Fiscal

Movimento não é progresso

18 jan 2023

Pacote de medidas concentrado na receita, e em parte duvidoso nos seus objetivos, poderia ser reforçado por ações na despesa em temas como política social, reestruturação de cargos e salários e mudança no abono salarial.

Após a aprovação de extraordinária elevação de gastos na PEC da transição, de pelo menos R$170 bilhões, o anúncio das primeiras medidas pela equipe econômica foi tímido e notadamente concentrado pelo lado da receita. Ao todo, dos R$ 243 bilhões do pacote fiscal, 80% ou R$193 bilhões foram pelo lado da receita, enquanto apenas 20% ou R$50 bilhões pelo lado do gasto. Não obstante a timidez da agenda de redução de despesas, metade do que foi anunciado tem chance baixa de se materializar, uma vez que a proposta redução de R$25 bilhões do custeio administrativo equivale a cerca de 25% de toda a despesa discricionária estimada para o Poder Executivo, de R$100 bilhões.

Mesmo pelo lado da receita, os R$70 bilhões por menor litigiosidade e denúncia espontânea são bastante duvidosos, assim como o ganho para o resultado primário de R$23 bilhões em recursos não sacados dos antigos fundos do Pis/Pasep, uma vez que foram consignados na PEC da transição para a realização de gastos com investimentos públicos, fora do teto de gastos. Em suma, no melhor cenário, cerca de metade do anúncio (R$125 bilhões) parece mais factível, notadamente a reoneração de Pis/Cofins e correção no aproveitamento de créditos de ICMS. A despeito do movimento na direção correta, a natureza extraordinária de grande parte das medidas é ainda insuficiente para que haja progresso no reequilíbrio fiscal mais estrutural, no qual o papel da revisão de gastos (spending review) é fundamental.

A esse respeito, existe uma série de medidas não apenas possíveis como desejáveis de serem adotadas pelo lado do gasto, conforme detalhado em post há cerca de dois meses neste mesmo espaço. No cenário conservador, uma fusão de políticas sociais, prática semelhante à adotada no primeiro governo Lula quando houve fusão de uma série de políticas sociais lançadas no governo FHC, tem potencial de economizar R$ 185-210 bilhões em 10 anos. Para os primeiros quatro anos, de 2023 a 2026, a melhor eficiência na gestão das políticas sociais entrega R$ 73 bilhões de economia ou aproximadamente R$ 18 bilhões por ano.

Outro ganho evidente da agenda de revisão de gastos, adicional à fusão de políticas sociais, passa pela revisão do CadÚnico e melhor inteligência no uso e cruzamento de dados pelo governo. Não faltam informações para a identificação e desenho competente de políticas públicas no país, além de adequado tratamento, manipulação e consolidação de um big data que entregue capacidade analítica à administração pública, não apenas federal. Essa agenda vai muito além da simples atualização do CadÚnico e correção do número de famílias unipessoais – que poderia facilmente reduzir o gasto em pelo menos R$10 bilhões este ano –, e é condicional à competente coordenação interministerial, notadamente dos Ministérios do Planejamento e Orçamento com o de Gestão e Inovação.

Revisão de gastos não é panaceia, mas é evidente que pode entregar tanto economia de recursos do contribuinte quanto maior eficiência e qualidade para uma série de políticas públicas, contribuindo para a menor percepção de risco fiscal e para equilíbrio macroeconômico de qualidade superior ao cenário contrafactual, de ajuste integral pelo lado da receita. Em outras palavras, significa dizer que o mix de planos de consolidação fiscal importa e muito, notadamente pelo efeito que produzem na formação das expectativas dos agentes econômicos quanto ao risco fiscal de curto e médio prazo, com conhecidos e mensurados efeitos sobre a curva de juros, taxa de câmbio, confiança e formação bruta de capital fixo (investimentos).

O portfólio de medidas à disposição da agenda de revisão de gastos é vasto e não há qualquer dificuldade em identificá-las[1]. Além das medidas supracitadas, a reestruturação de cargos e salários no serviço público é ainda medida importante para acabar com privilégios e distorções, cuja economia potencial em 10 anos é de aproximadamente R$ 210 bilhões no cenário conservador, com validade apenas para as novas contratações. O abono salarial, política social extremamente cara e ineficiente, criada em janeiro de 1990 quando o salário-mínimo no país era de 1.284 cruzados novos, se reformulado, poderia atender efetivamente o público socialmente mais vulnerável e reduzir o gasto em R$ 260 bilhões em 10 anos, ou R$22 bilhões entre 2024 e 2026, em média. Como se pode perceber, o espaço para redução da ineficiência do gasto e conciliação da responsabilidade fiscal com social é extraordinário, faltam-nos convicção e capacidade de entrega.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Para mais opções sobre a agenda de revisão de despesas, acesse o relatório do Banco Mundial de 2017 intitulado, “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”. Disponível em: Um Ajuste Justo - Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil (Volume I) - Síntese (worldbank.org)

Comentários

Nilton Soares
Excelentes pontos e alternativas levantados. Vale lembrar que em 2015 houve um grande movimento da sociedade contra o aumento da carga tributária, cujo símbolo foi o famoso pato da FIESP. Assim o foco na redução de despesas, como propõe o autor, é o caminho mais adequado para o equilíbrio fiscal.

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