Setor Externo

Modulando o otimismo oficial no setor externo

5 jul 2022

Narrativa que baseia fantásticas projeções oficiais para saldo comercial em 2022 parece frágil, já que, ao contrário do imaginado, os termos de troca estão em contração. Esperamos déficit de US$ 10bi na conta corrente em 2022.

No Boletim Macro de fev/22, destacamos que as projeções oficiais para o resultado da balança comercial, fosse pelo regime SISCOMEX ou pela metodologia utilizada pelo Banco Central, nos pareciam ser excessivamente otimistas. Na verdade, a visão oficial para o resultado em conta corrente de 2022 era não menos do que fantástica: de acordo com a projeção do Banco Central em seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de mar/22, atingiríamos superávit em conta corrente de US$ 5,0bi neste ano (+0,2% do PIB), o primeiro resultado positivo desde 2007.

A tabela abaixo condensa as principais projeções oficiais para a balança comercial de 2022, seja no regime SISCOMEX (Economia), seja no regime do balanço de pagamentos (BCB). Há questões metodológicas que explicam números tão distintos[1], mas não muda o fato de que os atores governamentais esperam portentosos superávits comerciais este ano.

Tabela 1: Projeção de saldo comercial (SISCOMEX vs. BCB, 2022)

Fonte: SISCOMEX e Banco Central do Brasil

A narrativa para resultados tão espetaculares não era construída pelo lado dos volumes, ou seja, não se esperava um fabuloso crescimento relativo do quantum exportado frente ao importado – ainda que, para todos os efeitos, a contribuição do setor externo ao PIB fosse positiva (ou seja, com crescimento do volume exportado superior ao do volume importado) e se tivesse certo otimismo com as implicações, em termos de demanda por produtos brasileiros, da crescente tensão geopolítica na Europa.

Da mesma forma, não há relato de que os atores supracitados esperassem relevante depreciação da taxa de câmbio real efetiva, fator que ajudaria a estimular as exportações líquidas. Com inflação crescente, aqui e lá fora, e grandes movimentos relativos entre as moedas globais, de fato seria temerário concentrar as fichas em preços relativos que estão sendo afetados, e ainda passarão, por inúmeros choques.

Para todos os efeitos, grande parte do fantástico resultado está associado à expectativa de forte choque positivo nos termos de troca, ou seja, um aumento relativo importante dos preços dos produtos exportados (frente aos importados) pela economia brasileira. Nas palavras do Ministério da Economia, em pronunciamento do início de abril de 2022[2], “o conflito entre Rússia e Ucrânia levou a um aumento de preços, gerando expectativa de valor exportado mais elevado”. O comportamento recente dos termos de troca (utilizando dados do ICOMEX-FGV, com informações compiladas até maio de 2022) pode ser observado no gráfico abaixo.

Gráfico 1: Termos de troca (2006=100)

Fonte: FGV ICOMEX

Ao contrário do que sugere a narrativa oficial (e que tem sido muito utilizada por analistas de mercado), não ocorreu aumento dos termos de troca em 2022: o acumulado dos primeiros cinco meses do ano mostra recuo de 9,0% em relação ao mesmo período de 2021. Em linha com a narrativa oficial, de fato ocorreu grande aumento dos preços de exportação – e estes hoje se encontram em seu máximo histórico, corroborando um cenário de valor exportado recorde.

O problema da narrativa oficial está do lado das importações, ao não reconhecer que o crescimento de seus preços tem sido ainda mais expressivo que os das exportações no passado recente. Com isso, os termos de troca (a relação entre preços de exportação e de importação) não sobem e os efeitos sobre o saldo comercial são muito menos intensos do que uma leitura apressada do cenário sugeriria.

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de junho/2022.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


[1] Como explicado, em detalhes, na seção de setor externo do Boletim Macro de fev/22, intitulada “Incerteza na tradução”. Disponível em https://portalibre.fgv.br/boletim-macro

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