Trabalho

Novas evidências sobre o trabalho por conta própria

6 fev 2023

O desafio que se coloca é como desenhar políticas trabalhistas e previdenciárias de modo a satisfazer as preferências por independência e proteção dos trabalhadores por conta própria sem custos regulatórios e fiscais elevados. 

Ano passado o mercado de trabalho no Brasil surpreendeu favoravelmente, com forte queda do desemprego e da informalidade. Segundo dados da PNAD Contínua recentemente divulgados, a taxa de desemprego de 8,1% no trimestre encerrado em novembro foi 3,5 pontos percentuais (p.p.) abaixo do observado no mesmo período de 2021. A taxa de informalidade foi de 38,9% da população ocupada, 1,7 p.p. a menos que a do mesmo trimestre de 2021.

Lançada em dezembro do ano passado, a Sondagem do Mercado de Trabalho do FGV IBRE tem como principal objetivo aprofundar o conhecimento da sociedade sobre o mercado de trabalho brasileiro com informações não encontradas nas estatísticas existentes.

Uma dessas lacunas diz respeito às informações disponíveis sobre o trabalho por conta própria, que no trimestre encerrado em novembro de 2022 correspondia a 25,6% da população ocupada. Além do tamanho expressivo, trata-se de um contingente de trabalhadores que em geral não conta com proteção social. Isso pode ter várias implicações econômicas e sociais, já que o surgimento de novas modalidades de trabalho geradas pelas novas tecnologias tende a fazer com que este grupo cresça ao longo do tempo.

Neste sentido, a pesquisa do IBRE pode fornecer elementos para responder perguntas importantes. Por exemplo, quais são as principais motivações do trabalho por conta própria? A proporção elevada do trabalho por conta própria decorre principalmente de uma dificuldade de obter um emprego com carteira de trabalho assinada ou reflete uma opção pelo empreendedorismo? Como oferecer uma proteção social adequada para esses trabalhadores?

O segundo relatório da Sondagem do Mercado de Trabalho, divulgado no final de janeiro, aborda essas questões. Segundo 32,1% dos trabalhadores por conta própria entrevistados, a principal razão para o trabalho autônomo foi a necessidade de obter renda porque estavam desempregados. Isso sugere que uma parcela expressiva dos trabalhadores por conta própria pode ter sido motivada por necessidade.

No entanto, uma proporção elevada apresenta justificativas que se aproximam de uma escolha pelo empreendedorismo. Por exemplo, 22,9% citam o desejo de independência como principal razão para serem trabalhadores por conta própria e 13,6% citam a flexibilidade de horário.

Esses números indicam que existe uma grande heterogeneidade de motivos para ser um trabalhador autônomo. Isso fica ainda mais evidente quando a amostra de trabalhadores por conta própria é dividida por faixa de renda.

Dentre os trabalhadores que ganham até 2 salários mínimos (SM) por mês, para 37,5% a principal razão para o trabalho autônomo foi a necessidade de obter renda porque estavam desempregados. Por outro lado, no grupo de trabalhadores por conta própria que recebem mais de 2 SM, a principal razão foi o desejo de independência (34,5%), seguido pela flexibilidade de horário (20,4%).

Além de independência e flexibilidade, uma parcela significativa dos trabalhadores por conta própria manifestou uma preferência por maior proteção social. Segundo dados do primeiro relatório da Sondagem do Mercado de Trabalho, divulgados no início de dezembro, 31,4% dos trabalhadores por conta própria gostariam de ter um vínculo empregatício para ter acesso a benefícios das empresas e 33,1% gostariam de ter um vínculo para assegurar a estabilidade de seus rendimentos.

Minha interpretação é de que essas respostas provavelmente refletem mais o desejo de ter acesso a benefícios sociais do que a preferência por um vínculo empregatício em si. Isso decorre do fato de que no Brasil e em muitos países a proteção social historicamente foi atrelada ao vínculo formal de emprego.

Em resumo, os primeiros resultados da Sondagem do Mercado de Trabalho indicam que o grupo de trabalhadores por conta própria é bastante heterogêneo, mas inclui uma parcela expressiva que escolheu o trabalho autônomo para atender a um desejo de independência e flexibilidade. Além disso, muitos gostariam de ter acesso a benefícios sociais e maior suavização das flutuações de renda.

O desafio que se coloca é como desenhar políticas trabalhistas e previdenciárias de modo a satisfazer essas preferências sem criar custos regulatórios e fiscais elevados. Este será um tema importante das discussões sobre o mercado de trabalho este ano.

 

Fernando Veloso é pesquisador do FGV IBRE e escreve quinzenalmente, às sextas-feiras, para o Broadcast.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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