 59.

Comentários

Leibdis
Tania
ROCHA

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