Macroeconomia

O cenário econômico pós-pandemia

1 jun 2020

A divulgação recente de diversos indicadores de atividade econômica tem levado os analistas a revisarem para baixo as projeções para o desempenho do PIB em 2020. O IBRE/FGV prevê queda de 5,4%, mas já existem estimativas de redução em torno de 8%.

Diante de queda tão abrupta do PIB, a dúvida que se coloca é sobre a velocidade da recuperação da atividade econômica após a pandemia da Covid-19. Minha avaliação é de que, assim como no período que se seguiu à recessão que terminou no quarto trimestre de 2016, teremos uma recuperação lenta após a pandemia, pelos motivos discutidos a seguir.

A principal razão para a lenta recuperação da economia no período 2017-2019 foi o elevado grau de incerteza econômica. De fato, como mostra o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE/FGV, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado.

Em uma situação em que não existe clareza sobre a direção da política econômica, os empresários postergam investimentos e contratações formais, como tem acontecido nos últimos anos. Isso ajuda a entender o fato de que no final do ano passado o investimento ainda estava mais de 25% abaixo do patamar observado no segundo trimestre de 2013. Também é compatível com o padrão de recuperação do mercado de trabalho baseado na geração de ocupações informais, especialmente do trabalho por conta própria.

A queda do investimento e o aumento da informalidade, por sua vez, afetaram negativamente a produtividade do trabalho. Após forte queda durante a recessão, a produtividade voltou a crescer em 2017, mas essa recuperação perdeu fôlego em 2018, culminando com uma queda de 1% em 2019.

Com a eclosão da pandemia, o grau de incerteza subiu para um patamar histórico. O IIE-Br é padronizado de modo a ter média 100 e desvio-padrão 10 no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2015. Em março deste ano, o indicador deu um salto de 52 pontos, seguido de um aumento adicional de 43,5 pontos em abril, atingindo o maior nível já registrado, de 210,5 pontos. Apesar da queda de 20,2 pontos em maio, o IIE-Br permanece 53,5 pontos acima do recorde anterior à pandemia, em setembro de 2015.

Embora a redução de maio indique que a incerteza deve diminuir em relação ao pico de abril, existem fortes razões para acreditar que ela permanecerá acima do nível já elevado que prevaleceu desde o segundo semestre de 2015. Em particular, riscos referentes à situação fiscal, ao ambiente de negócios e de natureza política podem comprometer a recuperação pós-pandemia.

Como tenho discutido neste espaço, os riscos fiscais aumentaram consideravelmente. O problema não é simplesmente o grande impacto fiscal das medidas de combate à pandemia, mas o fato de que o resultado primário ainda pode piorar bastante, seja devido ao aumento das despesas seja caso ocorra uma queda maior do PIB.

Sexta passada, o Ministério da Economia divulgou sua última atualização do impacto fiscal das medidas de combate à pandemia. Seu impacto estimado é de 5,8% do PIB em 2020. Considerando uma queda do PIB de 4,7% em 2020, a estimativa do déficit primário consolidado para este ano é de 9,9% do PIB, com elevação da dívida pública para 93,5% do PIB.

Esses números representam uma deterioração considerável em relação às projeções divulgadas pelo Ministério da Economia no início de maio. Naquela ocasião, a estimativa para o déficit primário era de 8,27% do PIB, com base em uma queda do PIB de 3,34% (estimativa do Boletim Focus no início do mês). A projeção para a razão dívida/PIB era de 90,8% do PIB no final do ano. Ou seja, houve um aumento de 2,7 pontos percentuais na estimativa da relação dívida/PIB entre o início e o final de maio.

Em relação ao ambiente de negócios, tenho chamado a atenção para o grande número de projetos tramitando no Congresso que, em nome do combate à pandemia, interferem em contratos privados, instituem empréstimos compulsórios, promovem aumentos abusivos de impostos, tabelam taxas de juros e congelam preços, ressuscitando intervenções no mercado que tiveram consequências econômicas desastrosas no passado.

Embora essa agenda tenha sido um pouco contida nas últimas duas semanas, os riscos continuam presentes. Por exemplo, ontem foi incluído na pauta do Senado o PL 1542/2020. O relatório apresentado suspende os reajustes de planos privados de saúde por 120 dias. Durante este período, proíbe a cobrança de franquia ou de coparticipação, suspensão ou rescisão unilateral do contrato e suspensão do atendimento de beneficiários inadimplentes, dentre outras medidas.

O relatório do PL 1542/2020 suspende ainda por 60 dias o reajuste anual de preços de medicamentos em 2020. Além disso, o parágrafo terceiro do Art. 3º-C. determina que, mesmo após o período de 120 dias, “poderão ser determinadas medidas adicionais de controle de preços de medicamentos, inclusive o congelamento, caso sejam detectados aumentos abusivos.” O projeto acabou sendo retirado de pauta a pedido de vários senadores, mas as medidas propostas dão uma ideia dos tipos de intervenção que estão sendo considerados.

Outro fator que está contribuindo para a exacerbação da incerteza é de natureza política. Além da falta de coordenação entre Executivo e Legislativo, já verificada antes da pandemia, estamos assistindo a um conflito aberto entre o presidente Bolsonaro e o STF, com consequências difíceis de antecipar, mas claramente danosas para decisões de investimento e de contratação de trabalhadores.

Em resumo, diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o que prevaleceu desde 2015, minha avaliação é de que provavelmente teremos uma recuperação lenta da economia, com baixo investimento, informalidade elevada e produtividade em queda. Somente a combinação de estabilidade política com retomada da agenda de reformas poderá alterar este quadro.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 29/05/2020.

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