O Auxílio Brasil
Após um ano de discussão sobre um novo programa social, o governo enviou ao Congresso uma medida provisória que cria o Auxílio Brasil. Vários aspectos do programa precisam ser aprimorados, especialmente a falta de mecanismos de proteção para trabalhadores informais.
Após um ano de discussão sobre um novo programa social, o governo enviou ao Congresso uma medida provisória que cria o Auxílio Brasil (MP 1061/2021). Neste artigo vou comentar alguns aspectos do programa relacionados ao seu desenho e grau de efetividade. Também vou mencionar algumas diferenças em relação ao PL 5343/2020, que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS), o qual já tive a oportunidade de discutir neste espaço.
Atualmente existem quatro tipos de benefícios no Bolsa Família para famílias na pobreza e extrema pobreza: Benefício Básico, para famílias com renda familiar per capita mensal igual ou abaixo de R$ 89; Benefício Variável para gestantes, nutrizes, e crianças e adolescentes de até 15 anos; Benefício Variável Jovem, para jovens entre 16 e 17 anos e o Benefício para Superação da Extrema Pobreza, que completa a renda familiar até que seja assegurado um patamar igual ao da linha de extrema pobreza.
O Auxílio Brasil prevê uma nova estrutura de benefícios. É criado o Benefício Primeira Infância para crianças com idade entre 0 e 36 meses. Os benefícios variáveis são unificados no Benefício Composição Familiar, para crianças e jovens entre 3 e 21 anos. É mantido o Benefício para Superação da Extrema Pobreza e extinto o Benefício Básico.
Os objetivos da mudança são apoiar financeiramente as famílias com crianças na primeira infância, incentivar a conclusão dos estudos de jovens com idade até 21 anos e eliminar a atual sobreposição entre o Benefício Básico e o Benefício para Superação da Extrema Pobreza.
No entanto, um problema grave da MP é que ela não estabelece o valor desses benefícios. Como avaliar o impacto do programa em termos de redução da pobreza sem que sejam estabelecidos esses valores?
No que diz respeito às mudanças na estrutura de benefícios do Bolsa Família, elas são relativamente modestas. Também não está claro se serão eficazes. Embora a criação de um benefício para a primeira infância seja meritória, existem outras formas de estimular o desenvolvimento infantil, como a expansão do Programa Criança Feliz, que envolve visitas domiciliares em vez de transferências monetárias.
Em relação à ideia de estender o benefício variável para a faixa etária até 21 anos, o objetivo de incentivar a conclusão dos estudos de jovens é válido, mas novamente existem alternativas que podem ser mais eficazes, como a criação de uma poupança para estudantes pertencentes a famílias beneficiárias do programa social, que poderia ser sacada em caso de conclusão do Ensino Médio, como proposto na LRS.
Uma importante lacuna do Auxílio Brasil é a ausência de uma proposta de proteção dos trabalhadores informais. A pandemia evidenciou a enorme vulnerabilidade social desses trabalhadores e motivou a criação do auxílio emergencial. Embora não estejam abaixo da linha de pobreza, as flutuações de sua renda provocam perda de bem-estar que poderia ser mitigada por alguma forma de seguro, como a Poupança Seguro Família proposta na LRS.
Aparentemente o Auxílio Brasil pretende lidar com este problema por meio de crédito consignado para famílias beneficiárias do programa. No entanto, embora possa ser um instrumento de suavização de flutuações no consumo para famílias que tenham a perspectiva de ter um aumento de renda no futuro, o crédito não é um instrumento adequado para lidar com situações de insuficiência de renda, como é o caso de famílias em situação de pobreza. Além disso, a proposta não prevê nenhum mecanismo para lidar com a volatilidade de renda de trabalhadores informais que não sejam pobres, mas tenham uma queda súbita de renda.
O Auxílio Brasil tem como objetivo não somente reduzir a pobreza e extrema pobreza, mas também criar mecanismos de superação desta condição, na linha do que se convencionou chamar de portas de saída do Bolsa Família, envolvendo incentivos para a inserção no mercado de trabalho formal e ao empreendedorismo.
Nesse sentido, a MP cria diversas modalidades de auxílio: Auxílio Esporte Escolar; Bolsa Iniciação Científica Júnior; Auxílio Criança Cidadã; Auxílio Inclusão Produtiva Rural e Auxílio Inclusão Produtiva Urbana.
O objetivo é mais uma vez relevante, mas não me parece que as iniciativas propostas sejam as mais adequadas. Em particular, o Auxílio Inclusão Produtiva Urbana, voltado para beneficiários do Programa Auxílio Brasil que comprovarem vínculo de emprego formal, representa uma modalidade de incentivo à formalização similar ao Abono Salarial, que já deveria ter sido extinto em função de sua baixa efetividade.
Além disso, especialmente em um programa que cria diversos incentivos para a inclusão produtiva, a ausência de valores dos benefícios e auxílios não permite avaliar seus efeitos e coordená-los de forma a produzir o impacto desejado.
Em resumo, minha avaliação é de que vários aspectos do Auxílio Brasil precisam ser aprimorados, especialmente a falta de mecanismos de proteção para trabalhadores informais. Um grande risco é que, diante da ausência de valores dos benefícios na MP, o Congresso estabeleça valores muito elevados e com grande impacto fiscal, como ocorreu na tramitação do projeto que criou o auxílio emergencial.
Outra possibilidade é que aconteça algo similar ao que está ocorrendo com a reforma do imposto de renda, quando disputas em torno de isenções e alíquotas de tributação acabaram desvirtuando completamente os objetivos da proposta. Isso seria extremamente negativo, especialmente diante do fato de que o pós-pandemia provavelmente será caracterizado por aumento da pobreza e da vulnerabilidade social.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 20/08/2021.
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