Macroeconomia

O Acordo Brasil-Chile tem que avançar para outros países

23 nov 2018

O Brasil possui um acordo de livre comércio de mercadorias com o Chile, desde 1996, e em abril do presente ano os governos dos dois países anunciaram que iriam iniciar negociações para a realização de um novo acordo. Esse seria um acordo amplo de nova geração, onde questões não tarifárias e práticas regulatórias são incluídas. Em 20 de outubro foi anunciado o término das negociações e no dia 21 de novembro o acordo foi assinado pelos presidentes. Além de ter sido uma negociação em tempo recorde, o acordo marca uma possível nova diretriz na agenda de comércio do Brasil.

O acordo inclui temas como: serviços; meio ambiente; cláusulas trabalhistas; gênero; propriedade intelectual; comércio eletrônico; micro, pequenas e médias empresas; facilitação de comércio; boas práticas regulatórias; corrupção; políticas de concorrência; telecomunicações; convergência regulatória para produtos orgânicos; barreiras fitossanitárias; compras de governo; e, cadeias regionais e globais de valor. O foco do acordo não é acesso a mercados via medidas tradicionais, pois já existe livre comércio entre os países. No entanto, ao introduzir medidas de facilitação de comércio e práticas regulatórias convergentes, espera-se que ocorra um novo impulso nas trocas comerciais. É um resultado desejado, mas uma das principais motivações estaria na percepção de que a ampla agenda de comércio demandada nas mesas de negociações não será resolvida no sistema multilateral e, sim, via acordos regionais e bilaterais.

A possibilidade de negociar temas “novos” para a agenda brasileira foi facilitada e motivada pelo histórico chileno de acordos. Destaca-se, em especial, o CPTPP (sigla em inglês do Acordo Integral e Progressivo da Parceira Transpacífica), que substituiu a Pareceria Transpacífica (TPP).

O CPTPP cobre temas de acesso a mercados, regras de origem, negociações especiais para têxteis e vestuário, facilitação de comércio, medidas compensatórias de práticas desleais, medidas fitossanitárias, barreiras técnicas, investimentos, serviços, telecomunicações, comércio eletrônico, compras de governo, políticas de competição, empresas estatais, propriedade intelectual, trabalho, meio ambiente, cooperação e capacitação, facilitação de negócios, desenvolvimento, pequenos e médias empresas, coerência regulatória, transparência e anticorrupção e solução de disputas.

O leitor pode se indagar qual a importância de listar todos esses temas do CPTPP quando o foco é o acordo entre o Chile e o Brasil? Na divulgação do acordo pelo Ministério das Relações Exteriores, foi ressaltado que uma das razões para que as negociações andassem mais rápidas era que o Chile já possuía experiência nos temas não tarifários, como no CPTPP. Em adição, na Aliança do Pacífico, muitos desses temas estão presentes, e está presente na agenda brasileira um possível acordo entre a Aliança e o Mercosul. No entanto, como o Diretor do Departamento de Integração Econômica Regional, o Ministro Michel Arslanian Neto, ressaltou em entrevista para a TV Senado, o Brasil trouxe novas contribuições, em especial, numa negociação sobre um acordo setorial de produtos orgânicos que facilita a certificação. Ademais, o acordo com o Chile é um exercício importante para que o Brasil construa suas posições em acordos que estão na mesa de negociações, como o do Canadá.

Outra novidade do acordo Brasil-Chile em relação ao CPTPP é o capítulo sobre cadeias regionais e globais de valor. O principal mercado das manufaturas do Brasil é a América do Sul e estudos sobre a viabilidade de se construir cadeias produtivas regionais e, no linguajar atual, cadeias regionais de valor, está no radar das políticas de estímulo à integração, desde os anos de 1990. No entanto, nunca havia sido institucionalizada num acordo. É preciso esperar para observar se a inclusão dos novos temas poderá facilitar a montagem das cadeias. Em principio, um grau elevado de liberalização dos serviços e medidas de convergência regulatória de padrões e certificados deverão ajudar.

Esperamos que o próximo passo seja a procura por acordos da nova geração com os outros parceiros da América do Sul, inclusive com os países do Mercosul. A institucionalidade do bloco é distinta, mas avançar através de compromissos formais com a agenda da nova geração é um passo importante. Não podemos, no entanto, ser “simplistas”. O Chile possui 26 acordos que cobrem 64 mercados, entre estes, Estados Unidos, União Europeia, Canadá, Japão, China. Realizar um acordo de nova geração com o Brasil não foi uma tarefa difícil. Para o Brasil foi um passo relevante, mas o PIB corrente em dólares de 2017 do país é 7,4 vezes o do Chile. Por mais que as novas regulações possam levar a aumento de comércio de mercadorias e serviços, os impactos são pequenos e não suscitam pressões protecionistas nos setores domésticos brasileiros. O desafio será o de fazer esses acordos com parceiros do Norte. Sob esse aspecto, o acordo com o Chile representa um aprendizado importante.

Por fim, espera-se que o novo governo avance na agenda de acordos de amplo escopo, em especial, com os parceiros da América do Sul. Transformar o Mercosul numa área de livre comércio, como alguns defendem, não impede que o exercício da liberalização e de medidas de facilitação do comércio, investimentos, serviços e trânsito de pessoas continuem na agenda da política de comércio exterior.

Gráfico 1: Participação (%) do Chile nas exportações e importações brasileiras

Fonte: Comex Stat

Gráfico 2: Exportações, Importações e Saldo Comercial no comércio Brasil-Chile em US$ bilhões


Fonte: Comex Stat

 

 

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